Participei há dias num debate em que se punham em cima da mesa os valores das religiões lado a lado com os da determinação política dos povos.
Debates com este tema vão surgindo e devem multiplicar-se. É que sabendo mais saberemos quem somos e para onde vamos e como podemos transformar o mundo – é verdade, pode sempre transformar-se o mundo!
O tema está na moda, mas ainda de forma insuficiente. Debatendo-o podemos mesmo observar como política e religião voltam a estar interligadas de uma maneira muito intensa na história do mundo, facto pouco inédito mas que nos deve deixar, pelo menos, apreensivos perante a forma como se interligam.
Entre outras constatações, disse-se no debate que agora evoco, que “desconstruir Ângela Merkel significaria desconstruir o calvinismo” – frase muito forte e que, aparentemente, não foi entendida pela maior parte dos presentes. A afirmação traz, ela também, a religião para o acto político e para o que projecta em consequências e fez-me pensar que precisamos de aprender a religião como acto de sobrevivência.
Também se verificou, então e sem muita dificuldade, que se estamos por um lado a ver as religiões serem chamadas aos acontecimentos quotidianos – no que se passa no Médio Oriente, no que se passa no Brasil, no que se passa na Nigéria, no que se passa no Vaticano ou no governo alemão, os exemplos são inúmeros e diversificados-, por outro lado, o entendimento dos fenómenos exige uma cultura que não temos ou pelo menos não dominamos e, ao mesmo tempo, uma tolerância que nos confunde. Sim, uma tolerância que nos tolhe.
Disse, repito, a maior parte dos acontecimentos violentos perpetrados em nome de uma religião não passa de um conjunto tremendo de actos criminosos sem ponta de espiritualidade ou proximidade com as crenças e ao entendê-los como possuidores de uma índole religiosa estamos a cair no erro de hesitar na sua condenação imediata. Não há tolerância para a intolerância – e nenhum de nós tem o direito de ceifar a vida alheia.
A sociedade ocidental onde nos movimentamos evoluiu ao longo dos séculos para um equilíbrio ideológico pacificador das diferenças e consagrou-o na forma do laicismo.
Ser laico é adoptar uma postura separadora e crítica quanto à influência da religião na organização política, económica e social nas sociedades contemporâneas.
Nesse espaço apaziguador e capaz de fazer conviver os povos nas suas diferenças, a religião ocupa lugar como parte de um todo e o ser humano prevalece respeitado na sua qualidade intrínseca: é totalidade.
É portanto, o laicismo, um formato que diminui as discórdias – pois o ser humano entre muitas coisas é um ser de opções e crenças, logo de diferenças, de oposição e de conflitos, não necessariamente organizado em torno desta ou daquela igreja ou religião.
O laicismo começa a afirmar-se como formato organizacional das sociedades ocidentais no final do século XIX e no início do século XX. Sendo uma prática, pode ser entendido também como uma corrente filosófica que defende na teoria e na prática a separação entre o Estado e a Igreja e comunidades religiosas, bem como a neutralidade do Estado com relação aos assuntos religiosos.
Não deve ser confundido, todavia, com a constituição de um Estado ateu.
Os princípios básicos do laicismo são a igualdade entre os cidadãos nos assuntos religiosos, a liberdade de consciência e a defesa da procedência humana e democrática das leis do Estado.
A doutrina do laicismo surge como fruto da indignação de diversos grupos sociais frente aos abusos realizados pela interferência de ideologias e preceitos religiosos na esfera política de diversas nações e no conhecimento difundidos pelas Universidades no período pós-medieval.
Politicamente podemos classificar os países entre os laicos e os não laicos. Os países politicamente laicos não permitem a interferência directa da religião na política, como ocorre nos países ocidentais em geral.
Já os países não laicos são chamados teocráticos: ali, a religião possui uma função activa na política, na constituição e em todas as esferas da vida social (como no Vaticano ou no Irão).
De propósito não desenvolvi aqui o que pode dizer-se sobre a afirmação que ficou atrás, neste texto, como uma provocação: desconstruir Ângela Merkel é desconstruir o Calvinismo.
Só para deixar vontade de cá voltarmos ao tema nas páginas deste jornal o que farei já para a semana.
[…] Source: Aprender a religião como acto de sobrevivência – Jornal Tornado […]