O processo de preparação do Sínodo da Amazônia, convocado pelo papa Francisco para acontecer em outubro, vem incomodando forças conservadoras no Brasil e em Roma. O Exército já expressou sua desconfiança em relação à iniciativa que busca dar “rosto amazônico” à Igreja ouvindo pessoas carentes, ribeirinhos e indígenas. O documento que serve como base para a discussão dos bispos é considerado blasfêmia pela ala reacionária do Vaticano.
Trata-se do documento de trabalho de 60 páginas intitulado “Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”, assinado pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam). Para formulá-lo, foram ouvidas perto de 80 mil pessoas de comunidades amazônicas nos nove países da região. O processo de consulta foi iniciado há dois anos.
O papa Francisco convocou a reunião de bispos em 15 de outubro de 2017. “Atendendo ao desejo de algumas conferências episcopais da América Latina e ouvindo a voz de pastores e fiéis de várias partes do mundo, decidi convocar uma assembleia especial do sínodo dos bispos para a região pan-amazônica”, disse.
O sínodo acontecerá em Roma durante três semanas a partir de 6 de outubro. É a primeira reunião de bispos pensada para um lugar geográfico e uma resposta à encíclica Laudato sí, de 2015, de pensar na ecologia integral. “O objetivo é identificar novos caminhos para a evangelização daquela porção do povo de Deus, especialmente dos indígenas, frequentemente esquecidos e sem perspectivas de um futuro sereno”, dizia o site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
O processo se iniciou com a visita do papa a Porto Maldonado, no Peru, em janeiro de 2018. Ali se iniciou a consulta às comunidades. O resultado será uma exortação apostólica escrita pelo papa. É documento de orientações pastorais, sem o peso doutrinal. “É uma indicação que o papa fará a partir de uma reflexão. Isso será encaminhado à Igreja. É pensado para a Amazônia, mas tem implicações para toda a Igreja”, diz uma fonte.
O encontro do papa no Vaticano com os bispos de toda a região pretende avaliar os desafios e buscar respostas comuns para os mais de 30 milhões de habitantes da região. “A Igreja tem a oportunidade histórica de diferenciar-se claramente das novas potências colonizadoras escutando os povos amazônicos para exercer com transparência seu papel profético”, diz o documento.
A iniciativa desagrada a alas do Exército preocupadas com uma suposta ingerência à soberania nacional. “Não precisa ter temor nenhum, porque a Igreja não está querendo de forma nenhuma promover ali uma nova nação, um novo país”, explica em texto no site da CNBB o cardeal Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo e presidente da Comissão Episcopal Especial para a Amazônia da CNBB.
O documento que será discutido pelos bispos foi dividido em três partes – a voz da Amazônia, a ecologia integral e a Igreja profética na Amazônia. É a terceira parte que tem pontos controversos. O “rosto amazônico” da Igreja é o da pluralidade, da opção pelos pobres e que sabe “assumir sem medo as diversas expressões culturais dos povos”. Ali, a Igreja busca fazer frente ao “vertiginoso crescimento das recentes igrejas evangélicas de origem pentecostal, especialmente nas periferias”.
Um item em discussão é ter quem garanta o acesso à eucaristia às comunidades. Como não há padres disponíveis e as distâncias são grandes, o documento “pensa novos ministérios, da atuação da Igreja no chão da Amazônia”, diz a fonte. O texto abre a discussão para aumentar a presença das mulheres que poderiam ministrar um culto e dar alguns sacramentos. Pessoas da comunidade, com famílias, poderiam ser ordenados.
O texto faz diagnósticos críticos das ameaças às populações locais. “Na Amazônia se sofre pela violação dos direitos dos povos originários, como o direito ao território, à autodeterminação, à demarcação dos territórios e à consulta e consentimento prévios”, lê-se na primeira parte. “Na atualidade, desmatamento, incêndios, mudanças no uso do solo e contaminação estão levando a Amazônia a um ponto sem retorno. Aquecimento em torno de 4 graus centígrados e 40% de desmatamento conduzirão à desertificação da Amazônia, e é preocupante que hoje em dia já estejamos entre 15 e 20% de desmatamento.”
A Amazônia é uma das regiões da América Latina com maior migração interna e internacional. O movimento “contribuiu para a desestabilização social das comunidades amazônicas” e as cidades não dão conta de proporcionar os serviços básicos”, diz o documento que tem, entre as sugestões, promover projetos de agricultura familiar nas comunidades rurais.
Há muitos problemas urbanos amazônicos listados no capítulo, desde o aumento da violência até a falta de emprego. Já no capítulo que trata de corrupção, o tom é forte: “Nas últimas décadas se acelerou a exploração das riquezas da Amazônia pelas grandes companhias que buscam o lucro a qualquer custo, sem se importar com o dano socioambiental que provocam. Os governos autorizam tais práticas e nem sempre cumprem seu dever de resguardar o ambiente e os direitos”.
Reconhece-se que “os povos amazônicos não são alheios à corrupção, mas se convertem em suas principais vítimas”. Uma das sugestões é promover a formação política, econômica e acadêmica e exigir das empresas que assumam suas responsabilidades sobre os impactos socioeconômicos. Nas escolas, as línguas nativas devem ser respeitadas. Para evitar erros históricos, o texto sugere o ensino da teologia indígena.
Texto original em português do Brasil
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