Ao longo do último quarto de século – desde meados dos anos 90 até hoje – a agência Lusa fez várias tentativas de se implantar no Brasil. Essas diligências ou a ausência delas e o seu maior ou menor empenho funcionam quase como que um barómetro das relações bilaterais.
Entre 1995 e 2003, acompanhando a (re)aproximação bilateral registada durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e António Guterres, quando Portugal decidiu dar início à globalização da sua economia pelo Brasil (COSTA:2009), a Lusa considerou oportuno abrir escritório em Brasília. Pensava-se na altura – disse-nos o jornalista Alfredo Prado, então à frente do processo na capital brasileira – ser possível tirar partido das vantagens relativas de que a Lusa dispunha: designadamente, a sua proclamada “vasta rede de correspondentes no mundo”, para produzir e vender conteúdos informativos de interesse para o Brasil, cuja agência nacional apresenta(va) perfil mais modesto.
Com empenho oficial, os preparativos avançaram e o início das atividades – 1º de agosto de 2000 – foi assinalado com apresentações públicas, incluindo na Bovespa, a Bolsa de Valores de São Paulo, capital económica do país, o que dá uma ideia da aposta forte da agência (e do poder político) feita então no mercado brasileiro. Dispondo de plano estratégico, algum investimento e pessoal conhecedor do terreno, a Lusa entrava aparentemente pela porta grande no Brasil. Foi inclusive criada uma empresa brasileira própria: Lusa-Brasil.
Os resultados imediatos não corresponderam, porém, às expectativas. Para além dos problemas internos (choque de concepções editoriais sobre as matérias a produzir e inexistência de uma rede efetiva de correspondentes – mais retórica do que real), a resposta do mercado também foi decepcionante. Nas palavras do jornalista e ex-presidente da Lusa, José Manuel Barroso, “os média brasileiros acolheram a agência portuguesa com muita simpatia e interesse pelo noticiário fornecido, mas isso não se traduziu depois em contratos firmados.” Numa palavra – a despesa do desk Brasília não era coberta pelas vendas – pelo que, uma nova direção decidiu pôr termo à experiência. A primeira fase da “aventura Brasil” deixava memória amarga na sede da empresa, em Lisboa, passando a partir daí a agência portuguesa a ter apenas um chefe de delegação em São Paulo e um correspondente em Brasília.
Feito o luto da primeira experiência, a partir de 2004, a Lusa tenta de novo ampliar a sua presença no Brasil, agora de forma mais cautelosa, começando por “equacionar o que poderia ser feito em termos realistas a um custo aceitável.” Esta segunda fase – que vai de 2004 a 2009 – diferencia-se da primeira pelo recurso, em regime de outsourcing, a uma empresa local de média, a Prima Página.
Na mesma altura, a Lusa celebrou um acordo com a Agência Brasil, governamental, que previa troca diária de informações, mas os entendimentos neste âmbito acabaram também por não se concretizar. Assim, foi o serviço autónomo da Prima Página – que escolhia e trabalhava ela própria, em termos adequados à psicologia e aos interesses reais do mercado brasileiro os materiais que divulgava (“tropicalização”) – a via que se mostrou mais eficaz. Pouco a pouco, as notícias da Lusa começaram a ser aceites pelos média locais e um ano depois era já visível a presença da agência portuguesa. Capitalizando esse relativo sucesso, entre 2008 e 2009 encetavam-se negociações com vista a assegurar presença permanente da Lusa no site do Valor Econômico – jornal de negócios mais importante do Brasil: um link remetendo para serviço de notícias de interesse empresarial e relações com o mundo lusófono e a China, aproveitando a presença da Lusa em Macau e Pequim.
Lusa arria bandeira no Brasil
Em finais de 2009, novo volte-face: os planos em curso para o Brasil são subitamente revistos e abandonados, decisão que se teria ficado a dever à crise financeira mundial de 2008, como nos disse o responsável máximo da Lusa na altura, jornalista Afonso Camões. Fica, entretanto, por explicar a forma abrupta como decorreu essa mudança, conforme pudemos constatar in loco: o site da Lusa-Brasil deixou subitamente de ser actualizado, ficando congelado no ar sem qualquer explicação e também não foram dadas satisfações aos parceiros brasileiros. Segundo fontes conhecedoras dos meandros da agência, além da crise financeira, poderá ter pesado na decisão de virar costas ao Brasil “o manifesto desconforto que se vivia na Lusa, em Lisboa, em relação a um serviço – Lusa-Brasil – sobre o qual não havia efetivo controlo.” Estes aspetos psicológicos que marcam, por vezes, o relacionamento bilateral são relevantes, na medida em que ditam ou influenciam comportamentos contrários ao aprofundamento das relações, em particular, no âmbito da comunicação. Do lado português – nesta como noutras questões – surgem com alguma frequência – de acordo com depoimentos que recolhemos – atitudes de um deslocado sentimento de superioridade, aparentemente ditado pela ideia de pertença ao chamado “primeiro mundo” (Europa) ou então com origem na consideração de que Portugal seria o único depositário legítimo da expressão vernácula da língua, pelo que não teria que “ceder” em termos da sua adaptação às formas de expressão locais. Daí, ao que parece, o “desconforto” de alguns responsáveis na sede da Lusa, em Lisboa, com a autonomia de que desfrutava a Prima Página no tratamento das matérias e também o caráter impositivo que alguns, à distância, assumiam na relação, “preferindo ditar a negociar”.
De qualquer forma, a verdade é que, a partir de janeiro de 2010 e até hoje, o relacionamento com o Brasil passou a ser feito apenas através do serviço tradicional de correspondentes – numa cobertura muito centrada nas visitas ao Brasil de entidades oficiais portuguesas, política local e matérias da comunidade. Do Brasil para Portugal e já não de Portugal para o Brasil, abandonado que foi o projeto de penetrar no maior mercado de língua portuguesa do mundo e fazer da Lusa a grande agência de informação lusófona mundial, ligando em termos de comunicação diversos continentes. Com essa viragem para dentro, a agência portuguesa arriou bandeira no Brasil, voltando ao que era no começo dos anos 90 e até antes. Na apreciação de José Manuel Barroso:
“regrediu-se várias décadas em termos de presença e de afirmação no Brasil. Em termos práticos, é toda a importância do Brasil, com os seus mais de 200 milhões de habitantes, principal país da Lusofonia, que não é reconhecida ou tida em conta nos planos da empresa, que parece hoje mais voltada para o mercado interno e para África.”
Estado pouco empenhado
O problema de fundo que parece estar na origem destas oscilações da Lusa é que são as próprias autoridades portuguesas que não atribuem ao Brasil importância primordial efectiva em termos de comunicação. Com efeito, quando se analisa o Contrato de Prestação de Serviço Público entre o Estado e a Lusa, constata-se que esta tem obrigação de criar e manter delegações em Angola, Moçambique, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Timor e Macau, mas, no que respeita à ao Brasil – colocado no mesmo pé da Venezuela em termos de cobertura da América Latina – apenas lhe cabe assegurar correspondentes. Desta forma, enquanto a importância estratégica que Portugal sempre atribui ao Brasil não se traduzir de forma concreta e em termos legais, na atribuição de mais meios e num acompanhamento sustentado, tudo ficará sempre dependente das ideossincrasias ou interesses específicos dos executivos do momento – imperativa para uns, de pouco interesse ou até desprezível para outros.
Ao contrário do que possa parecer à primeira vista devido à língua comum, o Brasil não é certamente um país fácil – requer persistência, meios apreciáveis, atenção sustentada, tratamento igualitário e despido de sentimentos de superioridade eurocêntrica ou de suposta hierarquia no uso da língua. De qualquer forma e diferentemente do que pensavam os vintistas mais radicais, para quem o Brasil já não compensava a despesa que dava, Vera Cruz ainda vale bem uma missa: por si própria, certamente, como uma das grandes economias mundiais; mas sobretudo pela atenção que Portugal deve a uma das maiores comunidades lusófonas do mundo e pela defesa da sua própria memória histórica. Enquanto não se passar da retórica e não houver um compromisso real do Estado português em termos mediáticos com o Brasil, designadamente através da sua agência de notícias, não se dissiparão nem atenuarão o estranhamento e a (in)comunicação que caracterizam, há já dois séculos, a relação mais profunda entre os dois países.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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