A filósofa espanhola Adela Cortina[1], um dos nomes mais significativos do pensamento político e ético da actualidade, propôs, em 1996, a introdução de um novo termo para designar uma tendência que, na sua perspectiva, tem grande significado nas sociedades contemporâneas: aporofobia.
De acordo com a sua proposta, mais do que racismo ou xenofobia existe actualmente o sentimento difuso de medo e de rejeição dos que carecem de recursos, dos áporoi, os pobres.
Muitos comportamentos que se observam nas sociedades opulentas do hemisfério Norte relativamente aos estrangeiros e aos membros de diferentes etnias expressam uma rejeição não tanto pela sua diferença cultural mas, sobretudo, pela sua situação de pobreza e de indigência. Tanto é assim que, quando se trata de árabes multimilionários, do jogador negro que é “estrela no mundo do futebol” ou do cigano rico, as condutas deixam de ser discriminatórias. O mesmo acontece com os estrangeiros que chegam a qualquer país europeu na condição de turistas. Neste caso, há um bom acolhimento e não se registam sinais de xenofobia.
Como explicar então esta fobia?
Numa sociedade em que ao nível da esfera social e política domina o paradigma contratualista, os pobres, os que nada têm e, portanto, nada podem oferecer “em troca”, não têm capacidade real de contratar. São, por isso, excluídos e marginalizados. Tornados invisíveis, remetidos para as “margens” de uma quase não-existência. Verifica-se, também uma certa culpabilização: há quem defenda a ideia de que os pobres são responsáveis pela sua situação, como se a pobreza resultasse exclusivamente de preguiça e de más escolhas dos próprios, os tais que a dada altura em Portugal se disse “viverem acima das suas possibilidades”. Estas ideias de senso comum não passam de generalizações apressadas. Se, de facto, há alguns casos em que o cair na pobreza pode resultar de negligência mais ou menos voluntária, na maior parte das situações resulta de factores alheios à vontade das pessoas.
Perceber como surgem e se desenvolvem sentimentos de ódio nalgumas pessoas ]ajudará a entender esta fobia pois é aí, também, que encontramos parte da sua causa, pois a “chave” de compreensão do ódio está em quem o sente e não em quem é odiado, em quem discrimina e não em quem é discriminado.
A verdade é que a pobreza não é uma situação permanente e definitiva para cada indivíduo. De facto, existem colectivos onde cada um, de acordo com as circunstâncias da sua vida, pode sair ou entrar: desempregados, reformados com pensões miseráveis, jovens à procura do primeiro emprego, doentes, deficientes, emigrantes, membros de minorias étnicas.
Aporofobia
A aporofobia, sendo a repugnância e o horror perante os que nada têm, é um sentimento e uma atitude que se aprende no contexto social. Para isso contribuem também os relatos alarmistas e sensacionalistas da comunicação social que associam pessoas com poucos recursos à delinquência, apresentando-as como ameaça ao sistema económico e social vigente. Ora, uma análise social mais rigorosa mostra-nos como, nas sociedades contemporâneas, a maior parte da delinquência tem origem em máfias bem organizadas e que controlam uma grande quantidade de recursos financeiros e humanos. Basta olharmos, mesmo que seja apenas de uma forma empírica, para o que se passa em Portugal…
A pobreza é um sintoma bem evidente do fracasso de um sistema social que não é justo, é uma situação indesejável, inadequada a um mundo que se quer humano. Quer a pobreza, quer o ódio aos pobres poderão ser superados. Uma melhor distribuição dos recursos existentes no planeta e uma educação baseada nos valores da igualdade e da cooperação poderão ajudar! E, todos nós podemos começar por algo muito importante: rejeitar o discurso do ódio, substituí-lo por um novo discurso e uma nova prática – a do respeito activo por todos os seres humanos.
[1] Catedrática de Ética e Filosofia Política na Universidade de Valência, sendo a única mulher que integra a Real Academia de Ciências Morais e Políticas em Espanha
Adaptação do texto publicado no Jornal Brados do Alentejo em 2010 e publicado na obra “Pão & Rosas” (2012)