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Sábado, Novembro 2, 2024

Alentejo: Henrique Raposo, o açafate do vegente

João Vasco AlmeidaAnda a aldeagar o Alentejo um tal de Henrique Raposo, um alganaças lisboeta de avó bastarda, como deu à chiola há dias. Arenga o moço que não há em todo país lugar mais esparvoado que a terra entre o Tejo e o Algarve.

Diz ele que a fandangaria que para ali vai é de gente que gosta dos mortos matados por vontade, que os caspinhos não têm palavra que os defina, que os alentejanos fazem logo um fatinho novo a quem vira costas.

Cabeça de cancho, põe num desfêgo as ideias que tem, sem ler coisa nenhuma nem falar com o povo. Um empalagoso, a quem se dedica este contraditório.

É que Raposo anda tão iscado que confunde um drama pessoal com uma gente inteira. Deixo aqui o vídeo da enormidade e rebato-o ponto por ponto, logo a seguir. Se não se quiserem demorar no que o moço diz, vou contextualizando.

1 – O suicídio é bem aceite e cultivado, diz o Raposo.

Errado. O suicídio deriva de uma variedade de características que estão muito bem explicadas aqui e escuso-me de vos maçar com isto. O que Raposo não entende é que não se valoriza moralmente o suicídio, nem social nem religiosamente. Para muitos, incluindo os do alentejo, a tragédia do suicídio não é motivo para condenar a pessoa.

Raposo quer essa condenação, o moralismo post mortem, apontar o dedo ao suicida para que a comunidade que lhe sobrevive sacuda a água do capote. O egoísmo menino de Raposo defende que se a comunidade acusar, livra-se da parte. Pois caríssimo senhor, pelo contrário. A culpa é partilhada e o luto faz-se sem sombra de pecado.

2 – A violação é como um copo de água e as mulheres dizem “e pronto…” .

Raposo não conhece o Alentejo nem o Minho nem Trás-os-montes. O direito de pernada não calou fundo nas almas alentejanas. Mas o articulista acusa a mulher alentejana de se calar e considerar normal uma violação.

Uma violação, um abuso, causava e causa ainda hoje em toda a vila, aldeia ou cidade uma consequência imediata e condenatória da comunidade perante o suspeito – e sobre o condenado, nem se imagina.

Não ler dá nisto: dizer alarvidades.

As aldeias e vilas alentejanas guardam (mal, se calhar) o carimbo com que marcam os violadores por décadas. Os violadores são punidos socialmente, economicamente e eticamente. Não arranjam emprego ou são despedidos, são empurrados para fora da terra, etc.

Podiamos revisitar alguns exemplos, bem claros na imprensa regional, mas deixemos de lado as pessoas e generalizemos, apenas: a mulher violada era acarinhada na comunidade. Não era tratada como os amigos do Raposo querem: obrigada a ter o filho e a penar a vida toda com a vergonha e o fardo. Mas isto incomoda o articulista, que tem erro de paralaxe.

3 – Os alentejanos são gentes em que não se pode confiar.

Toda a razão ao autor de “Alentejo Prometido”. Se fosse o Raposo nunca mais confiava num alentejano para nada. Aqui há que distinguir o que o escriba entende como confiança.

O alentejano confia a vida, mas tem de existir verdade e honestidade. O alentejano, o beirão e o minhoto.

O problema de análise do crítico é que, provavelmente, confunde confiança com simpatia aparente. O alentejano não é simpático – nem aparentemente simpático. São coisas da História e da vida, que não importa agora explicar ao Raposo mas que uma leitura atenta do seu conterrâneo Manuel da Fonseca bem clarificava.

Dos brasileiros costuma dizer-se que nos recebem de braços abertos, mas nunca os fecham. Dos alentejanos pode dizer-se o contrário: só abrem os braços depois de muito confiarem. Raposo tem estados de alma com esta atitude. Psicanalista fará bem ao molhos.

Barragem de Póvoa e Meadas, Alentejo
Alentejo, por Nuno Morão

Conclusão: Para estar na moda há um velho truque, que é estar contra a moda. Raposo foi de carro a Santiago e não gostou.

Aparenta que tem má memória do Alentejo e que seus pais e avós passaram por uma vida complicada. Percebo que não goste do Alentejo. Eu não sei porquê, mas não gosto do Algarve. Só que não tenho razão nenhuma objectiva para o dizer, é só más memórias e fastio.

O que Raposo não compreendeu foi o Alentejo nem que no Alentejo não há enorme entusiasmo por ter o Alentejo na moda. Aliás, os alentejanos gostam das suas terras e ainda usam, sim, a palavra “forasteiro” com o cuidado lúcido de que vem para se servir da terra em vez de servir a terra.

O Henrique publicou o livro. É um forasteiro. O Alentejo, claro, não é perfeito.

Ainda bem. Já dizia e contava o Brito Camacho. (vá ler, Raposo, que mal não faz).

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