A guerra de informação apropriou-se da “anti-corrupção” e tornou-a já uma das suas armas mais eficazes.Ao olhar o mundo quer o rodeia, um qualificado “information warrior” (John Rendon[1] foi dos primeiros a definir-se como tal, em 1998) percebe que tem todo o interesse e vantagens variadas em integrar a “luta contra a corrupção” no seu arsenal. E dar-lhe sábio uso em qualquer guerra de informação que desencadeie contra qualquer alvo. Que ele tenha ou não tenha sido tocado pela corrupção não importa. É mesmo o que menos importa.
“Embrulhar” um alvo a abater numa acusação de corrupção (mesmo que muito vaga e infundada) é garantia de sucesso mediático. A partir daí, as “caixas de ressonância” (do Correio da Manhã ao Facebook e ao Twitter) não vão dar descanso ao assunto e nem ao pobre do visado).
A maionese agarra, a estratégia começa a ganhar consistência, quando, por acaso ou através de um bem arquitectado expediente, consegue instrumentalizar alguns magistrados ou polícias. Então, o alvo já não escapa e vai ter de focar toda a sua energia e todos os seus recursos no provar da sua inocência…
Uma instrumentalização deste tipo, segundo corre em meios bem informados, terá sido tentada com a Autoridade da Concorrência, no campo dos serviços portuários. A AdC não se terá imediatamente apercebido da tentativa de manipulação e terá tido depois alguma dificuldade em encontrar uma estratégia de recuo…
Como o tempo mediático e o da guerra de informação são muito diferentes do tempo da “justiça”, de nada valerá ao alvo obter, finalmente, uma absolvição em tribunal, ao fim de largos anos de via dolorosa.
Quando tal absolvição chegar (supondo que chega…), a reputação do alvo estará há muito destruída, depois de arrastada pelas ruas da amargura e por lodaçais sem fim, e estarão também há muito resolvidos os negócios reais (económicos, políticos ou outros) de que tinha sido necessário afastar o alvo e que haviam exigido e justificado o desencadear da guerra de informação.
E acresce ainda que mesmo a credibilidade dessa absolvição pode sempre ser posta em dúvida…
Os modelos deste tipo de guerra estão (nas suas linhas gerais) estudados e estabelecidos. Ensinam-se, aliás, no nível dos mestrados em algumas (poucas) escolas europeias (nenhuma portuguesa, porém) e americanas. Na Rússia e na China, o seu ensino é de acesso muito restrito e está reservado a “academias” especiais. Ao lado destes modelos, os velhos esquemas da “dezinformatie” do vademecum do KGB (tão bem mostrados por Vladimir Volkoff) até parecem brincadeiras infantis…
Quer dizer, na guerra económica (protagonizada por empresas ou por Estados) pela conquista de mercados, de investimentos e de cadeias de valor ou pelo controlo de fileiras tecnológicas, a guerra de informação é uma arma imprescindível.
O maquiavelismo do “information warrior” consiste aqui no virar a seu favor e colocar ao serviço do seu cliente as ânsias de “transparência” e os sentimentos “anti-corrupção” que imperam nas sociedades mediáticas, dominadas pelo imediatismo e pela emoção.
Que querem a “opinião pública” e, sobretudo, a “opinião publicada”? Que é que elas mais detestam? Então, é nisso mesmo que o alvo a abater ou afastar do negócio ou das eleições ou, porque não, até de um amor, vai ser “embrulhado”… Claro, como poetava o velho António Aleixo (avô do meu amigo Vítor), “pra mentira ser certeira e atingir profundidade, tem de trazer à mistura um pouquinho de verdade”.
Nestas guerras, definir a estratégia, montar as cenas, instrumentalizar jornalistas, magistrados e polícias, são assuntos para especialistas.
Não há, então, nada a fazer contra uma bem montada guerra de informação? Há, claro que há. Mas também isso é assunto para especialistas.
Em todo o caso, uma coisa não pode ser feita (e, por costume, é-o…) sob pena de seguir direitinho ao desastre e à derrota: enfrentar uma guerra de informação com a costumeira panóplia das chamadas “relações públicas”.
Foi o que fez José Sócrates (por exemplo) e veja-se o que lhe aconteceu (e isto nada tem a ver com o ele ser inocente ou ser culpado que é assunto para juízes e tribunais, talvez daqui a uns meses).
Mas como, com rigor e humor, escreveu o Ryan Holiday (que sabe muito bem do que fala…), “Creia em mim, estou a mentir”.
[1] In a 1998 speech to the National Security Conference (NSC), company founder John Rendon described himself as “an information warrior, and a perception manager. This is probably best described in the words of Hunter S. Thompson, when he wrote ‘When things turn weird, the weird turn pro.'”