Depois do famoso discurso no qual, segundo opinião geral, o Presidente deu grande reprimenda a António Costa chamando-lhe indirectamente insensível, tecnocrata, frio e incapaz de se sintonizar com as vítimas dos incêndios, Marcelo desdobra-se agora em declarações de apoio e até de elogio ao governo. Dir-se-ia que depois desse famoso discurso e dos efeitos devastadores que causou à imagem de António Costa, o Presidente considerou que os danos eram já suficientes e devia voltar à coabitação amável.
O discurso do Presidente foi elogiado por todos e depois dele não houve quem não se referisse a António Costa em jornais, rádios e televisões como se ele fosse a peste personificada: um homem sem coração, ou, como disse Assunção Cristas na apresentação da moção de censura, com “uma pedra no lugar do coração”.
O que fez ou disse então António Costa para levar o Presidente a mobilizar contra ele a opinião publicada? Seria a pressa com que o Presidente queria ver o governo actuar? Mas não conhecia ele, como afirmou o primeiro-ministro, o calendário estabelecido – esperar pelo relatório da CTI sobre Pedrógão – para falar depois ao País?
Sim, porque não tenhamos dúvidas, as palavras do Presidente não surgiram de uma repentina emoção sem que ele tenha antecipado o seu efeito, que haveria de potenciar nos dias seguintes quando foi para o terreno consolar e abraçar os familiares das vítimas. Sim, porque como disse ao Expresso Blanco de Morais, ex-assessor de Cavaco Silva e ex-aluno de Marcelo, “se há alguém que faz cálculos politicos e não actua emotivamente é o PR. A gestão de afectos faz parte da sua estratégia presidencial mas a idiosincrasia do Presidente é fria e de jogador”.
Fui rever a declaração que António Costa fez ao País no dia 16 que detonou o ataque do Presidente e a subsequente indignação de comentadores e políticos. E o que disse António Costa de tão desumano e condenável?
“(…) este é um momento de luto”… condolências às famílias vitimadas pelos incêndios, … o Governo está confrontado com a exigência de “resultados em contrarrelógio” … ”Apagadas as chamas, a solidariedade desta hora terá reflexo na reconstrução das casas”. ”Este é um esforço participado e coletivo de toda a sociedade porque só assim estaremos à altura da exigência que todos partilhamos. Depois deste ano nada pode ficar como antes (…) o governo tem “consciência de que o país exige resultados em contrarrelógio”: “Encontramos nesta exigência nacional a motivação acrescida para vencermos coletivamente esta batalha”.
Não tendo estas ou outras palavras do primeiro-ministro sido impróprias ou desajustadas, terá sido o “ar”, o tom da voz, a cor do fato, a gravata? Onde está a alegada “arrogância” ou a “soberba” que alguns viram? Será que se esperava que o primeiro-ministro não anunciasse decisões nem falasse em verbas para acudir às vítimas e aos bens perdidos? O que seria se o primeiro-ministro se limitasse a lamentar a tragédia sem, como fez, imediatamente anunciar as medidas necessárias?
Sem paixão e contra a corrente, mandam o rigor e o bom senso constatar que a onda de críticas ao primeiro-ministro é injusta, exagerada e oportunista.
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