Uma História das ex-colónias poucas vezes contada
“É esquisito gostar das pessoas que mataram a minha mãe…”
António Comando
Morreu António José Comando. Aos 53 anos faleceu no passado dia 18 de junho no Porto, vítima de paragem cardiorrespiratória uma pessoa que toda ela é uma história que poucas vezes foi contada.
Para grande parte dos Portugueses o nome desta pessoa é totalmente desconhecido, mas não para os militares do “Ultramar”, particularmente a 9ª Companhia de Comandos que serviu em Moçambique na Guerra Colonial, onde também se encontrava Salgueiro Maia a estagiar.
Em plena Guerra, Portugal enviou uma companhia de Comandos para combater a FRELIMO num difícil território Moçambicano, conhecido pela bravura dos seus soldados. Nas emboscadas que as tropas Moçambicanas faziam, era normal enviarem na frente de combate mulheres e crianças para servirem de escudos humanos. É numa destas emboscadas que começa a história de António.
Com 3 anos ia às costas da mãe quando os Comandos Portugueses são apanhados na embuscada. No meio do tiroteio, grande parte da população local morre, incluindo a mãe de António. A criança com 3 anos sofreu ferimentos irreversíveis numa mão, precisamente devido à bala que atravessou o corpo da mãe e a matou.
No meio deste cenário bélico, os Comandos Portugueses tiveram um ato de pleno Humanismo e não abandonaram a criança de 3 anos no meio do mato e visivelmente ferida. Perante uma criança sozinha, paralisada, magoada, indefesa e com a mãe morta ao lado, os militares Portugueses trouxeram-na de helicóptero para o quartel de modo a ser-lhe prestado cuidados médicos e aí permaneceu junto dos Comandos até ao fim da guerra.
Numa reportagem feita pela SIC nos anos 90, António José Comando – nome que foi oficialmente registado pelos militares Portugueses, dizia em tom de brincadeira que foi para a “tropa aos 3 anos e tornaram-no furriel rapidamente para se sentar na mesa dos oficiais”. Lembra-se apenas que chorou compulsivamente quando lhe calçaram as primeiras botas porque sempre viveu descalço e não gostava de usar sapatos.
Aquando o fim da Guerra foi trazido para Portugal e viveu 11 anos num orfanato em Braga. Tinha visitas semanais dos militares da 9ª Companhia e passava os fins-de-semana em casa de cada um deles até que um dia a situação resolveu-se definitivamente com a adoção formal por parte de Luís Gonzaga Martins, ex-Comando e residente no Porto. António tornou-se o filho mais velho de uma família que já contava com 4 crianças, entre eles, Luís Pedro Martins, atual responsável de marketing da Irmandade dos Clérigos.
Comando sempre frequentou os encontros da 9ª Companhia ao mesmo tempo que fazia o curso de Direito e vivia no Porto junto da família adotiva.
Passados 30 anos, por intermédio da SIC, foi a Moçambique e encontrou o pai, irmãos e sobrinhos, mas a vida dele era em Portugal onde casou, teve dois filhos e aqui permaneceu até à trágica morte de alguém cuja história de vida tinha tudo para acabar aos 3 anos de idade, ferido e abandonado no meio de uma emboscada em plena Guerra Colonial.
No meio do caos bélico, ainda há histórias que merecem reconhecimento dado o Humanismo demonstrado por aqueles que poderiam ser os seus carrascos.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
Receba a nossa newsletter
Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a Newsletter do Jornal Tornado. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.