É em tempo de reforma que muitos séniores voltam à universidade, aproveitando o tempo livre e a vontade de aprender novos saberes, deixando de lado a solidão que está cada vez mais associada à terceira idade.
Segundo a RUTIS, Associação Rede de Universidades da Terceira Idade, que representa estas instituições em Portugal, são já 266 as universidades que fazem parte desta rede nacional, a maior no mundo com 39.000 alunos e 5.000 professores voluntários. A RUTIS refere que há vários estudos a mostrar as vantagens destas instituições no que diz respeito à felicidade e ao maior bem-estar dos idosos: “Ao promover o convívio e a aprendizagem as UTIS contribuem para o menor isolamento e sentimento de inutilidade dos seniores”.
Os primórdios das universidades para a Terceira Idade remontam ao século XIX, quando nos Estados Unidos da América surgiu o “Lyceum”, um programa educacional destinado a transmitir conhecimentos a adultos e idosos das populações rurais. Contudo, a primeira universidade sénior com a estrutura parecida à que hoje conhecemos só viria a surgir em 1972, na Universidade de Toulouse (França). E se Portugal costuma ser tardio em acompanhar alguns desenvolvimentos, nas universidades séniores não demorou muito a introduzir a tendência. Logo em 1976, é criada a Universidade Internacional para a Terceira Idade de Lisboa. E pouco tempo depois, em 1983, fundava-se a Universidade de Lisboa para a Terceira Idade (ULTI) que o Tornado foi conhecer mais aprofundadamente.
Um projecto pioneiro e inovador
É com paixão pelo seu trabalho na ULTI que ouvimos falar Emília Noronha, uma das fundadoras e actual directora daquela universidade, sediada no Centro Paroquial de S. Domingos de Benfica. Conta assim como, em 1983, fundaram a universidade: “Era um grupo de cinco fundadores, ligados ao ensino e havia muito poucas obras para a terceira idade. Nós achámos, na altura, que realmente havia uma população muito mais exigente que gostaria, com certeza, de continuar a sua formação ao longo de toda a vida”. Emília Noronha refere várias vezes como foi um projecto pioneiro na altura, até pelo facto de não estar ligado a nenhuma universidade como acontecia noutros países. A inovação da ULTI valeu-lhes várias distinções entre as quais o prémio “Vida”, com a Dra. Maria Barroso, em 1991 e uma ida a Bruxelas, em 1993, para apresentar a ULTI perante vários representantes de outras nacionalidades.
Actualmente, a ULTI conta com uma comunidade de 500 pessoas, entre alunos e professores. A maioria dos estudantes são, de facto, reformados mas ocasionalmente há pessoas ainda em idade activa que frequentam algumas disciplinas, sobretudo as línguas. A directora explica que já foram bem mais mas confessa-se contente pelo facto da realidade das universidades séniores se ter alastrado pelo país: “Agora, graças a Deus, ao ver-se que o projecto era muito dignificante têm vindo a proliferar por todo o país e a última vez que eu tive conhecimento estávamos com 20 mil alunos e 200 e tal universidades, para mais”.
No plano curricular da ULTI não há cursos extensos mas um leque muito variado de cerca de 80 disciplinas e actividades culturais, em que os alunos se podem inscrever. Francisco Faísca, aluno da ULTI, admite que até é difícil escolher as oito em que se pode matricular: “às vezes cometo uma transgressãozinha e ainda vou assistir a outras aulas sem ser aquelas em que estou inscrito. Por enquanto ainda não tive a sorte ou o azar de ser corrido de lá”.
“Andamos a aprender toda a vida”
Francisco Faísca tem 74 anos e está reformado há doze da sua carreira de comissário da PSP. É também há meia dúzia de anos que frequenta a ULTI. A sua disciplina favorita é direito pois, explica: “durante a minha vida participei e lidei muito com leis. Gosto da disciplina porque está constantemente a acompanhar essas leis que saem, o que é muito bom para a nossa cultura geral”. Para além dessa, frequenta yoga, sociologia, história do turismo e faz parte da Tuna e do Coro. Foi para ali por conselho de uma amiga e porque queria aprender novos conhecimentos: “Porque nós andamos a aprender toda a vida, passamos a vida a aprender coisas novas”.
Em História do Turismo, contou-nos, “o nosso professor é fantástico, preocupa-se muito connosco: em nos ensinar e trazer um grande rol de fotografias e imagens de vários países do estrangeiro”. Nessa disciplina, diz Francisco, o professor leva-os a sonhar com outras paragens: “ajuda-nos muito a conhecer também o que é o estrangeiro o que ultrapassa todos estes muros que nós temos aqui no nosso país”.
Mas nem só das aulas vive aquela universidade. Francisco expressou-nos a alegria que é poder frequentar a instituição e as amizades que ali já encontrou, “e até se tem arranjado aqui alguns namoricos e casamentos. Juntaram os seus trapinhos, organizaram a sua vida e vivem felizes”, contou-nos em jeito de confissão.
Por isso, Francisco só vê benefícios em pertencer a uma universidade sénior e deixa uma mensagem para os mais idosos que estão em casa, sedentários: “tirem as pantufas, atirem a muleta fora e frequentem uma das universidades porque felizmente há muitas”.
Uma segunda família
É assim que Emília Noronha descreve a comunidade da ULTI: “Nós consideramos que esta universidade é para muitas pessoas a sua segunda casa, é sempre um lugar que está aberto a qualquer hora do dia, a qualquer momento para receber”. E acrescenta que os benefícios para a população idosa estão já comprovados: “Diz-se que num sénior motivado pode, a longevidade, ser de mais de sete anos”.
Embora não seja muito dada a amizades, a universidade foi para Teresa Barradas um escape numa altura mais complicada da sua vida: “O meu marido tinha morrido entretanto e eu sentia-me assim muito perdida. Tinha que procurar qualquer coisa para me distrair e entretanto soube da universidade, vim ver o que é que se passava, gostei e fiquei”. Teresa tem actualmente 81 anos, está reformada da sua profissão de guia-intérprete turística desde os 75 anos mas só há oito frequenta a ULTI. Está matriculada sobretudo em disciplinas ligadas ao turismo e, desde há três anos, propôs-se também dar aulas de italiano porque, explica: “Resolvi vir para não me esquecer e, ao mesmo tempo, também para transmitir aquilo que sabia”.
Para além de professora, Teresa costuma também servir de guia nas várias visitas de estudo realizadas pela universidade a diferentes localidades do país. Francisco Faísca relembrou uma dessas experiências:” Uma guia muito importante para nós adquirirmos mais conhecimentos e com a experiência que ela teve da vida profissional dela, para nós foi muito agradável e simpático a forma como ela conduziu e ensinou durante toda a viagem que fizemos a Fátima, na ida e no regresso.”
Dar e receber em várias gerações
Na ULTI não são só os idosos que pertencem à comunidade docente. Francisco Faísca conta-nos que a sua professora da Tuna é uma jovem de 30 anos, ex-membro de uma tuna universitária que lhes leva muita da sua experiência pessoal: “dá-nos ensinamentos das tunas jovens o que a nós enche-nos as medidas todas de alegria. E quando temos actuações fora é uma coisa fantástica e muito confortável para nós vermos toda a gente a aplaudir”.
Também os netos dos estudantes acabam por visitar a universidade, levados pelos seus avós. A directora dá-nos um exemplo: “Tivemos um neto a dar aulas à avó. A avó entusiasmou-o, falava tanto nisto que o neto quis participar” e acabou por ser professor de inglês. E acrescenta Emília Noronha: “Os avós estão aqui integrados e os netos vêm cá fazer um estágio, questionários, investigação para a universidade porque a avó pertence a esta obra.”
Por tudo isto, diz a directora, os benefícios de frequentar uma universidade sénior são “enormes”. E deixa uma dica para os idosos: “Os netos apreciam muito os avós que têm uma vida activa, que têm ainda sonhos, projectos que os realizam e que têm também as suas actividades como ir a um concerto ou ao teatro. Apreciam muito que os seus avós sejam modernos, activos, dinâmicos e que os surpreendam.”