Agora que se estava a aproximar o final da prorrogação de uma moratória justificada pela Covid-19, surgiu o recente anúncio pela administração norte-americana de um programa de cancelamento da dívida estudantil, medida muito falada durante a campanha eleitoral mas que se foi arrastando nos meandros de negociações entre democratas e republicanos, facto que merece referência e reflexão.
Referência pelo que tem de simbólico – tão simbólico que o montante do perdão não ultrapassará os 10 mil dólares por empréstimo (20 mil dólares para os beneficiários das Pell Grants, uma bolsa federal oferecida a alunos com dificuldades económicas), é aplicável apenas a empréstimos federais (leia-se públicos) e para devedores com rendimento anual até 125 mil dólares, quando é sabido que o montante médio dos empréstimos ronda os 34 mil dólares e que em Maio de 2020 (início da moratória), 9% dos devedores apresentavam já prestações em atraso – e de quase segura reduzida eficácia prática, quando é sabido que existem 43 milhões de empréstimos, num montante total que já ultrapassa os 1,7 biliões de dólares (qualquer coisa como 8% do PIB norte-americano), com um valor médio de quase 38 mil dólares (40 mil se se considerarem os empréstimos bancários) e que a medida agora anunciada deverá atingir apenas 20 milhões de devedores.
Recorde-se, para melhor e cabal compreensão de uma realidade que nos poderá parecer estranha, que ao contrário do que sucede na generalidade dos países europeus, onde a educação é garantida e directamente financiada pelos estados, nos países anglo-saxónicos (Reino Unido e Estados Unidos) impera um sistema de ensino privado que transforma todo o processo de formação (particularmente a formação de nível superior) numa espécie de investimento que tem fomentado o recurso aos empréstimos estudantis e assim sobrecarregando os segmentos mais instruídos das suas populações com dívidas de dezenas de milhares de dólares, dívidas que se arrastam no tempo e muito contribuem para a degradação da respectiva qualidade de vida.
Igualmente interessante é a constatação do enorme crescimento do nível geral de endividamento, cujo montante total mais que triplicou nos últimos quinze anos (entre 2006 e 2021), quando no mesmo período o crescimento do número empréstimos pouco ultrapassou os 50%, bem revelador do brutal agravamento dos custos com a educação e a formação que os jovens norte-americanos se vêem obrigados a suportar.
A dimensão deste problema (real medida da urgência de reformulação da questão do modelo de financiamento da educação e de quanto ele condiciona as gerações mais jovens), não é de agora, pois basta lembrar que já em 2008, no auge da crise financeira revelada pela falência do Lehman Brothers, se falava na enormidade e no risco que semelhante situação representava, mas tal como então se prometia a erradicação dos derivados financeiros tóxicos e até agora quase nada se fez nesse sentido (o pretenso incremento nas regras de controle nunca passou disso mesmo), também no caso dos créditos estudantis foi necessário esperar quatorze anos para se registar uma primeira tímida acção, cujo efeito final não pode ainda ser avaliado.
Estaremos, em resumo, perante uma iniciativa louvável, até por reabrir o debate sobre a utilidade ou a inevitabilidade da aplicação de idêntica solução a outras formas e origens de endividamento, mas de reduzido alcance face à dimensão das restantes dívidas que continuam a ameaçar a qualidade de vida dos cidadãos.