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Alípio de Freitas

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

1929 – 2017

Foi padre, revolucionário, e um cidadão exemplar pela sua coragem, humanidade e coerência. No Brasil esteve muitos anos preso e foi torturado até ao limite do imaginável.

Herói lendário do movimento camponês no Brasil, uma das inspirações da adolescência de muitos jovens em Portugal nos anos 70. A sua vida, em Portugal e no Brasil, foi a de um cidadão do mundo que lutava por ideais de justiça social e liberdade. Nos últimos anos, em Portugal, promoveu (e dirigiu) diversos movimentos sociais e associações cívicas.

Ordenação

Alípio Cristiano de Freitas nasceu a 17 de Fevereiro de 1929 em Vinhais (Bragança, Trás-os-Montes) e por aí cresceu. Ordenado padre em 1952, cedo se apercebeu das injustiças sociais que lhe iriam determinar, durante toda a vida, a sua corajosa e incansável luta. Logo a seguir à ordenação foi viver para junto dos pobres, na Serra de Montesinho e, cinco anos depois, aceitou um convite do arcebispo de Maranhão para viver no Brasil.

Chega a São Luís do Maranhão para trabalhar na Ação Católica. Homem culto, lecciona na faculdade, mas dá assistência a operários, desempregados e trabalhadores rurais. Choca-se com a miséria e a fome do povo maranhense. Decide viver como os mais pobres, comer como eles e, até, passar pela experiência da fome. «Eu já conhecia a pobreza, em Portugal, mas a miséria eu conheci no Maranhão».

Num subúrbio miserável de São Luís do Maranhão fundou uma paróquia, uma escola, um posto médico. De início não celebrava missa, nem tão-pouco ia à missa, e depois quando o fez (em atenção ao arcebispo) era em português, no que se antecipava ao Concílio Vaticano II.

Professor na Faculdade de Filosofia de S. Luís, mantinha actividade jornalística no «Jornal do Povo» e no «Jornal do Maranhão» e um programa diário na Rádio Timbira.

O abandonando do sacerdócio

Em 1962 foi a Moscovo, ao Congresso Mundial da Paz, onde privou com Pablo Neruda, a Pasionaria e Kruchtchev. Quando regressou ao Brasil rompeu com a hierarquia da Igreja, abandonando o sacerdócio. Apoiou a candidatura de Miguel Arraes ao governo de Pernambuco, o que lhe valeu ser raptado pelo exército e detido durante 40 dias.

À saída naturalizou-se brasileiro, foi para o Rio de Janeiro, viveu nas favelas, e ajudou a fundar as Ligas Camponesas, um movimento radical que, entre outras iniciativas, organizava ocupações de terras. Entretanto, assumiu o seu lugar nas Ligas Camponesas e foi eleito para a Secretaria Executiva da Frente de Mobilização Popular. O golpe militar de Março de 1964 apanhou-o no Rio. Participa das lutas armadas contra o regime militar; é preso e torturado.

Na sequência do golpe pediu asilo político no México, depois recebeu treino político-militar em Cuba e regressou clandestinamente ao Brasil em 1966. A partir daí percorreu o país de ponta a ponta, promovendo o movimento camponês.

Dirigente partidário e preso político

Em Maio de 1970 era dirigente do Partido Revolucionário dos Trabalhadores quando foi preso. Logo depois, escreveu o livro Resistir é preciso. Sujeito à tortura do sono durante 30 dias, também ele resistiu. Foi na cadeia que ouviu pela rádio a notícia da Revolução de 25 de Abril em Portugal. Surpreendido, emocionou-se.

Ali isolado, desconhecia a canção que José Afonso lhe dedicara. Só muito mais tarde pôde ouvir o álbum de José Afonso Com as Minhas Tamanquinhas que inclui a canção-homenagem com o nome Alípio de Freitas.

Saiu da prisão em 1979, como apátrida.

Em 1981 foi viver para Moçambique, evolvido num projecto com camponeses que foi visitado e elogiado por Samora Machel.

No livro “O assalto ao poder e a sombra da guerra civil no Brasil”, o autor, Carlos Amorim, aborda a resistência à ditadura militar e inclui a participação de Alípio de Freitas. Cita-o:

Trabalhadores, ontem vos ensinei a rezar e hoje aqui estou para ensiná-los a pegar em armas e lutar”

E comenta:

Sem dúvida que era um homem corajoso e valente expressando-se desassombradamente, numa época em que todos tinham medo”

De regresso a Portugal

Ainda nos anos 80, regressou a Portugal. Entrou para a RTP, onde ficou até 1994, realizando com Mário Zambujal, Carlos Pinto Coelho e José Nuno Martins o programa Fim de Semana.

Embora tenha continuado a passar por Moçambique e pelo Brasil, vivia em Portugal, onde deu aulas livres de Economia Política e foi jornalista, estando ligado a diversos movimentos sociais e associações cívicas. Foi fundador do Bloco de Esquerda, em 1999 e o primeiro presidente da Associação José Afonso.

Em 1993, foi co-produtor, com Mário Lindolfo, do documentário À Procura do Socialismo, sobre a história contemporânea de Portugal no período pós 25 de Abril.

Em Lisboa foi fundador (1993-94) da Casa do Brasil de Lisboa. Fundador, em 2004, da Casa Grande do Brasil, no Seixal, associação que atende às necessidades e interesses das comunidades brasileiras na margem esquerda do Tejo (Almada e Seixal).

A partir de 1999 foi professor convidado na Universidade Lusófona de Lisboa. Membro do Tribunal Mundial do Iraque. Divulgador e promotor do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Portugal. Registou a associação Lisboa – Ponto de Cultura, com o objectivo de promover as relações interculturais na cidade de Lisboa.

Em 2005, o cineasta Caco Souza fez a premiada curta metragem “Resistir”, com o depoimento de Alípio de Freitas e de dois outros presos que conviveram com ele nas prisões brasileiras.

Era pai da cantora brasileira Luanda Cozetti e casado com Guadalupe Portellinha, sua companheira de muitos anos.

Ao longo de 2016 e 2017 foi homenageado a nível nacional.
No dia do seu 88º aniversário foi homenageado em Lisboa pelos seus amigos e, nessa ocasião, foi publicado um livro colectivo: Palavras de Amigos para Alípio de Freitas | Edições Pangeia, 2017.

Em 3 de Junho de 2017, Alípio de Freitas esteve presente no Museu do Aljube e fez uma memorável intervenção na conferência que abriu a exposição “Alípio de Freitas, muitas vidas numa só”. Faleceu a 13 de Junho de 2017, sem chegar a assistir ao concerto em que seria homenageado a nível nacional, em Lisboa, previsto para 17 de Junho desse ano.

Fotografias e vídeos

encontro de amigos

Só se conseguiu gravar parte do momento, mas aqui fica para a memória. A amizade é alimento da alegria. Obrigado amigos.

Publicado por Alípio Cristiano de Freitas em Domingo, 14 de Junho de 2015

Dados biográficos:

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