Prestes a iniciar o ano que encerra o primeiro quartel deste século e perante um cenário como o que vivemos, com uma guerra nas fronteiras da UE e a fragilização das suas duas maiores economias, a viverem uma situação de declarada crise política, haverá fundadas razões para as tradicionais mensagens optimistas de fim-de-ano?
Registar as mentiras e discernir as hipocrisias nas mensagens que iremos ouvir aos diversos dirigentes da União, pode até ser um interessante exercício para todos os cidadãos europeus, mas mais importante ainda será tentar perceber as razões do que está a acontecer e para isso, infelizmente, os meios de comunicação têm-se revelado ineficazes. Seja por pouco mais fazerem que reproduzir e ampliar o discurso oficial sobre a situação na Ucrânia, seja por se limitarem a apontar culpas a terceiros pela degradação económica, a imprensa tem, de uma forma geral, mantido as populações europeias alheias a uma realidade – a falta de crescimento económico – que agora se começa a perceber e a fazer manchetes. Mesmo sendo verdade dizer-se que a Alemanha enfrenta desafios estruturais, como a concorrência crescente da China, a escassez de trabalhadores qualificados e uma transição ecológica complexa, isso é apenas uma pequena parte dos problemas criados pela adesão acrítica a uma política de sanções económicas contra a Rússia, promovida pelos EUA, que ditou um grande agravamento nos custos da energia e na competitividade da sua indústria.
Em França, o que começou por ser uma crise política resultante da decisão de convocar eleições legislativas antecipadas, rapidamente deixou de ser uma arriscada jogada política de Emmanuel Macron para se transformar numa colossal derrota eleitoral, que só um peculiar sistema eleitoral a duas voltas impediu que fosse uma hecatombe para os macronistas.
Sem perspectiva de uma maioria parlamentar fácil, Macron deu livre curso a um evidente pendor bonapartista e agravou a situação com a formação de um governo à revelia da votação popular. Arvorando-se em árbitro entre a Nova Frente Popular (coligação de esquerda, força política mais votada nas eleições de Julho deste ano e que junta a França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, aos ecologistas, aos socialistas e aos comunistas) e a formação de Marine Le Pen (o Rassemblement National, partido político francês de extrema-direita e de caráter proteccionista, conservador e nacionalista, antigamente designado por Frente Nacional) que esperava alcançar uma maioria absoluta, mas acabou em terceiro lugar, atrás do Juntos (Ensemble, coligação de Macron que junta partidos políticos de tendências liberais, democratas cristãs, centristas, alguns ex-gaulistas e defensores da integração francesa na UE), Macron demorou mais de dois longos meses para anunciar uma figura de Os Republicanos (quarta força política no Parlamento), Michel Barnier, para formar um governo que todos sabiam efémero.
Empossado em finais de Setembro, o governo Barnier durou pouco mais que o tempo que demorou a formar e não sobreviveu à primeira moção de censura que enfrentou, não sem que antes o primeiro-ministro tivesse deixado bem clara a grave situação financeira que a França atravessa e o seu sucessor, François Bairoux (figura próxima de Macron e líder do centrista MoDem), deverá enfrentar o mesmo tipo de dificuldades que levaram à queda do governo Barnier.
Para agravar a situação da UE, a crise em França junta-se a um período igualmente difícil para a vizinha Alemanha (a outra potência económica e política da UE, cuja indústria enfrenta acrescidas dificuldades devido ao aumento do custo da energia e da forte concorrência chinesa), deixando-a em risco de ter de enfrentar um novo ciclo económico recessivo que associa ao elevado défice francês (as previsões apontam para 6,2% do PIB, neste ano) a previsão de mais um ano de crescimento negativo alemão (-0,3% em 2023 e -0,2% em 2024) seguida de um crescimento anémico (0,8% em 2025). Alemanha que também enfrenta problemas políticos internos depois do recente colapso da coligação no poder, em resultado de divergências entre sociais democratas e liberais a propósito da política fiscal.
Despoletadas por motivos fúteis (uma circunstancial divergência de política fiscal) ou absurdos (os indisfarçáveis tiques bonapartistas de um mau avaliador das circunstâncias políticas e sociais internas), as crises políticas alemã e francesa não deixam de reflectir as debilidades e insucessos das respectivas políticas económicas, numa conjuntura em que a produção industrial da Europa enfrenta riscos acrescidos devido aos elevados custos da energia e à contração dos mercados para os seus produtos, a par com a calamidade que se tem revelado a crescente subserviência aos interesses norte-americanos.
De uma forma ou outra, a economia europeia terá de aprender a enfrentar uma nova realidade comercial onde um dos seus grandes parceiros, a China, se revela cada vez mais um concorrente (e um concorrente de peso…), e o seu tradicional mentor, os EUA, depois de a envolver numa guerra escusada, se apresta a aumentar tarifas e barreiras ao comércio, agravando os custos económicos diretos para os exportadores da UE e uma escolha difícil para os líderes europeus quanto à forma de negociar nesta nova conjuntura. Enquanto isto, surgem na Europa avisos sombrios sobre a competitividade perdida e sobre o crescente afastamento dos EUA, quando as fragilidades do eixo franco-alemão (aquele que, goste-se ou não, sempre foi o motor da ideia de uma união europeia) nada ajudam na definição de uma estratégia consistente e adequada.