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Sexta-feira, Novembro 1, 2024

Ao Fundo Pitangas

Vitor Burity da Silva
Vitor Burity da Silva
Professor Doutor Catedrático, Ph.D em Filosofia das Ciências Políticas Pós-Doutorado em Filosofia, Sociologia e Literatura (UR) Pós-Doutorado em Ciências da Educação e Psicologia (PT) Investigador - Universidade de Évora Membro associação portuguesa de Filosofia Membro da associação portuguesa de Escritores

Quatro montinhos de areia a fazerem de baliza e eu nada daquilo entendia, que falta de jeito para o futebol sempre tive.

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Quatro montinhos de areia a fazerem de baliza e eu nada daquilo entendia, que falta de jeito para o futebol sempre tive.  Sobre as âncoras do tempo o silêncio descansa. Sempre pensei, hoje concluo que errei, as âncoras não moram nesta casa, nem em lugar algum onde possam os meus delírios partilhar comigo os sonos desta casa.

Brasas de tempo sobre um horizonte que brilha em arcos luminosos de sol.

– Não quero ver-te triste Tetra!

Sentada num declive de areias. Da rampa por onde tantas vezes eu subira. Onde tantas tardes havia eu vivido tentando não esquecer o meu passado.

A cabeça deambulava em círculos dentro de si mesma, o cheiro de brasas sobre a tarde iluminavam o silêncio nem perdido, nem pensado, aquele sorriso não existia ainda sob um perdido tempo, coisa nenhuma, a vida existia ainda e nela tantos anos de existência.

Todos nós queremos filhos, família, todos ansiamos melhor qualidade de vida, ninguém se prostrará perante si mesmo, nem se renderá, aniquilará, submeterá, privará, sei como são as curvas da vida, as rectas do tempo, quando tantas vezes pedir um pão nos prenderá.

– Estás triste ainda?

Perdi a idade. A mão. Ainda assim o sono. A vontade, este desejo de existência na única mão que ainda possuo. Fecho os olhos, a mão, e aperto-a bem forte para dentro do meu coração, esse sim, ainda palpita. Ou tudo o que me resta?

Ouço gritos feios. Ouço-os!

De onde nem sei, uma coisa distante a arrombar-me este pedaço calmo de horizonte que tento ainda guardar só para mim, ou que arvoredo numa floresta inventada para nunca me calar?

Este sangue amarelo das tardes defeca silêncios sombrios. Trás vozes perdidas onde me encontram as areias moribundas do tédio. Páginas esquecidas onde quiserem, este livro absurdo sem nomes nem personagens há-de engolir-me dessa tarde solitária saudades como pedras sem rumo, o fogo disfarçado deste peito engolido pela distância, o atroz longínquo dos beijos sentidos numa pele repelida, a minha nem será tanto assim tudo isso, defeco-me nela como abutres sem espaço para voar, rastejo-me sentado se não tiver pernas, tantas vezes a minha mão evadida por laços quando me abraçam os teus braços, sinto saudades das horas líquidas passadas na tua carne. E um silêncio de tristeza náufraga, sinto um afecto de espuma nesta casa abandonada, neste destino de medos, sentado na poltrona do fim, onde janelas iluminam o tempo, os destinos que crescem a cada segundo, de braços esticados o abraço tão ausente, o bafo quente nos vidros, escorrem lânguidos pensamentos a mente exorta destinos não há, abraça-me neste recreio inventado enquanto te penso, ou onde me penso, onde queira quem sabe existir, ou que bafos de tempos tardios numa sala sozinha, repleta de desilusão, solidão, a tristeza emerge pelos cantos da casa pendurando quadros e memórias, fotografias e silêncios, não, o silêncio não fala, nem as memórias falam, sozinhos falamos contra as paredes e nada delas escutamos, anseio abraços, sonos prolongados, paredes pintadas com cores indiferentes, desilusões ocultas, fechamo-nos na nossa razão para nos vencermos a nós mesmos, fora dos tempos, da chuva vadia, nem sequer a razão quem será?, chove a torpes sobre o tecto da minha imaginação alojada na solidão que invento para me seguir.

Vejo o vulto do silêncio sobre as árvores esquecidas do cacimbo. Uma mão estendida. Sinto um frio gelado sobre a pele que se vagueia sobre si mesma, sinto a ausência dos meus gritos, dos meus ais, ouço e escuto coisas quase nenhumas que provavelmente me queiram falar, o peso dos meus passos neste alcatrão vencido, o escuro que me percorre a alma, sinto os beijos de antiqua, da tua voz refractária, as saias acanhadas, sinto tantas coisas talvez, sem que possa sequer dizer ou tecer o que quer que seja.

Este cansaço de memórias, de eventos confusos, este caminho afunilado, sei das coisas perdidas e outras encontradas, creio não me esquecer de nenhuma, mesmo nesta turbulenta viagem de intenções nada me sacia, canso-me das ostras, dos beijos amarfanhados, das marés secas, vivas ou coloridas, viajo sempre uma alquimia difusa, um espectro esverdeado no varandim como quem trepa figueiras ansiando usurpá-las das intenções, imagino paredes e claustros, uma dor tormentosa sobre a pele, sinto ao mesmo tempo sede de fugas, fugir das intempéries da vida, dos silêncios e gargarejares da tarde, onde este mar me afogará sobre que mãos, sei que nada valerá, que significado terá, valor terá, vontade também mas é nisso que apostam os meus intentos por isso deixem-me ser ave, sem pelos podados, vedados, como numa pilha de garrafas de vinho vencido pelos bidões que amarfanham qualquer coisa, a fermentar quieto, na cama avulsa a que chamo estado do ser, da fome e sede ou vontade apenas de ser uma arma livre contra mim mesmo.

Havia um sol brando sobre as árvores que vertiam gotas sobre os capins desamparados.

O preâmbulo da dúvida como metástase da existência. Este beco de subtilezas anacrónicas num rastilho de palavras inócuas que me percorrem o silêncio, virando-me às avessas contra mim mesmo, sem questionar-me sobre quem fui, indo, duvidando de mim próprio nestas lestas e parcas províncias do raciocínio que me deitam num mar de dúvidas sobre verdades sem sentido nenhum, evaporando o tempo que me enjaula na maresia dos silêncios, escrevendo a verdade da alma que me dorme em cada palavra.

Duvidar é um estado de emergências alicerçadas na verdade existencial dos sentidos, que se buscam em prol do que for, na verdade, o sentido sincero das míseras viagens viajadas nos escombros da escuridão alimentada pelo refrão longínquo do desejo, da volúpia, uma viagem nas sóbrias viagens deste sono mal dormido, pensando, sem que a escuridão me iniba de ver-me ao espelho como o jacto espacial nos seus sinceros arremessos de vida, voando os céus da vida numa verdade incolor duvidando, como se a verdade fosse decreto e por isso, navego sendo-me, este reflexo sem brilhos por onde o olhar se difunde na confusa estadia deste lado que me aquece o silêncio que me deixa enfim, dormir devagar. Duvido-me por entre mim a dentro e mesmo isso, uma maresia fulcral nas marés quentes da minha cidade que me mora, por mim a dentro, sem fim nenhum e comigo, eu nela e ela, nas areias brilhando brincadeiras de meninices sinceras.

Logo existo nisso. Nas suas quimeras e Primaveras espalhadas nas ribeiras por que cantos não me importam e vou, num remoinho escondido por cada canto da vaidade de ver a verdade num salitre de sonos claros nesta casa de vento, à janela dos desejos e tu, eras neles o grito desafamado de famas que não busco por isso existo, conquanto duvidem, aquando isso, as paredes pintadas de salitre e lustre, na saúde que me sinta nela isto, um fervor de fumos saltitantes na alma que me esmurra contra destinos e maresias por onde possa um dia entrar este corpo desprovido de mim buscando-me ali, num eu de pintas sobre o colarinho da cidade que me amarre sem claustros e cintilante, caminhante, pelas ruas e ruelas escondidas da vida verde de tudo, onde todos sejamos o que ali conseguirmos, num sonho também e sonha sem que aconteça ver-me, estrada a dentro e fora e como ela, um lugar de famas desprovidas, desventuradas, desafinadas se assim tiver de ser, porque desta verdade, me embrulham os silêncios, uma realidade me coloca nos sepulcros ébrios do viver que pretendo:

Existo.


Como aperitivo à deliciosa prosa de Vítor Burity da Silva, apresentamos novo capítulo do livro Ao Fundo Pitangas

 

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