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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Arte com limite de abstração

Christiane Brito, em São Paulo
Christiane Brito, em São Paulo
Jornalista, escritora e eterna militante pelos direitos humanos; criou a “Biografia do Idoso” contra o ageísmo.  É adepta do Hip-Hop (Rap) como legítima e uma das mais belas expressões culturais da resistência dos povos.

Outro dia, uma conhecida comentou comigo que não entendia muito de arte e precisava escrever textos a respeito. Dei dicas simples, tampouco sou especialista.

Mas confesso que me sinto à vontade para esboçar interpretações sobre o mais obscuro dos autores, principalmente depois que li “A Obra Aberta”, de Umberto Eco.

O autor italiano ensina que todo objeto artístico permite uma interpretação além, e ainda outra, e outra, sob a perspectiva de quem a observa, degusta, analisa. Assim, estudar para construir um sólido repertório em arte é válido, mas não impede compreensões que extrapolem a teoria dos livros.

A obra é um caminho aberto para os nossos sentidos.

Mesmo que pareça fechada ao nosso coração, estranha aos nossos sentimentos, incômoda ao ponto de se tornar intolerável, ela tem uma molazinha que inquieta, essa é que nos desperta e nos reaproxima do inexplicável à primeira vista. Logicamente estou me referindo ao que se entende como obra de arte, aquela que tem rumores do futuro –  dizia André Breton – por isso sobrevive.

Mas essa discussão toda que introduzi tornou-se obsoleta, há um novo caminho muito racional para a arte conhecido como “Watson” – deveria chamar-se Sherlock, pela superioridade do segundo na investigação do oculto a partir de pistas ínfimas.

Enfim, chama-se Watson o programa de inteligência artificial da IBM que no dia 5 de abril estreou na Pinacoteca Paulista, um dos museus mais tradicionais da cidade.

A Voz da Arte

A IBM Brasil (primeiramente conhecida por suas máquinas de escrever, relíquia de um passado recente) comemora 100 anos de presença no país com a o projeto A Voz da Arte, na Pinacoteca do Estado.

Watson não é nada parecido com instrutores que dirigem grupos dentro de museus, contextualizando historicamente a obra, apresentando dados do autor, estéticas que o influenciaram. Sim, o programa expõe um catálogo de informações, em voz alta, e também responde a um leque muito amplo de perguntas, esclarecendo questões do visitante da mostra.

Mas acho que não abarca “dúvidas”, porque, na minha concepção, dúvida é o que surge após uma compreensão e apropriação de um conteúdo.

Por isso torço o nariz para Watson, lamento que a interatividade, ponto alto do programa, seja limitada, não instiga a inteligência criadora, apenas a curiosidade. Não forma consciência, apenas conhecimento.

Conhecimento tende a se tornar um produto acessível a todas as classes, de variadas formas, o que é ótimo, mas reflete, no entanto, a limitação do homem com a máquina. A emoção da arte não é aprofundada na conversa com Watson.

No vídeo, que esclarece melhor a experiência, uma senhora, após ouvir a resposta à sua pergunta, conclui:

Tem muito a ver comigo, porque eu sinto saudade do meu pai”.

Watson não soube o que dizer, paralisou a engrenagem disparadora de informações.

Pena. A confidência da espectadora resgatou uma memória afetiva, um tesouro que ela poderia explorar, tomar para si, sensibilizar o coração.

Indo além, o que quero dizer – sem impor como verdade em grau algum – é que a obra, muito além dela, pode despertar sentimentos em total desacordo com seus contornos e propósitos, no entanto, válidos e grandiosos quando se trata da principal “necessidade da arte”, como explica Ernest Fisher, “uma substituta da vida”.

Concordo com Fisher em  parte, a arte prolifera em tempos de opressão, como tentativa de humanizar realidades brutais. Mas também discordo de Fisher, acho que mesmo que a vida humana atinja píncaros de paz no planeta e de felicidade pessoal, o homem sempre conterá uma nota dissonante dentro de si e precisará harmonizá-la com o entorno, recorrendo à expressão na arte.

Para mim, arte é eterna como o amor!

Fica claro aqui que eu e Watson precisamos nos conhecer melhor. Vou desafiá-lo quando nos encontrarmos. Se ele levar os 70% de brasileiros que nunca foram a museus à Pinacoteca, terei que aplaudi-lo, mas penso que ele está bem distante até mesmo dos molequinhos de 6, 7 anos, pra lá de inteligentes, que conseguem aprender vários idiomas para explicar o que existe de obra de arte dentro de uma igreja barroca, por exemplo, em alguma cidade mineira ou baiana. Em algum confim de Judas onde Watson talvez demore pra chegar.

Mais informação em IBM Watson

A autora escreve em português do Brasil

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