Para se poder ter uma noção real do que se está a passar na PT/Meo/Altice e daquilo com que não apenas os seus trabalhadores, mas também os cidadãos portugueses em geral estão confrontados, é preciso conhecer-se o que são verdadeiramente a Altice e os seus satélites, os seus donos e os seus gestores, e as respectivas práticas e objectivos.
1. O que é, afinal, a Altice e quem são os seus donos?
A Altice é – na sua essência e independentemente da miríade de entidades (só) jurídico-formalmente distintas que ela vai constituindo, designadamente em cada País onde actua – um fundo de investimento, criado no Luxemburgo em Maio de 2001, direccionado essencialmente para os sectores das telecomunicações e, cada vez mais, para a informação da comunicação social (eufemisticamente designada de “produção de conteúdos”). Os seus três fundadores e principais accionistas são o franco-israelita Patrick Drahi (que, em Setembro último, numa conferência de imprensa realizada após a compra da operadora americana Cablevision, declarou publicamente: “eu não gosto de pagar salários. Pago o mínimo que puder”), o milionário português Armando Pereira, residente em Lausanne, conhecido como o “implacável no corte de custos”, o principal responsável pelos despedimentos na Cabovisão e na Oni e apresentado pelo ex-ministro Pires de Lima como “um herói”) e Bruno Boineville, todos eles constando entre os 5 mais ricos investidores ligados à internet em França.
Em Portugal, a Altice começou por comprar, em 2012, a Cabovisão somente por 45 milhões de euros à empresa canadiana Cogeco Cable, que a havia adquirido 6 anos antes por 465 milhões, e logo a seguir levou a cabo um despedimento colectivo de mais de 100 trabalhadores (com grávidas e dirigentes sindicais à cabeça) que, aliás, ainda hoje esperam pelo pagamento das respectivas indemnizações.
Em meados de 2013, a Altice comprou, por 80 milhões de euros aos seus dois accionistas (Onigestin e Riverside) a Oni, a qual tinha sido vendida, 7 anos antes, pela EDP pelo montante de 160 milhões de euros.
Em Junho de 2015, a Altice – que entretanto vendeu quer a Cabovisão, quer a Oni ao fundo de investimento APAX – comprou à Oi, por cerca de 7.4 mil milhões de euros, a PT Portugal SGPS, SA (resultante da divisão da primitiva Portugal SGPS, SA nessa mesma empresa e na PT SGPS, a holding ligada à falida Oi, e hoje denominada Pharol).
Mesmo esse negócio está envolto em circunstâncias mais que nebulosas. Desde logo, porque a Altice beneficiou de um gigantesco desconto de 1,3 mil milhões de euros supostamente a título de contingências ou encargos com os trabalhadores ditos excedentários.
Depois, porque, mesmo antes de tal negócio estar concretizado, já o então Ministro da Economia Pires de Lima visitara, em Maio de 2015, a sede da Altice em Paris, tal como foi com a mesma Altice visitar a PT Inovação em Aveiro e inaugurou, com Armando Pereira ao lado, o centro de apoio a clientes em Vieira do Minho.
Enfim, porque Hernani Vaz Antunes, um dos testas de ferro do mesmo Armando Pereira, foi entretanto a Tribunal reclamar (ainda que até agora sem êxito) a “módica” quantia de 70 milhões de euros a título de “comissão” pelas actividades de intermediação no dito negócio, designadamente reuniões com o Presidente da Oi, Otávio Azevedo, entretanto preso no Brasil em Julho de 2015, no âmbito da chamada “Operação Lava Jacto”…
E o que tem sempre feito a Altice em toda a expansão do seu negócio e em todas as aquisições?
Tem desde logo esperado, qual abutre atento, pela agonia de empresas ou grupos empresariais e adquirido os mesmos a preço de saldo, pelo método do endividamento (o denominado leverage buy out ou high by-leveraged transaction, em que uma significativa parte do preço de compra é financiada por “alavancagens”, ou seja, empréstimos), aumentando assim exponencialmente as dívidas do próprio Grupo Altice, que passaram de 2 mil milhões de euros em 2012 para 50 mil milhões de euros em 2016, para além de ter um montante de mil milhões de provisões para litigâncias inscritos nos respectivos balanços.
Depois, tem procedido a violentos “cortes de custos” (leia-se, abaixamento de salários e despedimentos) e a cessões formais de áreas de negócio para empresas subsidiárias, praticamente sem capital e sem património, e também sem contratação colectiva nem direitos sociais, mas que são detidas e/ou comandadas pela própria Altice.
2. E quem é o Sr. Michel Combes?
Como chairman da Numericable-SFR do Grupo Altice e Chief Operating Officer da mesma Alltice, é a cara mais visível do Grupo e é o tal que tem repetidamente afirmado que não existiria qualquer plano para fazer despedimentos em Portugal e que foi completamente desmascarado com a revelação do estudo interno contemplando 3 cenários de despedimentos, de entre 4.000 a 6.500 trabalhadores.
O Sr. Michel Combes foi Vice-Presidente e Director Financeiro da France Telecom (que entretanto mudou de nome para Orange) onde, sobretudo entre 2006 e 2009, houve uma violenta reestruturação que determinou 60 suicídios. Saído dessa empresa por ter perdido para Didier Lombard a batalha pela presidência, acabou na Alcatel-Lucent onde chefiou directamente um violento processo de corte de custos (leia-se, mais despedimentos) e preparou a fusão com a concorrente Nokia para, nas vésperas da consumação de tal fusão, sair com um pacote compensatório de… 13.7 milhões de euros (o qual, após inúmeros protestos e denúncias e até a intervenção da própria Medef, a confederação patronal francesa, lá aceitou que fosse reduzido para 7.9 milhões de euros, numa drástica história que aliás faz lembrar a da PT, em que gestores como Zeinal Bava e Henrique Granadeiro fizeram cair o valor da empresa 87% em 10 anos – de 2004 a 2014 – mas se pagaram a si próprios “prémios de gestão” de 117 milhões de euros!…
E na SFR o Sr. Combes é também responsável por cerca de 5.000 despedimentos, que inicialmente se comprometera a não executar durante um período mínimo de 3 anos mas que já manifestou a intenção de levar rapidamente a cabo.
3. E quem, afinal, é Paulo Neves?
Ele também passou pela Oni em 1998, mas foi CEO da PT desde Julho de 2015, altura em que escreveu uma carta aos trabalhadores onde declarou que era “com elevado sentido de responsabilidade e enorme satisfação” que assumia tal cargo e que a PT Portugal era “uma referência no sector, em Portugal e no mundo. Uma empresa líder e com reconhecido ADN de inovação”. Para logo algum tempo depois se arrogar dizer que “a PT conseguia fazer o mesmo que faz agora com menos 5000 trabalhadores”.
Para culminar, em 12 de Julho último, confessou em audiência na Comissão Parlamentar de Solidariedade e Trabalho que o número de contra-ordenações levantadas pela ACT quintuplicou no presente ano de 2017, que as saídas dos trabalhadores são “uma primeira parte do processo de agilização da empresa”, que – apesar de o ter negado ao Público em 16/12/16 – há cerca de 200 trabalhadores para quem “não há trabalho e que não devem estar a ser pagos sem estar a trabalhar”, “que existem salas ou serviços de “deslocalização” para os trabalhadores que não aceitam assinar revogações por mútuo acordo” (mesmo que sem acesso ao subsídio de desemprego). Ou seja, teve afinal de confessar que as declarações pomposas do Sr. Michel Combes de que não haveria qualquer plano de despedimentos, imediatos ou a prazo na PT, e que todos os direitos dos trabalhadores seriam respeitados, não passam de uma verdadeira falácia.
Tendo-lhes caído por completo a máscara, só restava ao Sr. Combes virar o disco e tocar o mesmo, ou seja, substituir o Sr. Neves por uma nova cara, a da Senhora Cláudia Goya que, vinda da Microsoft, também já anunciou o seu… “elevado sentido de responsabilidade” e tem por objectivo “elevar o estatuto da PT a referência mundial no sector”.
4. O desmascaramento dos “bons rapazes”
Perante o desmascaramento não apenas de todo aquele plano de despedimentos como também do sucessivo decréscimo do investimento tecnológico de qualidade, a PT/Altice/Meo voltou-se então para a última das manobras fraudulentas: a da transferência de trabalhadores para outras empresas, sob a invocação de pretensa transmissão de empresa ou de estabelecimento.
A verdade, porém, é que os serviços prestados pelas pretensas unidades pretensamente transmitidas (ou parte delas…) continuam a ser assegurados pelos mesmos trabalhadores, nos mesmíssimos locais de trabalho, com os mesmos instrumentos, utensílios, aplicações informáticas de suporte e os mesmos processos e objectivos de negócio, sob os mesmos planos, orientações e directrizes da Altice e respectivas chefias, só que (e apenas nalguns casos) aparentemente intermediadas por quadros das ditas empresas prestadoras de serviços. As quais são empresas do Grupo Altice (Sudtel Tecnologia, Tnord Tech, Field Force Atlântico) e actuarão nos termos dos contratos, designadamente de prestação de serviços e/ou de cessão de exploração, cujos exactos termos estão a ser escondidos mas tornam absolutamente claro que essa pretensa “transmissão de estabelecimento” não passa de uma fraude à lei, tão só destinada a emagrecer falsa e fraudulentamente a PT e a permitir um futuro e rentável negócio da venda da empresa “às postas”.
Aliás, com as assim artificialmente criadas diminuição da massa salarial e elevação dos custos da PT (pelas prestações de serviço asseguradas por empresas do Grupo, não apresentam lucros em Portugal mas consolidam contas nas holdings do Grupo sitas na Holanda e no Luxemburgo), não apenas é cada vez mais reduzida a solvabilidade da própria PT, como são as receitas do Estado português em sede de impostos, principalmente de IRS e de IRC, que são cada vez menores.
E a provocatória “cereja no topo do bolo” de todo este processo de “desnatação” produtiva, tecnológica e laboral – que torna bem clara a natureza do grande negócio de especulação financeira que ele representa – é a última das invenções fraudulentas da Altice: obriga a Meo e a PT a mudarem de nome para a Altice e cobra por isso à PT algo como 50 a 70 milhões de euros anuais que, esvaziando ainda mais os bolsos daquela, vão direitinhos para os bolsos dos senhores Drahi, Monteiro e Boneville, sem encargos fiscais.
A luta dos trabalhadores da PT/Meo/Altice é, pois, mais que justa! E transcende, e em muito, o âmbito da sua própria empresa, assumindo mesmo uma natureza nacional.
Porque no fundo, no fundo, ela significa: a fraude e a ganância dos abutres financeiros não passarão!