Não sei de facto como devorar com passos o escuro que busco, mas que seguir é mesmo lema, que importa não haver quem comigo reme e vou, até ti, nesse distante estranho que um dia beijei, e senti, na pele que sobrevoou as falésias do impossível
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Amanheço enfim com saudades. Que importa agora não esquecer. Desço este árido sonho, rumando às marcas do tempo, enchidos silêncios, náuseas socorrendo-me de ideias, entre as marcas de tuas dedadas, desço às ruas em que procuro antigos sorrisos, em que havia no beiral o rio, sentado no parapeito do tempo, desço à melancolia do silêncio, em que sentia as manhãs cantarem, desço à madrugada embebida de meus gritos, onde dormia as tuas lágrimas, desço talvez onde já não exista a minha marca, sentar-me no resto do desejo que ficara como areia ressequida, encobrir um distante futuro nas sombras das ideias, dos cheiros embalsamados com o único resto possível de ti, à memória dos sorrisos que dormem uma única paz.
Há vagares sinuosos, vagares vulgares, vagares intemporais… quando sentimos o reflexo dos espelhos da alma seguirem, que lhes perguntamos? Mais que chorarmos o silêncio… ou mais que sentirmos o que em nos for de facto significativo, representaremos perante nos mesmos o que nos interiorizar sob os espelhos do escuro, numa noite como esta, vulgar e sinuosa…ou que talvez sonhar nos elevasse como pórticos do desejo, sentir como podem as águas no limiar do tempo evaporar do corpo a sede dos sonos, dos amores, saberás sim, sei, que um dia dirás baixinho, só que eu te ouça, a mensagem que sabes sobre as coisas estranhas duma beleza rara, enfadada com contornos desenhados por ti, longe da noite… Quando sinto longe a noite e em meus pensamentos os resquícios do perfume da tua voz arfarem, sei que estou num campo onde se pode descer belamente há maré baixa desta noite contigo, pensando-te junto as águas salgadas dos beijos inventados com estes ventos que compro na madrugada, e ver bruscamente sob as águas a lua dormindo como tu, um anjo que me busca. Era cedo porque ser de facto cedo é mesmo importante, porque ser cedo é primordial para te ver nadar sob os reflexos que a lua alucina em minha alma que dorme.
Coloco os dedos de sonhar-te nesta água que sinto seres, e sinto quem és, sonho não, ou mesmo que o sejas, sinto o bramir das águas sorverem-me e eclodirem-me como toques sinusoidais da floresta ardente do teus beijos, contados um a um neste imenso percurso em que se sente que facto o mar, recria a vantagem de amar, de amar-te mesmo de noite e na rua, onde a tua voz se confunde com a bela lua, com a bela tu, nas mãos do meu belo sonho mergulhado contigo nas águas do douro ate que consigamos nos navegar, o leito do amor que supostamente tenhamos inventado, para recriar outros mares, na falésia desta cidade que é tua e amo.
Não sei de facto como devorar com passos o escuro que busco, mas que seguir é mesmo lema, que importa não haver quem comigo reme e vou, até ti, nesse distante estranho que um dia beijei, e senti, na pele que sobrevoou as falésias do impossível e encontrou num destino que descontraidamente dormia e acordou, ao pressentir perto o meu sono lúgubre, cheio de sal para entregar-lhe. Nada como as noites transmite como tu, o sabor, só silêncio, que caminha lentamente desejos de um dia encontrar em ti, a tua imagem que faça em mim sentir a vantagem de ser-te, um amor sob estas águas brilhantes… Entre os palanques do imaginário, o sorriso da certeza, conturbado talvez este silêncio em que permaneças na ausência, a presente e inócua vantagem de sentir-te, os reflexos que me deixas quando chegas, intemporal distância quando sempre pela noite a tua voz me acorda das profundezas entranhadas num labirinto de sol, como ondas de um mar qualquer no meu jazigo vivo, rememoro-te presente e sempre constante, de sorrisos ainda iguais aos de outros tempos, quando pensava existires.
Ainda em mim as caminhadas difusas ao recôndito plasma, para sentir contigo o bramir fosco das vozes cruzadas entre beijos inventados, pensar verdades que não existem neste silêncio daqui, o muro onde moro.
Sou mais que obstipado, mais que sentenciado e sereno, divago apenas a margem da tua impresença marítima nesta calúnia de amores vertiginosos que se sentenciam findados, finitos e castrados planos de origens recônditas, antes que surja a verdade de ti num sopro sólido, onde a verdade real tenha sido apenas o momento expurgado nesta feira ambulante de livros de nadas, com a mão que inventara de ti, trazendo-me a esta realidade verdadeira, embora escreva apenas o que tivesse sido, sem que nada fosse de facto. Por isso tu ainda ai, slide existente do momento. Eternizando num tempo a vontade de sacar de mim, as memórias de tantos amanhãs em alguém mais que tu, sendo-me de mim palavras soltas, num verso ou verdade sacra, à esplanada do sonho que construo na imagem que me sobrevoa, sorvendo a verdadeira passagem da vida ou por ela mesma, a vida dos momentos…
Um caminhar idêntico, indiferente, um galgar quase atónito, brusco, o sorvete da esfinge quebrando o silêncio que se esvai, num vulgar repercutir destas águas amanhecidas, destas talvez impróprias sentenças da vida, estereotipadas e vandalizadas, como os ontens nossos aqui devastados pelas flores da pele, mergulhadas nestas águas saboreando-nos, como o zénite das noites esclarecidas diante dos corpos que se castram sem vontade de auto possuírem-se num altruísmo dizimante, às folhas raras da escrita esquecida neste compendio denunciando-te vidente dos meus futuros. Sobranceria. Vagamente ecoo-me. Pareces plátano destes rios azuis. Sou-te cardápio voluptuoso. És-me sinceramente, o eclodir das imensas noites. Quando um dia formos navegantes? Não, quando formos fantasistas do tempo. Não o sou, sê-lo-ei certamente. A tua voz navega as astúcias raras deste nebuloso silêncio, deste pragmático além.
Ainda assim, que durmam um silêncio longe, este desejo invulgar, a maré meio adormecida acalenta o rugido fúngico do teu abraço não peculiar com cheiros de fungos e juncos a regelarem-se na madrugada e dela uma luz à beira do corpo a viajar, como sentia sei, a tua mão, como dizia antes, que amar agora?, como posso fingir que a vida foge pelos dedos da imaginação carpida de luzes ouvidas no alpendre seco do quarto onde antes, nós, sim, só nós, dormíamos de corpos colados num acoplado desdém de verdade amorosa que não foi, da tua voz, a verdade desses idos calores absorvidos pela ânsia nua da omnisciência, pudesse eu mais que isso escrever páginas na maré, na arte fingida dos escombros deste maremoto derrapante de casas tremidas, durmam vocês o que puderem deste lado quente de países na areia da vida alem mar e nela, viveria uma centena de todos, mas não, a pele arranha o silêncio, o destino, a vontade e nela a tua mão de vorazes incertezas a colmatarem ali, um fim anunciado um dia antes desta noite em que já dormiras na mesma cama comigo. Digo-me das noites frias numa casa abandonada pelo sono, incauta manhã.
– Vontade de rir, teria?
Ao fundo um quintal de memórias, os gritos afónicos da minha mãe na lezíria careca do recreio.
– Que professora no claustro?
Cirandava na minha maresia ali perto, saberás disso, o estreito vale após desceres os primeiros degraus da minha casa descobrirás, o momento em que a vida me fizera calar, aqui. Os lobos nunca dormem. Ou que osso na lezíria ilumine o tempo?
Não me calo, e disto, o risco discreto se um riso na amálgama vazia desta brancura saltita na sala do encanto, a morte anuncia-se, ao contrario do que faz, oculta na minha pele numa rua de nadas, conquanto, tu, gritas esmerados soluços sob um silêncio lúdico, e quando pequeno ainda, a sala sorvia o seu sargaço, o meu retracto mal pendurado, o meu quarto desalojado, endémico, se preenchia de losangos por entre as paredes frente a frente, apertadas, num peludo branco era a parede ali, recebendo dos meus gritos um eco revoltado, numa cor mal pintada de fantasias disfarçadas, diria, se os lobos dormissem segundos que fossem.
– Silencia-te… de repente, sacode tipo maestro, a batuta do sangue, elevá-la noite a dentro e sentiremos músicas de coração. Ah… contigo a arte é parte da lua. Aconchego de ti. Concreto por ti.
– A cidade que nos fala, descobre-a, faz nela a distância ofuscar-se, num repente breve, dogmatiza a nostalgia, ingerindo-nos de cadafalsos breves, breves sentenças dignificarem a maresia dos nossos instantes, a rara conclusão das nossas noites neste Capitólio que não há, um tu sereno num mar de vozes confundindo beijos tacteando-nos, um douro que fosse, subindo-nos esta vila de ti num coração de beijos funestamente doces como cor de limão. Inventei-te, sabias?
– Acredito, sim, acredito e creio nisso, nas palavras do futuro os teus dedos descrevem, como existe o nosso nós neste veraneante nada…. Quero-te inventiva…
– Sou activa…
– Quero brisa…
– Aliso-me sonhos entre ti, sorvendo-nos casas por estes entre tantos azulados, quase invulgares nadas, sigamos mesmo assim, apostas?
– Mergulha-me em ti então.
– Como?
– Seca-me dentro da tua viagem.
– Não sei…
– Saca-me para ti.
– Sei…Onde estiveste então?
– Beijos contra ti, numa tortura linda…
– Amanheces aqui, sabias? Na orla vã dos meus presságios, no rufo abrunheiro das melodias, encontro-te suplicando-me devaneios de vagas solenes andando por dentro das camas desta água, a subir devagar a cidade… Em espinho havia dito, sei que não sentiste, era tarde, mas descobriras a maresia do café que secara entretanto nas calças amarelas da melodia…
Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos novo capítulo do livro Ao Fundo Pitangas