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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

America First

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Entre as notícias que vão dando conta de propostas da administração Trump para a imposição de tarifas aduaneiras sobre as importações e os primeiros ecos de retaliações ao aumento unilateral das tarifas por Washington tenham vindo de países ocidentais, com a UE, Canadá e México a responderem rapidamente com a intenção de retaliar contra as medidas, falando-se, no caso europeu, na aplicação de taxas mais altas nas importações. 

Entre as notícias que vão dando conta de propostas da administração Trump para a imposição de tarifas aduaneiras sobre as importações (depois de começar pelos painéis solares virou-se para o aço e o alumínio com a proposta de subir a taxa das importações de aço para 25% e a do alumínio para 10%; isentando inicialmente a Europa, o Canadá e outros parceiros comerciais, acabou por generalizar a medida a todos os países e mais tarde a outros produtos) e os primeiros ecos de retaliações ao aumento unilateral das tarifas por Washington tenham vindo de países ocidentais, com a UE, Canadá e México a responderem rapidamente com a intenção de retaliar contra as medidas, falando-se, no caso europeu, na aplicação de taxas mais altas nas importações de quase duas centenas de produtos provenientes dos EUA, rapidamente se percebeu que o principal alvo da iniciativa era a China, sobre cujas importações se preparam taxas alfandegárias superiores a 30 mil milhões de dólares e a aplicação de restrições ao investimento e à emissão de vistos para cidadãos chineses, que respondeu com a ameaça de subida nas taxas de mais de meio milhar de produtos norte-americanos.

Quase seguro é que entre ameaças de novas tarifas americanas e de retaliações europeias e chinesas ou até o mero aviso que uma guerra comercial pode provocar a recessão global, cresce a instabilidade e a insegurança, a China aprece cada vez mais como a grande defensora do mercado livre e ganha cada vez mais acuidade a pergunta: Iremos mesmo assistir a uma guerra comercial entre os EUA e a China?

Todas as dúvidas são admissíveis quando um país como os EUA, que depende mais das importações chinesas do que a China das importações norte-americanas, é dirigido por um egocêntrico e reputado manipulador, Donald Trump, que depois de se fazer eleger sob o lema «America First» e de ter levado para a Casa Branca bom número de apoiantes de políticas proteccionistas começou por ameaçar os parceiros da NATO com uma redução no financiamento norte-americano, alegando que a NATO ajuda “mais” os europeus que os Estados Unidos, talvez julgando que deste lado do Atlântico ninguém se apercebe que as decisões estratégicas daquela organização sempre foram tomadas de acordo com o exclusivo interesse norte-americano, para depois se virar para uma área – comércio internacional – onde os EUA sempre se têm apresentado como grandes defensores do princípio da livre circulação; mas representará isto uma real inversão no papel internacional dos EUA, ou é apenas mera estratégia para obter vantagens comerciais (na venda de petróleo e sistemas de defesa, talvez os últimos produtos que ainda serão “made in USA” e grandes financiadores das caríssimas campanhas eleitorais), senão puro pragmatismo face às enormes dificuldades que o país atravessa desde o 11 de Setembro de 2001 e a crise sistémica iniciada em 2007/2008 com o rebentamento da bolha do subprime?

Recordemos, antes de mais, que a ideia «America First» remonta aos tempos da II Guerra Mundial e à defesa do não intervensionismo nesse mesmo conflito (foram seus grandes paladinos Charles Lindbergh e Henry Ford), daria origem ao America First Committee (dissolvido após o ataque japonês a Pearl Harbour) e seria mais tarde retomada como slogan por alguns políticos conservadores, como o republicano Pat Buchanan e agora pelo populista Donald Trump, como expressão do seu nacionalismo.

Com afirmações como a de que o financiamento da Nato “não é justo”ou com o anúncio do abandono da UNESCO (justificado com o agravamento das dívidas daquele organismo da ONU), aquele aparente isolacionismo da política norte-americana, vendido aos eleitores como medida de defesa e protecção dos seus interesses, parece muito mais ditado pela extrema necessidade de reduzir custos, que mais não é que outra perspectiva das crescentes dificuldades financeiras que os governos federais norte-americanos vêm atravessando, e de agradar ao complexo militar-industrial, que será hoje uma das últimas indústrias verdadeiramente americana que resta. Em ambos os casos dificilmente se pode vislumbrar qualquer efectiva salvaguarda dos cidadãos norte-americanos e quase o mesmo pode ser dito relativamente à anunciada guerra comercial, defendida como medida para recuperar postos de trabalho em solo norte-americano, mas que dificilmente passará doutra coisa que uma desesperada tentativa para reduzir o enorme défice comercial dos EUA e que não pára de crescer.

Martin Feldstein
Martin Feldstein

Há cerca de um ano, Martin Feldstein (professor de Economia na Universidade de Harvard e ex-presidente do Conselho de Assessores Económicos do Presidente Ronald Reagan) escrevia acerca das «Verdades inconvenientes sobre o défice comercial dos EUA» que estes «…têm um défice comercial de cerca de 450 mil milhões de dólares, ou 2,5% do PIB. (…)É fácil culpar os governos estrangeiros que bloqueiam a venda de produtos dos EUA nos seus mercados, o que prejudica as empresas americanas e reduz o padrão de vida dos seus trabalhadores. Também é fácil culpar governos estrangeiros que subsidiam as suas exportações para os EUA, o que prejudica os negócios e os empregados que perdem vendas para fornecedores estrangeiros (embora os lares americanos em geral beneficiem quando os governos estrangeiros subsidiam o que os consumidores americanos compram). (…)Mas as barreiras de importação estrangeiras e os subsídios às exportações não são a causa do défice comercial dos EUA. A verdadeira razão é que os americanos estão a gastar mais do que produzem. O défice comercial é o resultado das decisões de poupança e investimento das famílias e empresas americanas (…)reduzir o défice comercial dos EUA exige que os americanos economizem mais ou invistam menos. (…)Os EUA têm conseguido manter um défice comercial todos os anos, há mais de três décadas, porque os estrangeiros estão dispostos a emprestar dinheiro para financiar as suas compras líquidas, comprando obrigações e acções norte-americanas…», donde se concluiu que uma redução nas importações poderá traduzir-se num corte do fluxo de capitais para o território norte-americano, logo em menor capacidade de financiar o conjunto da economia, possibilidade que parece confirmada com a notícia de que os Banqueiros centrais dos EUA estão mesmo preocupados com a guerra comercial, admitindo até que, com sinais como o estreitamento da diferença entre as taxas de curto e de longo prazos dos títulos do Tesouro, uma nova recessão possa estar para breve.

Por outro lado, será que o agravamento das novas tarifas se traduzirá num regresso das indústrias que, desde os anos 80 do século passado, se deslocalizaram para os países com salários mais baixos e na criação dos milhares de empregos prometidos por Donald Trump, ou tudo não passará dum logro? É que ao mais que previsível aumento do custo dos bens importados poderá não se seguir o desejado aumento do emprego, salvo para os americanos que aceitem salários idênticos aos asiáticos (100 dólares/mês), mas muito provavelmente uma redução do investimento estrangeiro nos EUA, recolocando o problema dos deficits norte-americanos na primeira linha das dificuldades económicas.

E que dizer da previsível quebra nos ganhos dos distribuidores e retalhistas ocidentais que actualmente encaixam uma enorme fatia do preço dos bens importados da Ásia, de onde saem a 1/10 do preço de venda final? E estes são maioritariamente as grandes empresas norte-americanas detentoras das marcas tecnológicas e de luxo que têm ganho milhões com a deslocalização e com as políticas fiscais neoliberais de redução dos impostos sobre os lucros, que se tornaram moeda corrente nas economias liberais.

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