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Terça-feira, Julho 16, 2024

Aposentação antecipada: a verdade sobre factor de sustentabilidade e cortes

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Neste estudo analiso o Decreto-Lei 108/2019, que transpõe para o regime da CGA o que já vigorava desde Dezembro de 2018 para a Segurança Social por força do Decreto-Lei 119/2018, que entrou em vigor em 1 de Outubro de 2019.

Nesta versão do estudo inclui na parte final mais informação que é importante para muitos trabalhadores (a dedução de 4 meses na idade legal de acesso à pensão por cada ano que o trabalhador tiver a mais para além dos 40 anos completos de descontos), e no inicio dele corrigi um erro que tinha pois este decreto-lei também se aplica aos ex-subscritores.

Neste estudo analiso o Decreto-Lei 108/2019, que transpõe para o regime da CGA o que já vigorava desde Dezembro de 2018 para a Segurança Social por força do Decreto-Lei 119/2018, que entrou em vigor em 1 de Outubro de 2019. E, mostro que para a esmagadora maioria dos trabalhadores, se pedirem a aposentação ou a reforma antecipada continuam sujeitos a uma dupla penalização – factor de sustentabilidade e redução da pensão em 0,5% por cada mês que lhe falte para ter 66 anos e 5 meses – o que lhe reduz significativamente a pensão.

E faço isto porque os órgãos de comunicação que divulgaram a entrada em vigor em 1 de Outubro de 2019 fizeram-no de uma forma que pode criar a ilusão na opinião publica, e nomeadamente nos trabalhadores, que a partir dos 60 anos de idade e de 40 anos de descontos já não se aplicava o factor de sustentabilidade. E certamente muitos até pensaram, devido à forma como foi dada a noticia, que a partir daquela idade e de 40 anos de descontos já não havia cortes nas pensões. Isso não corresponde à verdade e é urgente esclarecer para não haver ilusões. É o que procuro fazer neste estudo dando exemplos concretos para uma mais fácil compreensão do conteúdo e dos efeitos deste decreto, que designo por “decreto-burla”, porque o numero de trabalhadores que poderão ser beneficiados na Função Publica abrangidos pela CGA será certamente muito reduzido. Há um decreto-lei semelhante publicado em Dezembro de 2018 para os trabalhadores abrangidos pela Segurança Social.

Estudo

Se um trabalhador se aposentar ou reformar com 60 anos de idade e 40 anos de contribuições sofre ainda um corte de 38,5% na sua pensão

O Decreto-Lei 108/2019, que transpõe para o regime da CGA o que já vigorava desde Dezembro de 2018 para a Segurança Social por força do Decreto-Lei 119/2018, entrou em vigor em 1 de Outubro de 2019. E logo os órgãos de comunicação social fizeram caixa desta noticia, com o titulo “Factor de sustentabilidade acaba hoje para quem aos 60 anos tem 40 de descontos” podendo criar a ideia a nível da opinião publica que a partir dos 60 anos de idade e de 40 anos de descontos já não se aplicava o factor de sustentabilidade. E certamente muitos até pensaram, devido à forma como foi dada a noticia, que a partir daquela idade e de 40  anos de descontos já não havia cortes nas pensões. Isso não corresponde à verdade e é urgente esclarecer para não haver ilusões.

 

O factor de sustentabilidade só não se aplica se o trabalhador aos 60 anos de idade tiver pelo menos 40 anos completos de contribuições. E mesmo neste caso continua a sofrer um corte na pensão de 0,5% por cada mês que lhe falte para ter 66 anos e 5 meses

O artº 2 do Decreto-Lei 108/2019 que entrou em vigor altera o artº 37-A do Estatuto da Aposentação que passou a ter a seguinte redacção:

  1. Podem requerer a aposentação antecipada, independentemente de submissão a junta médica e sem prejuízo da aplicação do regime de pensão unificada, os subscritores(aplica-se também aos ex-subscritores) que tenham , pelo menos, 60 anos de idade e que, enquanto tiverem essa idade, tenham completado, pelo menos, 40 anos de exercício efectivo de funções;
  2. A taxa global de redução é o produto do número de meses de antecipação em relação à idade normal de acesso à pensão de velhice que sucessivamente estiver estabelecida no sistema previdencial do regime geral de segurança social ou à idade pessoal de acesso à pensão de velhice pela taxa mensal de 0,5 % (continua esta penalização).
  3. Às pensões atribuídas nestas condições não é aplicado o factor de sustentabilidade”

Se um trabalhador se aposentar ou reformar com 60 anos de idade e 40 anos de contribuições sofre ainda um corte de 38,5% na sua pensão

Em primeiro lugar, o trabalhador tem que ter aos 60 anos de idade pelo menos 40 anos de exercício de funções e, consequentemente, 40 anos completos de contribuições para a CGA. Portanto, se o trabalhador só tiver 40 anos de descontos aos 61 anos, ou aos 62 anos, ou aos 63 anos, etc, então o factor de sustentabilidade continua-se a aplicar, o que significa um corte na pensão de 14,7% em 2019. É previsível que o número de trabalhadores que satisfaça aquela condição seja muito reduzido.

Em segundo lugar, mesmo que aos 60 anos de idade o trabalhador tenha 40 anos completos de contribuições para a CGA ele continua a sofrer um corte na sua pensão por não ter 66 anos e 5 meses, que é a idade legal de acesso normal a aposentação. E esse corte é de 0,5% por cada mês que lhe falte para os 66 anos e 5 meses. Isto significa que se um trabalhador com 60 anos de idade e 40 anos de descontos pedir a aposentação antecipada ele sofre um corte de 38,5% na sua pensão (fica reduzida a menos de 2/3). E isto porque se ele tem 60 anos de idade ainda lhe faltam 77 meses para ter 66 anos e 5 meses. E como o corte é de 0,5% por cada mês que lhe falte, multiplicando 77 por 0,5% obtém-se um corte de 38,5%, o que é inaceitável.

E é ainda mais inaceitável quando Vieira da Silva prometeu no início desta legislatura acabar com a dupla penalização (eliminando uma) a que estão sujeitos os trabalhadores quer do sector privado quer da função publica quando pedem a reforma ou a aposentação antecipada, e que é o seguinte: aumento quase todos os anos da idade legal de acesso à reforma ou à aposentação mais o factor de sustentabilidade. Como a promessa não foi cumprida, para a esmagadora maioria dos trabalhadores continua-se a aplicar o factor de sustentabilidade e a idade legal de acesso à reforma ou à aposentação continua a aumentar.

 

A idade pessoal de acesso à pensão de velhice, como não é uma aposentação ou uma reforma antecipada, se o trabalhador tiver aquela idade não sofre nenhum corte na pensão

A idade pessoal de acesso à pensão já existe na Segurança Social. Ela é alargada à CGA pelo Decreto-Lei 108/2019, que no seu artº 2º dá uma nova redacção ao artº 37-A do estatuto da Aposentação que passa a ter a seguinte redacção:

A aposentação pode ainda verificar -se quando o subscritor atingir a idade pessoal de acesso à pensão de velhice, sendo esta a que resulta da redução, por relação à idade normal de acesso à pensão de velhice em vigor, de quatro meses por cada ano civil que exceda os 40 anos de serviço efectivo à data da aposentação, não podendo a redução resultar no acesso à pensão antes dos 60 anos de idade”.

Um exemplo imaginado torna mais facilmente compreensível o que é a idade pessoal de acesso à pensão e seus efeitos.

Suponha-se que um trabalhador tem 45 anos de contribuições para a CGA. De acordo com esta disposição, por cada ano a mais que ele tenha para além dos 40 anos de descontos ele reduz a idade de acesso normal à aposentação, que é actualmente 66 anos e 5 meses, em 4 meses. Como ele tem 5 anos a mais para além dos 40 anos, ele reduz 20 meses aos 66 anos e 5 meses, obtendo assim 64 anos e 9 meses. É esta a idade pessoal de acesso à pensão. E é desta forma que ela se obtém. Se ele tiver nesse momento 64 anos e 9 meses de idade, ele pode-se aposentar ou reformar sem qualquer penalização, porque a idade pessoal de acesso à pensão coincide com a idade que ele tem. Portanto, e repetindo porque este conceito não é muito claro e compreensível,  o trabalhador tem de ter mais anos de contribuições do que 40 anos, e por cada ano a mais deduz 4 meses nos 66 anos e 5 meses. E  só quando o valor que obtém é igual a sua idade real é que ele se pode aposentar ou reformar sem quaisquer penalizações (não se aplica nem o factor de sustentabilidade nem o corte de 0,5% por cada mês que lhe falte para 66 anos e 5 meses).

É evidente que o número de trabalhadores que poderão vir a ser beneficiados com esta disposição será também muito reduzido. Para que um trabalhador com 60 anos de idade, a sua idade pessoal de acesso à pensão coincidisse com a sua idade  real (os 60 anos) teria de ter cerca 59 anos de contribuições o que  materialmente impossível.

É por todas estas razões que digo que este Decreto-Lei (existe um igual na Segurança Social que é o Decreto-Lei 119/2018) é um “decreto burla” porque não elimina a dupla penalização para esmagadora maioria dos trabalhadores, mas cria ilusões nos trabalhadores alimentadas intencionalmente ou por ignorância por certa comunicação social que não explica ou não sabe explicar, porque não estuda, o conteúdo e o alcance real da lei, publicando meias verdades ou então noticias que não são verdadeiras

No entanto há um aspecto positivo que decorre daquela norma que transcrevemos no início desta página que interessa referir, e que é o seguinte. Mesmo que a idade que tem o trabalhador não coincida com a sua idade pessoal de acesso à aposentação ou à reforma, portanto ele não se pode aposentar sem cortes na pensão, mesmo assim, desde que tenha 60 anos de idade, por cada ano a mais que tiver para além dos 40 anos completos de contribuições ele deduz na idade de acesso legal à aposentação (actualmente 66 anos e 5 meses)  4 meses. Por ex., se tiver 43 anos deduz 12 meses (3 X 4), portanto reduz para 65 anos e 5 meses. E a penalização é 0,5% a multiplicar pelos meses que lhe falta para ter 65 anos e 5 meses e não 66 anos e 5 meses que é a actual idade legal de acesso à pensão. Era uma disposição que já vigorava na Segurança Social mas que só agora foi estendida à Função Publica. No entanto, se aos 60 anos não tinha 40 anos completos de descontos aplica-se o factor de sustentabilidade.

 

Para terminar interessa ainda referir que, segundo o nº5 do artº 37 Do Estatuto da Aposentação, na nova redacção dada pelo Decreto-Lei 108/2019:

O tempo de inscrição nas instituições de previdência referidas no n.º 2 do artigo 4.º, quer anterior, quer posterior ao tempo de inscrição na Caixa, conta -se também para o efeito de se considerar completado o prazo de garantia que resultar do disposto nos n.os 3 e 4.”.

Portanto os anos de descontos (mas tem de ser anos completos) que o trabalhador eventualmente tenha descontado para a Segurança Social também contam. O inverso também acontece. Se um trabalhador que esteve na Função Pública, e descontou para a CGA, e depois passou a descontar para a Segurança Social, os anos que descontou para a CGA também contam.



 

 


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