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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

Ao Fundo Pitangas

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Na rua ainda, eu, na mesma, na de sempre, na inconfundível avenida dos imensos nadas, no seguimento antigo do rio ainda lá, se bem te lembras

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Como num pulo avanço, chego a ti, num salto nulo ate ti, vago e reles significado ao me ouvires, ao pressentires que já ali estou, é como um sentimento de asno a minha voz, ruínas ou escombros, Certo! Admito o teu sorriso ou sátira! Se chegasse, só isso, ah, lembraste de como fomos ali, juntos os dois, faz de contas que agora estamos, permites? Caso contrário, terei de ir mesmo ao passado e reviver aquilo que foi verdade… olha que faço isso… será pior para ti… já viste o que é obrigar-te a ter de voltar a lidar com tanta coisa sobre a qual fingiste?

Caminhando, na mesma e rindo, indo, no subterfúgio das estranhas sensações, nos raros apegos e afagos deste ar marcado na face, na rua, no fim de tudo, de nada, qualquer coisa, que importa, que importará dizer que nada disto significa mais que a circunstancia, nada disto faz eco perante a sombra, margem, distância, nada faz com que se pense, sinta, deseje, esta vida é como um marco à beira da estrada, para que provavelmente todos o vejam, para que muito certamente ninguém passará sem vê-lo, apenas isso, visto e revisto e insignificante no seu contexto geral… vem comigo à vida mar da minha vida. Ainda ao longo do douro sem dispersar da essência deste meu despojo e vazio, Como brilha ainda, como se exprime ainda, tantos depois de o ter visto pela primeira vez, sinto-o ainda e na mesma, novo, o mesmo douro do amor reactivo. Acesso. Um qualquer sentimento apagado e aceso sempre, quando me surge um sinal como este, os olhos na lua e é dia. Como inalo agreste este cheiro do rio, provavelmente ausente, ou eu não nele, ou tu diante dele, onde estiveres, sedimento vago dum tempo quase sempre imaginado. Como hoje, imagino a caminhada nunca conseguida. Como eu em tempos, os calcanhares ladeando a ladeira ou a lareira dum tempo amorfo, amado, dos sorrisos e risos, tu na mesma, impresente, que importa, penso eu.

Como um nó na garganta este amargo e doce. Apenas recordação. Como se de repente ouvisse ainda da tua boca as palavras, que a noite trespassa e aniquila, talvez por bem, talvez porque na verdade, pouco signifique nesta altura lembrá-las, sabes como foram demais importantes, os resquícios ora marcantes, ora deslumbrantes, por agora um peso ou responsabilidade que o percurso da vida obriga a interiorizar, porquanto, passas sublime como indiferente, ausente e conscientemente, ignorando o que foi sério. Sempre senti que o amor deixa marcas, deixa rastilhos que com o tempo, se vão aflorando, outras vezes aniquilando, outras nem sequer pensamento, que importa, que vale então? Apenas o que valeu em seu tempo, ou a seu tempo valham, iniciando na mesma, recomeçando, intempéries de fim.

Na rua ainda, eu, na mesma, na de sempre, na inconfundível avenida dos imensos nadas, no seguimento antigo do rio ainda lá, se bem te lembras, se bem te importa repescar dele as essências que valeram… que importa agora recomeçá-las… em que ganga azul deixei a minha mão acomodada? Que viatura usava, que vida, que vista existia? Sempre e sempre, numa inconstância atroz devo aniquilar-te do meu presente, do meu passado, as obras construídas entre nós são agora memória de mendigos, acredita, acredita sim! Nunca percorremos as margens desse rio, nunca, acreditas? Como foi possível entre gentes da mesma nação, da mesma perturbação, na mesma caminhada em lados opostos, suaves desequilíbrios… à janela, os meus braços, sobre este parapeito sem destino, amo o vago e fútil do sonho, em que viveras, recorda, apenas isso, recorda enquanto me despeço dos longos e amargos beijos, que a vida depositou em mim, por nós, por ti, antes de existirmos. Agora, e ainda a vista no amargo mas já distante, a planície turva parecendo enevoar-se, com as chamas do tempo que se esgota ao longo do meu olhar, segui a perspectiva, na diagonal, estendendo a maresia como sombras dos últimos sorrisos, e dum homem algures chorando, pareciam sorrisos perdidos mas não, deu-me a sensação de os ouvir perderem-se na longínqua opacidade da tarde, envolvida em vários aléns, quase tão dispersos quanto o pensamento, sempre ali, na orla rara e estúpida, dirigi-me a ele sem pressa, ou sem saber se o devia fazer, se conseguia chegar-me lá, coloquei-lhe a mão sobre o ombro o que lhe estimulou tremendo salto, quase desapareceu de cena, Ainda aqui? Ouvi de longe apelares um sol, perderes o sal das noites, das ruas, aqui, sei que sabes quem não sou, ou que não saibas quem sou.

Não mais dele soube, a chuva levou-me da mão e perdi-me, novamente devo ter ficado surdo.

Agitadas as árvores, irrompem por entre os intervalos da luz, a planície solta, ao longe, perto, entre as muralhas, vozes, parece o renascer, parece o fim, tudo mutuante e repelente, entre as mãos que encontro enterrando-me o pescoço num buraco imaginado nesta relva que piso, seca, verde, rara e bela, na mesma, como antes, como ontem, como amanhã, quando me desfilar por ela, por esta correnteza quase anónima e confidente das loucuras perdidas, ainda aqui, antes por tantos outros lugares, os lugares que a fantasia descobriu, que a ria encontrou, que o mar pescou, nos olhos, a lágrima verde, gotejando o rio que seca, ah… que nasce, as tuas mãos cálidas e dóceis acariciam, mimo maternal quem sabe, devolve-lhes o silêncio do útero que já nem sei, que esqueci já, daquele lugar quiçá quente, onde morei, onde moro? Arder-me pelos pés fora esta margem que descobre a casa, onde paro para me reconfortar, num sono necessário, útil, onde dormirei alguns anos seguidos… espera-me aí, onde estás ainda?

Fiz-me perguntas.

No silêncio das interrogações abstractas. No corrimento raro das manhãs, as ortigas arremessavam gotas de fim de tudo, de quase tudo, se enchia o caminho escurecido, a cada passo, na interrogação que me abrange por fora os olhos, e por dentro, os sorrisos secos que a noite, quando se torna fria, acalenta, alimenta e mata, às vezes, assassina sonhos e depois, que mais dizer? Por onde poderei seguir então, se das mãos fartas de mundos ficas na ausência, quando depois de morto não mais poderei dizer que te amo, nem no que escrevam contra mim se regista, o nome de um anjo que voara sempre, depois, provavelmente muito depois, não por acaso nem por ocaso algum, se cruzaram riscos dos jornais que me levam, seco de fome e ausências que não me explico, das perguntas que me fiz e quando te ouvia, os glaciares expostos dizimavam contra as minhas mãos as lágrimas secas, nas paredes velhas desta terra! Como seriam os túmulos preenchidos e repletos com a ausência da minha alma que não morreu, e eu lá, de pernas viradas e reviradas, cambaleando e rasgando as paredes opacas da morgue, sem gritar, que adiantaria? Entre luzes com sinais de gás, esfumando o cigarro apagado entre os dedos ainda, o gás da voz, da pele sacrificada pela maresia nos olhos, na correnteza estranha do mundo onde nasci um dia, sem que me lembre, que não sei onde nem como, nasci apenas, e Deus lá, onde ninguém acaba.

Quem me dera que houvesse mar, caramba. Se não sei sequer nadar. Sou talvez como um peixe da areia, ou da terra onde se esgrimem pescados suculentos, nos anzóis ou redes da morte. E por lá fiquei. Creio que me conseguias ouvir. Estava calado. Ingerindo longe. Engolindo lentamente que nada de mim serei. Estava entre duas margens, duas fantásticas passagens, para lados opostos d felicidade. Talvez escondidos da luz trémula das almas, onde a minha vida sorria estrelas cáusticas, cansadas de olharem distantes nadas, ofuscando a direcção que me leva a ti, que não estas, nem cá nem em lugar algum, porque me pareces margens, e digo no plural, ardendo o sono.

Tanto mar e nada. Sim. Mártir se um dia foi. Sempre que me chamem, sabes como choro. Ouve. Escuta caso queiras adoecer também. A primeira que nunca entendi, tu, ninguém foi como serei. Jamais me entenderei, as ruas minhas, neste corrupio silencioso, sei como me preenche o frio, num calor que enche de vazio a alma afundada pelos cantos todos de uma vida sem ti, que estás, não serás quem beijo, não deixas, que importa, que importa? Se os cabelos gritassem, ai… como seria a minha cabeça… como viveriam as orquídeas, as Ana francos, as deliciosas mentiras que me enchem dia a dia após tantos segredos, recados abusivos que enxotam de todo e tudo o todo que não serei jamais, por que me invento, não existo nem quero, se contigo a vida é fantástica, vou vivê-la de forma a que a ninguém seja perceptível sentir a minha pele invadir-te todas as noites, quando dormes a meu lado, tu na vida e eu na morgue destes rios gastos de tanto amor que cantavas, antigamente e sempre, e durmo já, que te sinta ou não amiga estranha, vestida de tanto mar e nada.

Na paisagem, estrofes de folhas balbuciando como cantiga, como espécie antiga, como resquício, oh, ainda assim, ainda e sempre, creio, ao que os olhos captam, rindo e quebrando vago nada, folhas apenas, nem tão pouco assim é, parecem águias brancas bailando a planície, no meu caminho, caminhando ainda, quem sabe ate quando, se termina ou se será ainda necessário concluir de vez e dar fim a estas passadas que me calejam a sola solta, calçado, descalço? Não sei, verdade, sinto e disso garanto, sei, as pernas ainda aqui coladinhas ao meu tronco.

Que seja então pobre o percurso da tua voz, Nunca serei tu. Vinha da maresia. Saio aos soluços uma convicção que descia aos repelões dos andares anteriores. De leste a oeste. Quase chegando ao escuro do meu sorriso. Tentei ter voz, como responderia? Descia, talvez conseguisse, mesmo que o contrario, mesmo que nada, mesmo que tudo, estou nos lugares onde a distância quiser, por isso, ou com isso, que sejam qualquer nada ou outra coisa, como pedras ruidosas arremessadas as paredes do meu silêncio, quase sempre inconsequente, raramente disfarçado nas impropereis e azedumes e azáfamas onde tocares com um dedo que queira que te sinta, saberei ler-te, onde escreveres o silêncio desta outra manhã, se nova ou igual, as lágrimas no limite das paredes sem cor, do dia seguinte, repetindo o anterior duma vida que se segue. Que sejas então, quase espólio resvalado nas orquídeas do meu corpo disfarçando-me num outro que viaje, sem a pele da noite, entre giestas dum tipo raro ou memória quedada numa bruma de mar onde te sentarás lembrando quanto amei, se ainda souberes de mim, se eu estiver nas cálidas sombras do que conseguires ver, vislumbrar, ate onde teu olhar chegar, ate que consigas beijar, o horror que te quer desviar desta nova manhã, comum, vulgar e sem reflexos, apenas a heresia funesta dos meus cabelos que te cansam, sorvendo a areia do teu toque sem os beijos do meu amor amargo, que o mar embargou durante o raro silêncio deste muro que sou, á janela da noite.

Qualquer coisa que invente a minha realidade. Uma estirpe qualquer que se jogue à noite e se disperse depois como um coração vagabundo na busca de um passado retaliado com a existência. É das noites que muitas vezes preciso, do que nela é completamente impossível alcançar, essa insofismável heresia, parece mesmo querer remar, quer inventar histórias, novas e impossíveis deflagrando-se contra o tempo que me resta enquanto me questionar, ainda assim, sempre, ainda que buscando-me, ou me reflicta na tua face adormecido, olhando de longe a longe o vagar trémulo das sinuosas memórias dos beijos que perdi em plena noite.


Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos novo capítulo do livro Ao Fundo Pitangas

 

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