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Sábado, Dezembro 21, 2024

António Dias Lourenço

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1915-2010)

Foi um dos mais destacados dirigentes da história do Partido Comunista Português. Protagonizou uma das mais audaciosas fugas das prisões fascistas ao evadir-se do Forte de Peniche em 1954. Esteve preso 17 anos nas cadeias fascistas. Uma vida de total entrega à luta. Opção e ousadia que pagou com torturas brutais, privações, sacrifícios, uma longa separação dos filhos (Dias Lourenço estava preso quando ocorreu a morte trágica de um filho pequeno).Era um homem encantador, bom conversador, com enorme vivacidade até ao fim da sua longa vida. Atraía a atenção de jovens, como poucos. Um companheiro leal: a sua palavra, uma vez dada, estava dada. Incansável, inteiramente devotado e fiel ao seu partido, mas imprevisível nos seus gestos pessoais.

Dias Lourenço

Protagonizou uma das mais audaciosas fugas das prisões fascistas ao evadir-se do Forte de Peniche em 1954

«Homem que nunca foi menino»

António Dias Lourenço nasceu em Vila Franca de Xira a 25 de Março de 1915. A sua mãe era costureira e o seu pai ferreiro. Torneiro mecânico de profissão, trabalhou nas Oficinas Gerais de Aeronáutica, em Alverca do Ribatejo, chegando a trabalhar no avião de Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Como muitos vilafranquenses da sua geração – os «homens que nunca foram meninos» de que falava Soeiro Pereira Gomes nos Esteiros – aos 13 anos começa a trabalhar. Durante quase década e meia foi torneiro – frezador nas OGMA – Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (em Alverca) e na Soda Póvoa (em Póvoa de Santa Iria). O ambiente das fábricas, o contacto com a classe operária e a suas lutas, o ambiente das colectividades onde desenvolveu uma intensa actividade cultural, levam-no à luta dos trabalhadores e ao Partido Comunista Português, de que se tornaria militante em 1931, com apenas 17 anos de idade.

Uma vida de total entrega à luta

Dias Lourenço dirige lutas reivindicativas e assume importante papel no desenvolvimento da organização partidária em Vila Franca de Xira e no Baixo Ribatejo até 1941. Integrou o Comité Local de Vila Franca de Xira e o Comité Regional do Ribatejo, pelo qual foi responsável. Participou activamente na jornada de 18 de Janeiro de 1934 contra a fascização dos sindicatos levada a cabo pelo Estado fascista de Salazar, por inspiração na “Carta del Lavoro de Mussolini”. Nos anos 30, fez acompanhar a sua militância comunista de uma intensa actividade cultural, colaborando em jornais como O Diabo, Sol Nascente, O Mensageiro do Ribatejo e República.

Em 1942, com 27 anos de idade, tornou-se funcionário do Partido, passando à clandestinidade, e assumiu responsabilidade por tipografias e pelo aparelho central de distribuição da imprensa do Partido. Teve participação activa na reorganização do PCP nos anos 40/41, nomeadamente no Baixo Ribatejo e Alentejo. Foi ainda responsável por várias organizações, como a do Algarve, Beiras, Margem Sul do Tejo, tendo integrado também a Direcção da Organização Regional de Lisboa, onde se desenvolvem lutas em diversos sectores – corticeiros, construção civil, camponeses, das populações contra o racionamento e falta de géneros.


Grupo de dirigentes do PCP da clandestinidade De pé: Jaime Serra, Sérgio Vilarigues e Blanqui Teixeira; sentados a contar do lado esquerdo: António Dias Lourenço, Álvaro Cunhal, José Vitoriano, Joaquim Gomes e Octávio Pato. Fotografia de Eduardo Gageiro.

Em 1943, ingressa no Comité Central, ao qual pertencerá durante 53 anos. Na qualidade de militante e destacado dirigente do PCP na clandestinidade integrou os organismos dirigentes das greves de Julho-Agosto de 1943 e de 8 e 9 de Maio de 1944. Foi responsável pela organização e direcção das greves da construção naval, em 1947. Esteve ainda ligado às greves de 1957/1958, ao 1.º de Maio de 1962 e à luta pelas 8 horas de trabalho nos campos.

Foi representante do Partido no Conselho Nacional do MUNAF – Movimento de Unidade Nacional Antifascista, movimento de ampla unidade alcançada entre comunistas, socialistas, republicanos e personalidades de grande relevo.

Foi responsável pelo jornal “ O Camponês” em 1949 e pelo “Avante!” de 1957 a 1962.

Teve papel importante na organização dos chamados «Passeios do Tejo», nos anos 40/41 do século passado, ponto de encontro e de convívio, de debate de ideias e de problemas da cultura, entre operários e destacados intelectuais, entre outros, Álvaro Cunhal, Alves Redol, José Gomes Ferreira, Lopes Graça, Soeiro Pereira Gomes – encontros que contribuíram para a intervenção antifascista de grandes figuras da intelectualidade e para a criação do movimento neo-realista.

A fuga do “segredo” do Forte de Peniche

A 17 de Dezembro de 1954, evadiu-se sozinho do «segredo» do Forte de Peniche, protagonizando uma das mais audaciosas e espectaculares fugas, que inspirou, aliás, os filmes «A Fuga» e «O Segredo». Ouvindo-se Dias Lourenço falar da fuga, dir-se-ia que se tratou da coisa mais banal do mundo e, no entanto, a fuga de Dias Lourenço do “segredo” do Forte de Peniche – a cela disciplinar onde eram metidos os presos sujeitos aos mais duros castigos – preparada laboriosamente durante semanas no mais completo isolamento, pelos complexos problemas que teve de resolver para sair do “segredo”, pela dura prova a que foi submetido ao ter que enfrentar durante quase duas horas um mar de forte ondulação e gélido como é o mar em Dezembro, esta fuga deve ser muito justamente considerada como a mais audaciosa e corajosa fuga individual das que tiveram lugar a partir das cadeias fascistas.

Quando Dias Lourenço consegue vencer o mar e põe pé em terra firme encontrava-se exausto e num estado de hipotermia muito perto do limite, dando provas de uma coragem sem limites e serenidade perante uma situação extremamente perigosa, capacidade de mobilizar energias para ultrapassar tão dura prova, enorme disposição de arriscar a própria vida. Uma vez alcançada a liberdade, retoma a actividade clandestina, que entendia a vida como uma luta constante contra o fascismo, por um Portugal democrático.

Destacado dirigente do Partido Comunista Português

Pertence à Comissão Política do PCP, a partir de 1956 e ao Secretariado desde 1957. Integrou o núcleo de dirigentes do PCP que organizou a saída clandestina de Portugal de Agostinho Neto. Foi preso de novo em Junho de 1962 e condenado, depois de brutalmente torturado – espancamentos, tortura do sono, tortura psicológica em relação aos filhos presos com ele.


Chegada de Álvaro Cunhal do exílio, no dia 30 de Abril. No Aeroporto da Portela, Dias Loureço está com com Mário Soares, Rogério de Carvalho, Joaquim Gomes e Severiano Falcão.

Dirige o Avante!

Encontrava-se na cadeia do Hospital-Prisão de Caxias quando se deu o levantamento militar e popular do 25 de Abril. Libertado no dia 26 de Abril, passa imediatamente a integrar o trabalho de direcção do Partido nas novas condições de liberdade e democracia, como membro do Comité Central. Participa na comissão unitária que preparou o primeiro 1.º de Maio em liberdade. É ainda nessa qualidade que recebe do Partido a tarefa de dirigir o Avante! legal, entre Maio de 1974 e Dezembro de 1991. O Avante! legal cuja primeira edição sai a 17 de Maio de 1974 projecta, então, a real influência do partido que resistiu à ditadura fascista, contribuindo para que o PCP passe rapidamente a assumir responsabilidades no governo do País. Teve também a responsabilidade da Direcção da Organização Regional das Beiras. Durante o período de avanço do processo revolucionário Dias Lourenço mantém uma multifacetada intervenção como Director do Avante! e dirigente do PCP procurando participar e influenciar todos os grandes acontecimentos do processo revolucionário. Dias Lourenço foi desde os primeiros dias da Revolução de Abril até ao fim da sua vida, um destacado activista na batalha do esclarecimento e da informação. Interveio sobre cada fase da edificação da democracia e na denúncia dos métodos e daqueles que a queriam liquidar. Foi assim no período do processo revolucionário, enaltecendo as grandes conquistas de Abril que acompanharam a conquista da liberdade.

Participou, como deputado eleito pelo círculo eleitoral de Setúbal, no processo de elaboração da Constituição da República Portuguesa de 1976. Foi eleito 5 vezes deputado, entre 1976 e 1985, pelos círculos eleitorais de Coimbra e Santarém, reconhecendo as eleições como “uma importante forma de intervenção política”.

Impulsionador da Festa do Avante!

Como dirigente do PCP e director do Avante!, Dias Lourenço foi um grande impulsionador da Festa do Avante!, a que atribuía uma grande importância como iniciativa política, cultural e popular de massas, que viveu sempre com uma enorme alegria. Interveio em todos os seus Comícios entre 1976 e 1991. «A Festa – como tantas vezes sublinhou Dias Lourenço – continuará a afirmar-se como a maior realização político-cultural do nosso País, uma Festa onde serão expostos e vividos os valores, o ideal e o projecto comunistas. Uma festa que será sempre uma grandiosa demonstração da capacidade da organização e realização do Partido Comunista Português».

Como director do Avante!, manteve numerosos contactos com órgãos centrais de outros partidos comunistas a quem concedeu entrevistas sobre a revolução portuguesa e participou, em Outubro de 1974, em Praga, na Conferência da Imprensa Comunista, organizada pela Revista Internacional. Realizou uma importante viagem de informação a vários países sobre o processo revolucionário e de apelo à solidariedade com a Revolução Portuguesa.

Homem encantador, bom conversador e com enorme vivacidade

Tinha uma enorme alegria de viver, de conviver, de debater. De transmitir, particularmente à juventude, o que foi o fascismo o que o levava a acompanhar numerosos grupos à Cadeia do Forte de Peniche.

Escreveu poesia, contos e novelas. Desenhou e pintou. Prefaciou vários livros, nomeadamente de Soeiro Pereira Gomes. Em 1995, publicou o livro «Vila Franca de Xira, um Concelho no País: Contribuição para a história do desenvolvimento sócio-económico e do movimento político-cultural»; em 1997, publica a obra «Alentejo – Legenda e Esperança» e em 2004, o livro «Saudades… não têm conto!» um livro de correspondência com o filho, que morreu com a idade de 10 anos quando Dias Lourenço se encontrava preso.

António Dias Lourenço faleceu no dia 7 de Agosto de 2010, aos 95 anos de idade, quando tinha completado 79 anos de militância comunista, a que se entregara ainda muito jovem e à qual deu o melhor da sua vida.

Perante o Tribunal fascista afirmou que esperava manter até ao último alento de vida a condição de militante comunista, e que não concebia outra vida que não fosse dar tudo ao seu Partido e aos seus ideais. “O que me faz mais feliz é ver toda essa gente nova que vem ao Partido, para pegar na bandeira e andar para a frente” – dizia.

 

Dados biográficos


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