Depois das atribulações que se seguiram às primeiras eleições da sua incipiente vida democrática, em 1992 – na verdade, terríveis atribulações sob a forma de uma mortífera guerra de dez anos de duração – Angola dá sinais de que mergulhou na normalidade do voto, escolhendo o Presidente e os integrantes do parlamento de cinco em cinco anos.
2008 foram as eleições que marcaram o retomar do processo de escolha dos governantes e dos legisladores, ainda ao amparo da antiga Lei Constitucional e correspondente legislação eleitoral, mas em 2010 aprovou-se uma nova Constituição da República que, entre outras transformações, fixou as eleições gerais para intervalos de cinco em cinco anos contra os anteriores 4 para escolha de deputados e cinco para os mandatos presidenciais que a revogada Constituição estipulava.
Em 2012, já ao abrigo da nova lei fundamental, aconteceram as terceiras eleições que inauguraram os mandatos de cinco anos, tanto para os deputados como para o Presidente da República e seu vice, período esse que está prestes a esgotar-se e, por isso mesmo, o tempo dá lugar a uma nova consulta popular. Em todas essas idas às urnas – na verdade, apenas três em vinte e cinco anos de processos electivos – o partido do nacionalista António Agostinho Neto, o MPLA, sagrou-se vencedor folgado, seguido sempre pela força fundada por Jonas Malheiro Savimbi, a UNITA, mas com variações curiosas nos lugares seguintes.
De acordo com a prática e com as estatísticas, o cenário em Angola relativamente a pesos assumidos na política partidária, é claro: o MPLA e a UNITA são as duas principais forças!
2017: O que muda?
As quartas eleições, que pelas contas de calendário teriam de ser em 2017, estão convocadas para o dia 23 de Agosto.
O processo organizativo incluiu um vasto e extenso processo de registo de cidadãos em idade eleitoral (maiores de 18 anos), subdividido em dois momentos: nos primeiros quatro meses (de Agosto a Dezembro de 2016), o cadastramento dos que haviam participado em eleições anteriores, num «varrimento» que ficou conhecido como «prova de vida», na verdade uma maneira de se confirmar se os cidadãos constantes da base de dados fechada em 2012 continuavam aptos para o voto em 2017, pois poderiam ter acontecido fenómenos como a morte ou a emigração.
De Janeiro a Março do presente ano, foi a segunda fase, reservada a jovens que tinham atingido os 18 anos de idade e ganhavam, por via disso, capacidade eleitoral. Quando a campanha de registo fechou, no dia 31 de Março último, as autoridades anunciaram a cifra de 9.459.122 como o número oficial de angolanos disponíveis para a escolha do futuro Presidente da República e os 220 deputados que integrarão a Assembleia Nacional (parlamento).
Comparado à estatística das últimas eleições (2012), o número apurado para 2017 permite supor que muita gente poderá ter ficado voluntariamente de fora. Em 2012 foram nove milhões os cidadãos inscritos para o voto e, agora, cinco anos depois, repete-se praticamente a cifra, com um ligeiro incremento na ordem das dezenas de milhares.
A nível presidencial
Mas contagens à parte, o factor de maior relevância nas novidades para 2017 é, sem dúvidas, a mudança que se
produzirá à frente da chefia do Estado. Independentemente de quem ganhe, o certo é que, em Setembro, testemunharemos o empossamento de um novo Presidente da República depois do ciclo José Eduardo dos Santos, aberto em 1979 quando, aos 37 anos de idade, foi chamado a assumir a missão histórica de substituir Agostinho Neto, falecido por doença no quarto ano de nação independente do país.
Um estreante absoluto será o novo timoneiro de Angola, com as previsões a indicarem como nome quase certo o de João Manuel Gonçalves Lourenço, actual ministro da Defesa e segunda figura da hierarquia do seu partido, o MPLA. Na chapa eleitoral aparece secundado por Bornito de Sousa Baltazar Diogo, a proposta do partido para Vice-Presidente da República.
Deputados, e campanha eleitoral…
A lista de deputados, conhecida há vários meses numa altura em que mais nenhuma outra era do domínio público, inclui altas figuras da direcção do MPLA, governantes actuais e personalidades de reconhecida valia técnica nos seus domínios de actuação, como professores universitários, economistas e líderes juvenis.
Primeiro a divulgar publicamente os nomes das personalidades com quem vai a votos, o MPLA foi também o partido que se adiantou nas acções públicas de campanha pelo voto, lançando para o terreno o seu candidato num mês tão improvável como Fevereiro, a longos seis meses do período definido para a votação (Agosto, dia 23).
… desigual
Tem sido uma verdadeira luta desigual, com o MPLA a transformar os actos de apresentação do seu novo candidato presidencial em gigantescos banhos de multidão, em praças eleitorais tão distintas como Cabinda ou Cunene (extremos norte e sul do país), Namibe, Luanda ou Lubango. Além da reconhecidamente maior capacidade de mobilização popular que o MPLA exibe desde sempre – em bom rigor o traço distintivo do seu código genético -, à sua impetuosa marcha estão também associados factores como uma saúde financeira que não há como comparar com a dos outros concorrentes.
Tudo indica que o partido que apoia a candidatura de João Lourenço chegará ao fim deste processo de actos de massas com dezenas de eventos realizados, sempre com larga participação popular, e quem lhe procura imitar – dos partidos médios aos de expressão ínfima – dificilmente passará dos quatro ou cinco comícios feitos a duras penas.
Falta, decididamente, fôlego aos outros para tentarem fazer frente ao rolo compressor em que está transformado o partido de governo, uma tendência que poderá vir a ampliar-se nos tempos futuros, a julgar pelo deserto de ideias e ausência de brilho que marcam a tónica da vida funcional dos partidos da Oposição em Angola, salvo as honrosas excepções da UNITA e CASA-CE, esta última, uma coligação de partidos de matriz urbana liderada por Abel Chivuvkuvuku, antigo colaborador próximo de Jonas Savimbi.
O Autor escreve em português de Angola