(1885 – 1963)
Democrata antifascista, conspirador contra a monarquia, militante republicano e resistente durante a Ditadura, este notável escritor é autor de uma das mais importantes obras literárias portuguesas do século XX, abrangendo ficção, crítica, biografia, evocação histórica, ensaio, teatro, etnografia, polémica, tradução e contos para crianças.
Aquilino Gomes Ribeiro nasceu em Carregal de Tabosa, Sernancelhe, em 13 de Setembro de 1885 e faleceu em Lisboa a 27 de Maio de 1963.
Democrata antifascista e conspirador contra a monarquia
Depois de ter frequentado o colégio jesuíta da Senhora da Lapa, entra no Colégio de Lamego (Lamego) em 1900, estuda Filosofia em Viseu e ingressa, depois, no Seminário de Beja, obedecendo a um desejo de sua mãe que queria fazê-lo sacerdote. Em 1903, por falta de vocação, abandona os estudos durante a primeira parte do Curso Teológico no Seminário e fixa-se em Lisboa. Em 1904 regressa a Soutosa (Concelho de Moimenta da Beira), onde fica até 1906, ano em que se fixa em Lisboa. Colabora então no jornal republicano A Vanguarda.
Coimbrão,1921.
Aquilino Ribeiro e Raul Brandão; atrás: Ilídio Teixeira de Vasconcelos, Raúl Proença e Câmara Reys.
Em 1907, em parceria com José Ferreira da Silva, escreve A Filha do Jardineiro, obra de ficção de propaganda republicana e de crítica às figuras do regime monárquico. Na capital, a par dos estudos e de pequenos trabalhos de tradução e jornalismo, entregou-se a actividades de conspiração contra a Monarquia e de promoção dos ideais da República. Foi preso (1907) na sequência de um acidente com explosivos que, no seu quarto, vitimou dois “carbonários”, mas conseguiu evadir-se e partir para Paris (1908), onde veio a diplomar-se na Universidade da Sorbonne – aqui, inscrito no curso de Filosofia, tem a oportunidade de ouvir mestres como George Dumas, André Lalande, Levy Bruhl, Durckeim, e contacta com a intelectualidade portuguesa que, também por motivos políticos, se via forçada a viver fora de Portugal. Entre 1908 e 1914, divide a sua residência entre Paris e Berlim, e publica, então, a sua obra de estreia, Jardim das Tormentas (1913).
Resistente durante a Ditadura
Com a eclosão da 1ª Grande Guerra (1914), regressou a Portugal. Leccionou no Liceu Camões (Lisboa) e juntou-se ao grupo que constituiu a Seara Nova, integrando a sua primeira direcção [1].
Em 1918 publica o primeiro romance, “A Vida Sinuosa”, que dedica à memória do seu pai, Joaquim Francisco Ribeiro. A convite de Raul Proença, entrou em 1919 para a Biblioteca Nacional, onde iria trabalhar até 1927. Porém, intransigente defensor da justiça e da liberdade, envolveu-se em conspirações contra o regime de ditadura do Estado Novo, sofreu perseguições (1927-28) e a prisão, e foi forçado a novo exílio em Paris. (Em 1928 entrou na revolta de Pinhel, foi encarcerado no presídio de Fontelo, Viseu, evadiu-se e voltou a Paris).
Em 1929, casa com Jerónima Dantas Machado, filha de Bernardino Machado.
Entretanto, em Lisboa, é julgado à revelia em Tribunal Militar, e condenado.
Em 1930 nasce-lhe o segundo filho, Aquilino Ribeiro Machado (que viria a ser Presidente da Câmara Municipal de Lisboa entre 1977 e 1979). Em 1931 vai viver para a Galiza e, em 1932, volta a Portugal clandestinamente.
Em 1952, faz uma viagem ao Brasil onde é homenageado por escritores e artistas, na Academia Brasileira de Letras. Em 1956, é fundador e presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores. Em 1957, publica A Casa Grande de Romarigães e, em 1958, Quando os Lobos Uivam. Nesse mesmo ano, é nomeado sócio efectivo da Academia das Ciências de Lisboa e destaca-se como apoiante da candidatura de Humberto Delgado à presidência da República.
Em 1960, foi proposto para o Prémio Nobel da Literatura por Francisco Vieira de Almeida, proposta subscrita por José Cardoso Pires, David Mourão-Ferreira, Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira, Maria Judite de Carvalho, Mário Soares, Vitorino Nemésio, Abel Manta, Alves Redol, Luísa Dacosta, Vergílio Ferreira, entre muitos outros.
Em 1963 foi homenageado em várias cidades do país, por ocasião dos cinquenta anos de vida literária, e morreu no dia 27 de Maio desse ano. A Censura não perdeu tempo a comunicar aos jornais que não seria permitido falar das homenagens que lhe estavam a ser prestadas. Aquilino Ribeiro foi sepultado no Cemitério dos Prazeres.
Homenagear a sua memória
Em 1982, Aquilino Ribeiro foi agraciado, a título póstumo, com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade.
Em 2007, a Assembleia da República decide homenagear a sua memória e conceder aos seus restos mortais as honras de Panteão Nacional. A cerimónia de trasladação para a Igreja de Santa Engrácia (Lisboa) ocorreu a 19 de Setembro desse mesmo ano.
Notável escritor
Escritor ímpar, quer no modo de trabalhar a linguagem, com recurso a um vocabulário exuberante, original e pitoresco, quer no rigor extremo da expressão.
Em cinquenta anos de actividade literária, Aquilino produziu romances, contos, novelas, ensaios, biografias e literatura infantil. Escreveu:
- Jardim das Tormentas (contos, 1913),
- A Via Sinuosa (romance, 1918),
- Terras do Demo (romance, 3919),
- Filhas de Babilonia (novelas, 1920),
- Estrada de Santiago (contos, 1922),
- Andam faunos pelos bosques (romance, 1926),
- O homem que matou o Diabo (romance, 1930)
- Batalha sem Fim (romance, 1931),
- As três Mulheres de Sansão (romance, 1932),
- Maria Benigna (romance, 1933),
- S. Banaboião, Anacoreta e Mártir (romance, 1937),
- Monica (romance, 1939),
- Volfrâmio (romance, 1944),
- A Casa Grande de Romarigães (novela, 1957),
- Quando os lobos uivam (romance, 1958);
Ensaios e biografias:
- O Cavaleiro de Oliveira. Estudo Crítico e Biográfico (1922),
- O Galante Século XVIII (1936), Anastácio da Cunha;
- O Lente Penitenciado (Vida e Obra) (1936),
- Camões, Camilo, Eça e Alguns mais (1949),
- Luís de Camões, Fabuloso e Verdadeiro (2 vols., 1950),
- O Romance de Camilo. Biografia e crítica (1956).
Embora nestas últimas obras estejam patentes as qualidades de lucidez e de estilo que caracterizam a Aquilino, seus contos, novelas e romances é que lhe granjearam a fama de que goza hoje em dia. Aquilino entronca-se numa linhagem de prosadores que, passando por Eça e Fialho entre os nacionais, e por Anatole France entre os estrangeiros, remonta a Camilo Castelo Branco, pelo menos no que toca ao culto da “escritura-artística” e perfeita enquanto pureza e precisão vernaculares. Sendo antes de tudo um escritor, mais do que um ficcionista, (…), Aquilino acreditou a vida toda no ofício de escrever como vocação e como realização da sentença buffoniana de que “o estilo é o homem”. Para atingir seu objectivo, teve de levantar um impressionante vocabulário e uma rica sintaxe, e não duvidou em fazer uso de arcaísmos e tipismos regionais de sua província natal, a Beira Alta. Sua primeira marca, portanto, é a pesquisa estilística, a volúpia da forma cinzelada e brilhante (…). Além disso, especialmente nas primeiras obras, Aquilino recebeu alguma influência do Decadentismo, por via do exemplo de Fialho, mas caldeando-a já com sua maneira peculiar, que lhe faria a fortuna de escritor voltado para a terra e para as matrizes do Idioma. Despontavam então algumas de suas características fundamentais, que iriam confluir para formar a vertente melhor de sua volumosa produção: aquela em que o romancista estampa uma profunda simpatia pelo homem rústico das Beiras, vivendo rudes dramas de criatura reduzida à condição de animal irracional, paganicamente embrutecido pelo exclusivo contacto com a terra áspera e primitiva e com velhos e gastos preconceitos sociais, firmemente arraigados nos meios rurais. É o que se observa na maior parte de suas obras de ficção, especialmente Terras do Demo, Andam faunos pelos bosques, São Banaboião. Nesse particular, o melhor de sua obra está na novela “O Malhadinhas”, inserta na Estrada de Santiago. Em matéria de narrativa longa, mas ainda com estrutura de novela, A Casa Grande de Romarigães leva a palma. O escritor subintitula-a de “Crónica romanceada” e no prefácio narra as peripécias de sua composição, inclusive respondendo ambígua e jocosamente a um “académico de Argamasilha, ou lente de Coimbra”: “- Um romance… ? Deus me livre! A minha ambição foi bem outra. Isto é monografia histórica local, história romanceada, se quiser, agora novela, abrenúncio!”» [2]
Testemunho
O neto de Aquilino Ribeiro, Aquilino Machado, no dia 3 de Janeiro de 2018, tornou público o seguinte testemunho:
O meu avô Aquilino quando morreu foi velado por centenas de populares, a larga maioria operários e gente humilde que vivia em Lisboa ou nas periferias urbanas. Alguns eram leitores, mas a maior parte deles não o era. Cumpriam sim uma homenagem igualitária na luta contra a ditadura salazarista. No dia do funeral, os esbirros da PIDE impediram que a grande mobilização estudantil a ele se juntasse, já perto do Cemitério dos Prazeres. O que não conseguiram controlar foram os milhares de telegramas que chegaram a casa dos meus avós, numa emotiva onda de solidariedade e pesar com a morte do escritor beirão. Para além do testemunho de inúmeros notáveis ligados ao campo democrático, uma intensa mole de gente anónima, prestaria um sentido tributo à elevação literária e humana de Aquilino Ribeiro, afrontando politicamente um regime repressivo e anti-democrático: centenas de estudantes – até estudantes liceais! – trabalhadores, essencialmente gente humilde ligada a associações Republicanas da Lisboa Operária».
Aquilino Ribeiro
Foi membro efectivo (a partir de 1958) da Academia das Ciências.
Foi iniciado mação (1907) na Loja Montanha (Lisboa, Grande Oriente Lusitano Unido).
Há uma biblioteca e uma Fundação/Casa-museu com o seu nome em Moimenta da Beira.
Em Setembro de 2018, como forma de evocar Aquilino Ribeiro, a sua vida e percurso literário, o Município e a Biblioteca Abade Vasco Moreira levaram a cabo uma semana de actividades culturais e educativas, que contemplaram a “semana aquiliniana da leitura”, visitas guiadas, apresentação de documentários, séries e sessões de leitura.
Mensagem dos presos de Peniche ao escritor Aquilino Ribeiro (1885 – 1963)
Senhor Aquilino Ribeiro:
Neste ano de 1963, em que perfaz meio século de labor literário, queira escutar mais esta voz que se vem juntar ao coro amigo que o saúda – voz que chega do fundo duma prisão, falando pela boca de mais de uma centena de portugueses encarcerados, há longos anos, pelo único crime de muito amarem a liberdade do seu povo, o progresso da sua Pátria, a Paz no mundo.
Outros dirão dos méritos do escritor, da pujança do seu estilo, da verdade das personagens que criou, da seiva espessa que lhe sobe das raízes mergulhadas no povo e na terra, e vai florescer em fecunda alegria de viver nas páginas dos seus livros, Outros dirão ainda do acordo exemplar entre o homem e o artista, e da íntima comunhão da sua vida com as vicissitudes da vida nacional nos últimos 50 anos. Outros dirão – e nós estamos também entre os que celebram a glória do escritor, sem dúvida uma das figuras cimeiras da nossa história literária.
Mas outra é a especial saudação que o nosso coração e o nosso pensamento nos ditam e aqui lhe trazemos.
Queremos saudar o cidadão corajoso e íntegro, que não se vendeu nem dobrou aos poderosos e aos tiranos, que denunciou com desassombro a torpe mentira dos tribunais políticos e a ferocidade da repressão policial, que exaltou a revolta popular, e que soube fazer frente, com o cajado firme da sua pena de escritor, aos lobos fascistas que assolam os povoados da nossa terra.
Queremos saudar o intelectual generoso e lúcido, que tantas vezes soube erguer alto a sua voz em defesa da paz, contra o furor dos fautores da guerra. Queremos saudar o homem viril e fraterno, pela sua inabalável confiança nas forças populares e no destino dos homens, nas suas conquistas científicas e no seu progresso moral, e confiança que o leva, em meio da noite fascista e ao cabo de setenta anos duma vida tantas vezes dura, a saber ainda olhar em frente, olhar para o sol, e apontar aos companheiros a visão estimulante do futuro radioso da humanidade.
Senhor Aquilino Ribeiro: Longa vida lhe desejamos! Para que possa prosseguir por muitos anos ainda no seu belo trabalho criador. Para que a sua figura altiva de lutador se possa manter presente na frente de combate pela Democracia, a Justiça e a Paz.
E para que, sobretudo, em breve possa ver o sol esplendoroso da Liberdade brilhar de novo e para sempre sobre o nosso querido Portugal.
[1] A Seara Nova é uma revista fundada em Lisboa, no ano de 1921, por iniciativa de Raul Proença e de um grupo de intelectuais portugueses da época.
Na sua origem era uma publicação essencialmente doutrinária e crítica, assumindo fins pedagógicos e políticos. O grupo de intelectuais reunidos em torno do projecto editorial definiram-na como “de doutrina e crítica”, tendo como objectivo, como se lê no editorial do N.º 1, datado de 15 de Outubro de 1921, ser de poetas militantes, críticos militantes, economistas e pedagogos militantes. Com a publicação pretendiam contribuir para quebrar o isolamento da elite intelectual portuguesa, aproximando-a da realidade social.
Nos seus anos iniciais o projecto reuniu alguns dos principais nomes da intelectualidade do tempo, com destaque para Jaime Cortesão, Raul Proença e António Sérgio, Raul Brandão, Aquilino Ribeiro, Câmara Reis, Cabral do Nascimento e Augusto Casimiro.
[2] Massaud Moisés, A Literatura Portuguesa. Editora Cultrix, São Paulo
Dados biográficos
- Aula de literatura Portuguesa: Aquilino Ribeiro, perfil literário
- República e Laicidade: Biografias – Aquilino Ribeiro
- Escola freixinho: Aquilino Ribeiro
- Wikipédia: Aquilino Ribeiro