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Domingo, Novembro 3, 2024

Armando Bacelar

Helena Pato
Helena Pato
Antifascistas da Resistência

(1919 – 1998)

Cidadão de elevado carácter, prestigiado e activo militante na Resistência contra o regime fascista, foi candidato da Oposição Democrática pelo distrito do Porto, nas eleições de 1961, 1965 e 1969.

Advogado com grande notoriedade, defendeu presos políticos nos Tribunais Plenários, tendo sido, ele próprio, preso e julgado por diversas vezes. 

Homem multifacetado com intensa actividade também no campo das Letras, deixou a sua escrita dispersa por inúmeras publicações. Exerceu a advocacia em Famalicão até se mudar para o Porto em 1952, mas manteve também o escritório na sua terra natal, até 1974.

Armando Bacelar

Cidadão de elevado carácter

Armando Filipe Cerejeira Bacelar nasceu no lugar de Santo Adrião, Vila Nova de Famalicão, a 25 de Setembro de 1919 e faleceu a 2 de Setembro de 1998. Casou com Elisa Amado Bacelar (1916 – 2001), uma importante activista do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e da Associação Feminina Portuguesa para a Paz , que veio a ter, também ela, importante actividade na Resistência. O casal teve três filhos: Manuela, Rui e Eva.

Ainda estudante liceal em Braga, Armando Bacelar foi com um colega, José Manuel Videira Pires, director do quinzenário académico Alma Nova . Já aluno de Direito na Universidade de Coimbra, onde se licenciou, fez parte do Bloco Académico Anti-Fascista. Desenvolveu então uma contínua actividade política e colaborou em jornais como Via Latina e Estrela do Minho.

Em 1941, durante o primeiro período do Curso de Oficiais Milicianos, em Mafra, deslocava-se com frequência a Lisboa para encontros clandestinos com membros do Partido Comunista , a fim de trabalhar na reorganização daquele partido, que então decorria. Nesses anos tinha relações próximas com alguns dos escritores e artistas que viriam a destacar-se no movimento neo-realista. Com muitos deles, colaborava no semanário O Diabo, no quinzenário Sol Nascente, de cuja redacção em Coimbra fez parte, e no mensário Pensamento, do Porto, o órgão (do que restava) das estruturas do Partido Socialista.

Elisa Amado Bacelar, a companheira de toda a vida de Armando Bacelar

 

Todos esses jornais viriam a ser suspensos por ordem dos serviços de Censura, mantendo-se apenas a publicação da Seara Nova, as páginas literárias dos jornais de província , e ainda O Comércio do Porto, cujo suplemento literário – Comércio dos Novos – A. Bacelar dirigiu em 1939. Foi um dos iniciadores, como crítico e articulista, do movimento neo-realista e pertenceu à comissão que seleccionou os textos da colecção poética Novo Cancioneiro, lançada em Coimbra, em 1940, por Fernando Namora. Criou, em 1941, com José Ferreira Gomes, os Cadernos de Cultura Socialista, que eram dactilografados e enviados pelo correio (clandestinamente).

Prestigiado e activo militante na Resistência contra o regime fascista

Em 1942 passou a militar no MUNAF e chegou a organizar, no Regimento de Infantaria 8, de Braga, onde prestava serviço como oficial miliciano, um «Campo Anti-fascista de Combate» .

Foi membro do Partido Comunista Português desde 1938 até 1954. Em 1945 ligou-se ao MUD, de cuja comissão concelhia foi presidente, tendo participado nos comícios desse movimento em Famalicão e em Braga. Depois da dissolução do MUD, foi um dos promotores do movimento de apoio à candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República (1949), tendo sido vice-presidente da respectiva comissão distrital de Braga. A sua intensa actividade na redacção, distribuição e afixação de panfletos e cartazes valeu-lhe a instauração de dois processos-crime (que acabaram por não ser julgados). Nesse mesmo ano de 1949, foi um dos fundadores do Movimento Nacional Democrático que, em 1951 iria apoiar e colaborar na campanha para a candidatura de Ruy Luís Gomes à Presidência da República.

Em Março de 1957, foi um dos primeiros dos 72 advogados de Lisboa e do Porto que assinaram uma representação ao ministro da Presidência pedindo um «inquérito à PIDE». Em 1957 e 1958 colaborou, nos distritos do Porto e Braga, nas campanhas eleitorais, integrando a comissão distrital do Porto da candidatura do general Humberto Delgado à Presidência da República. 

Em 1961, aderiu à Frente Patriótica de Libertação Nacional, com sede em Argel, em cujas actividades teve papel relevante, redigindo manifestos e outros documentos e participando em encontros com elementos vindos clandestinamente do estrangeiro.

Em 1969, foi um dos autores do projecto de unidade democrática que ficou conhecido por Plataforma de Acção Comum ou «Plataforma de S. Pedro de Moel», com vista à unidade da oposição nas eleições legislativas desse ano[2]. Foi candidato da CDE pelo Porto, em 1969, e depois, participou activamente no Movimento das Comissões Eleitorais Democráticas (MDP-CDE), fundado após aquelas eleições. Abandonou este movimento em 1973, ano em que foi um dos fundadores do Partido Socialista, de que viria a ser dirigente. 


Comício Comemorativo do 31 de Janeiro, em 1974, no Porto. No uso da palavra, Armando Bacelar. A polícia está na sala e, por isso, Horácio Guimarães encontra-se por perto e Macedo Varela atento ao que pudesse acontecer.
(Foto de Sérgio Valente)

Participou nos congressos oposicionistas de Aveiro, realizados em 1956 e em 1973, tendo apresentado no primeiro uma tese intitulada «O Processo Político em Portugal».

Advogado com grande notoriedade

Como advogado defendeu réus em vários julgamentos políticos nos Tribunais Plenários de Lisboa e do Porto, tendo sido, ele mesmo, ali julgado e absolvido, por duas vezes, em 1949 e em 1960. Entre 1947 e 1963, foi várias vezes detido, sob a acusação de pertencer ao Partido Comunista e de actividades contra a segurança do Estado. Em Novembro de 1958, o motivo da prisão foi outro: era acusado – juntamente com outros advogados – de pretender atentar contra o bom nome de Portugal, por ser advogado de Maria Ângela Vidal Campos que lhe passara procuração e pretendia apresentar queixa nas Nações Unidas contra o Estado português e contra a PIDE, devido às condições em que se encontrava detida.

Foi eleito para a delegação da Ordem dos Advogados em Vila Nova de Famalicão (31 de Outubro de 1957) e foi delegado às assembleias-gerais entre 1963 e 1968. Participou no I Congresso dos Advogados Portugueses, realizado em Lisboa em 1972. Membro do conselho geral da Ordem, entre 1972 e 1974, foi, nessa qualidade, delegado à reunião da conferência da Associação Internacional dos Juristas Democráticos (AIJD), realizada em Paris, em Janeiro de 1974, e dedicada aos trabalhadores migrantes da Europa Ocidental. Entre 1986 e 1989 foi membro do Conselho Superior da Magistratura. 

Publicou alguns trabalhos de carácter jurídico, como Um Caso Grave de Prepotência Administrativa (1959), Dois Limites à Faculdade de Contratar sobre Estado de Pessoas (1966) e «Ossos do Ofício…ou do que um advogado não está livre (1966)».

Homem multifacetado

Como escritor, participou activamente na imprensa e nas revistas literárias ligadas ao Neo-Realismo[1], tal como é o caso Alma Académica (Porto), Alma Nova (Braga), Comércio dos Novos/O Comércio da Póvoa de Varzim (Póvoa de Varzim) – dirigiu estes dois últimos títulos enquanto ainda jovem estudante – Da Gente Moça//O Trabalho (Viseu), O Diabo (Lisboa), Do Espírito Literário/Ecos do Sul (Vila Real de St.º António), A Ideia Livre (Anadia), Independência de Águeda (Águeda), Nova Luz (Coimbra), Pensamento (Porto), Síntese (Coimbra), Sol Nascente (Porto, Coimbra), O Trabalho (Viseu), Vértice (Coimbra), entre outros títulos. 

Na recepção oferecida a Jorge Amado

Na recepção que foi oferecida, em Lisboa, a Jorge Amado pelas Publicações Europa-América, em 1966. Da esquerda para a direita: Armando Bacelar, Alves Redol, Urbano Tavares Rodrigues, Ferreira de Castro, Zélia Gattai, Jorge Amado, Álvaro Salema, Alexandre Cabral, Manuel Alpedrinha e pessoa não identificada.

(Foto de António Redol)

 

Crítico literário da revista Vértice, colaborou também em diversos jornais, como Notícias de Famalicão, República, Diário de Notícias e Diário de Lisboa. Escreveu com os seguintes pseudónimos: Carlos Relvas, Eugénio Bastos Freire, Raul Sequeira, Aníbal Borges de Castro e Inês Gouveia. No semanário Estrela do Minho publicou crónicas sobre temas femininos, sob o pseudónimo de Inês Gouveia, o mesmo com que assinou, no número único do jornal Nova Luz (Janeiro de 1942), um artigo que causou na época sensação: A Mulher perante os Biólogos. Usou, aliás, outros pseudónimos, na sua colaboração com diversos jornais e revistas os seguintes pseudónimos: Carlos Relvas (O Trabalho/Gente Moça, Sol Nascente, O Diabo, Pensamento, Vértice, Ecos do Sul/O Espírito Literário, Ideia Livre/Gente Moça), Eugénio Bastos Freire (Pensamento), Aníbal Borges de Castro (Síntese), Raul Sequeira (Síntese, A Mocidade) e Fausto Ribas (Pensamento, Síntese), entre outros.

Depois do 25 de Abril

Participação Política

Foi deputado do PS à Assembleia Constituinte (1975) e à I Assembleia da República (1976-1980) e foi subsecretário de Estado da Administração Judiciária (e, depois, da Justiça, quando o nome do departamento foi alterado) em todos os governos provisórios, excepto o quinto, em que o Partido Socialista não participou. Foi ministro dos Assuntos Sociais no I Governo Constitucional (Julho de 1976-Janeiro de 1978).


Legalização do Partido Socialista no Supremo Tribunal de Justiça, em Fevereiro de 1975. Distinguem-se Alberto Arons de Carvalho, Vasco da Gama Fernandes, Armando Bacelar, Mário Sottomayor Cardia, Abrantes Mendes, Secretário do ST J e Mário Soares.
(foto de casacomum.org)

Em Novembro de 1992, participou nas II Jornadas de História Local (1892-1992), que se realizaram em Vila Nova de Famalicão e nas quais apresentou um extensa comunicação intitulada Memória de Tempos Idos, sobre a oposição democrática entre 1926 e 1945.

Manteve sempre a sua colaboração na imprensa diária, designadamente na República, no Diário de Noticias e no Diário de Lisboa. Foi, com Lino Lima, autor do catálogo da exposição Testemunhos de Luta pela Liberdade, promovida pelo município famalicense em 1992. No mesmo ano, organizou o catálogo de outra exposição promovida pelo mesmo município, intitulada A Oposição Democrática em Vila Nova de Famalicão; e, em 1996, foi autor do catálogo e do roteiro da exposição que decorreu, por iniciativa da Câmara Municipal de Matosinhos, na Casa-Museu Abel Salazar, intitulada Entre a realidade e a utopia: o neo-realismo literário português.

Foi um dos sócios fundadores da Associação Cultural do Museu do Neo-Realismo, inaugurado em 2007.

Homenagem

Foi distinguido em 1996 pelo então Presidente da República Jorge Sampaio com a Grã-Cruz da Ordem do Infante, tendo sido também distinguido pela Câmara Municipal de V. N. de Famalicão com a Medalha de Ouro do Município. No mesmo ano, a Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco organizou a exposição «Armando Bacelar e Lino Lima: testemunhos de luta pela liberdade», baseada essencialmente no espólio doado pela família de Bacelar à mesma instituição pública famalicense. .

Foi um dos cerca de 120 advogados dos presos políticos da ditadura do Estado Novo, que foram homenageados na Assembleia da República, em Janeiro de 2014, pelo Movimento Cívico Não Apaguem a Memória.

 

[1] A propósito da problemática de Bacelar enquanto teórico do Neo-Realismo ver, por exemplo, Carlos Reis – O Discurso Ideológico do Neo-Realismo Português. Coimbra: Almedina, 1983; Textos Teóricos do Neo-Realismo Português. Apresent. Crítica, sel., notas e sugestões de leitura Carlos Reis. Lisboa: Editorial Comunicação, 1981; Armando Bacelar – (Pre)Textos: Armando Bacelar, Teórico do Neo-Realismo? (Nota explicativa, sel., notas e indicações bibliográficas Amadeu Gonçalves; Introd. José Manuel Mendes).

[2] Na sequência da Convenção e do II Congresso Republicano, representantes distritais dos vários sectores da Oposição Democrática, do Continente e Ilhas reúnem-se em S. Pedro de Moel e aprovam uma “Plataforma de Acção Comum” em que se formulam princípios e reivindicações essenciais da Oposição nos vários planos da actividade política, social e cultural. A Oposição reunida decide, igualmente, participar no próximo acto eleitoral apresentando candidaturas em todos os círculos, sendo para tal constituída uma “Comissão coordenadora das actividades eleitorais”. .

Dados biográficos


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