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Sexta-feira, Janeiro 24, 2025

As dificuldades que enfrenta o SNS

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

As tabelas de remunerações dos médicos acordadas entre “SIM” e o Ministério da Saúde para 2026 e 2027 de uma forma sigilosa (a ministra excluiu da negociação a FNAM, que é a maior associação sindical dos médicos), são propositadamente confusas para ocultar que o acordado reduz o poder de compra de muitos médicos, não compensa em nada o poder de compra perdido de 2011/2024, e agrava ainda mais a falta de médicos no SNS

Neste estudo analiso as tabelas de remunerações de 2026 e 2027 dos médicos acordadas pelo SIM e pela ministra Ana Paula Martins, de uma forma sigilosa (a ministra excluiu ilegalmente das negociações a Federação Nacional dos Médicos – FNAM- a maior associação sindical os médicos), e mostro que as tabelas acordadas determinam que uma parte dos médicos do SNS vão perder de novo poder de compra e, os restantes, o aumento é nulo ou irrisório. O acordado entre o SIM e Ministério não permite aos médicos recuperar qualquer parcela do poder de compra que perderam entre 2011 e 2024. Utilizando dados oficiais, mostro as dificuldades que enfrenta o SNS para funcionar e a população para aceder a cuidados de saúde, e incapacidade total já revelada já por Ana Paula Martins

Estudo

Os dirigentes do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e a ministra da Saúde, depois de excluir da negociação a Federação Nacional dos Médicos (FNAM), que é a associação sindical que representa a maioria dos médicos no nosso país, assinaram um acordo que fixa as remunerações base a pagar aos médicos do SNS em 2026 e 2027, já que as de 2024 e 2025 tinham sido fixadas, respetivamente, pelos Decreto-Lei 137/2023 (as de 2024) e 1/2025 (as de 2025). O Ministério da Saúde, para além de violar abertamente a lei, ao excluir a FNAM das negociações, não divulgou ainda a tabela que acordou com o SIM o que mostra bem a falta de transparência de todo este processo. No entanto, o SIM colocou no seu “site” as tabelas que diz que acordou com o Ministério da Saúde, mas com erros (com posições remuneratórias repetidas, posições da tabela eliminadas) que dificulta o conhecimento do que assinaram. Apesar dessas dificuldades criadas pelo SIM e pelo Ministério da Saúde, conseguimos construir as tabelas de remunerações dos médicos para o período 2024/2027 sendo a dos dois primeiros anos (2024 e 2025) as dos decretos-leis, e as de 2026 e 2027, os que devem ter sido acordadas pelo SIM e ministra Ana Paula Martins. Para análise selecionou-se a Tabela de 40 horas semanais, por ser a normal e aquela que abrange a maioria dos médicos(cerca de 74% dos médicos do SNS, sendo 40% especialistas). Na “dedicação plena” os horários são elásticos e sacrifica o direito ao descanso e a vida familiar do médico.

 

UMA TABELA DE REMUNERAÇÕES PARA OS MÉDICOS ACORDADA APENAS ENTRE O MINISTÉRIO DA SAÚDE E O SINDICATO INDEPENDENTE DOS MÉDICOS QUE VAI AGRAVAR AINDA MAIS A FALTA DE MÉDICOS NO SNS

No quadro estão as remunerações base dos médicos por categorias no período 2024/2027 (2026 e 27 são as do SIM).

Quadro 1 – Remunerações mensais base dos médicos acordadas entre o Ministério da Saúde e apenas com o SIM

Como revela a linguagem fria mas objetiva dos dados do quadro 1 (os valores são as remunerações constantes dos Decreto lei 137/2024 e 1/2025 e as que parecem ter sido acordadas de uma forma sigilosa pelo SIM e Ministério da Saúde, e digo parecem, porque ainda não foram publicadas em qualquer diploma legal), estima-se que o poder de compra das remunerações de sete posições remuneratórias da tabela diminuirá entre 2024 e 2027 (ver na 1ª coluna à direita a amarelo as percentagens a vermelho) e em relação às restante 8 posições remuneratórias o aumento do poder de compra em 4 anos é nulo ou irrisório (varia entre 0,0% e 1,8%). E uma conclusão semelhante se tira se consideramos apenas o período das tabelas acordadas entre o Ministério da Saúde e Sindicato Independente dos Médicos, que é “fim de 2025/2027” (última coluna à direita do quadro que está também a amarelo), pois a situação pouco se altera. Os médicos mais qualificados (assistentes graduados seniores) continuam a perder poder de compra (percentagens a vermelho da última coluna à direita do quadro que está a amarelo) e os restantes médicos o aumento de poder de compra ou é nulo ou irrisório ( entre 0% e 2,1%).

No cálculo da remuneração real utilizamos uma taxa de inflação de 2,4% para 2024, e de 3% para 2025, 2026, e 2027. E isto porque no último mês de dez.2024 registou-se uma aceleração da inflação homóloga para 3,1% segundo o INE. E é de prever que o preço da energia aumente de novo significativamente com a proibição da passagem do gás russo pela Ucrânia e com mais sanções aprovadas pela U.E. ao transporte de petróleo russo, sem se preocupar com o efeito ricochete sobre a economia e as com condições de vida dos europeus. A GALP e outros petrolíferas anunciaram imediatamente que na semana com início em 20/1/2025 iam fazer um aumento significativo do preço do gasóleo e da gasolina ( o maior desde 2022). E TRUMP já começou a exigir que a Europa compre mais gás e petróleo aos EUA que é muito mais caro, que os consumidores europeus têm de pagar. E CE, normalmente submissa, é natural que aceite.

Esta situação é grave porque revela que nem o Ministério da Saúde nem o SIM ainda não compreenderam que é principalmente a ausência de remunerações dignas e de uma carreira digna, associada à falta de investimento no SNS que cria condições de trabalho inaceitáveis, que estão a afastar os médicos do SNS, dificultando cada vez mais o acesso da população aos cuidados de saúde. É cada vez mais claro que Ana Paula Martins é incapaz de compreender isso, infelizmente tem com o apoio do SIM, um sindicato de médicos, e de resolver o problema da falta de médicos no SNS.

Em relação aos médicos internos, cujo número no SNS ronda os 11000, que estão a fazer formação para serem especialistas, mas que já garantem uma parte significativa do trabalho dos hospitais, e que o Ministério da Saúde recusa em integrá-los na carreira médica, atrasando assim a sua progressão, que auferem uma remuneração mensal bruta que varia entre 1752,84€ e 2349,16€, o Ministério da Saúde tenciona dar um aumento de “consolação” de apenas 100€-.

 

A TABELA ACORDADA ENTRE O “SIM” E A MINISTRA DA SAÚDE NÃO PERMITE QUALQUER RECUPERAÇÃO VERDADEIRA DA PERDA ELEVADA DO PODER DE COMPRA QUE OS MÉDICOS SOFRERAM ENTRE 2011/2024

Os dois quadros que a seguir se apresentam foram construídos com dados das remunerações base médias mensais e dos ganhos médios mensais dos trabalhadores das Administrações Publicas divulgados todos os trimestres pela DGAEP do Ministério das Finanças, portanto são dados oficiais. O quadro 2 mostra a redução do poder de compra, entre 2011 e 2024, da remuneração base media mensal ilíquida ou bruta , ou seja, a remuneração certa que o trabalhador aufere em cada mês (não é ainda a que leva para casa) e a perda de poder de compra do ganho médio mensal ilíquido ou bruto que inclui, para além da remuneração base tudo o que o trabalhador tem direito (remuneração base, subsídio de refeição, horas extraordinárias, complementos, etc..). O quadro 3 revela a quebra do poder de compra da remuneração base líquida (após os descontos para a CGA/ADSE/IRS), entre 2011/2024; que é superior ao registado na remuneração base ilíquida.

Quadro 2 – A perda de poder de compra da Remuneração média base mensal ilíquida (bruta, antes de quaisquer descontos) e do Ganho médio ilíquido (sem descontos e inclui tudo o que o médico recebe) entre 2011 e 2024


Como revelam os dados deste quadro 2, entre 2011 e 2024, o poder de compra da remuneração ilíquida ou bruta (antes dos descontos) dos médicos diminuiu em -11,8% (em toda administração Pública foi de -5,8%,ou seja, cerca de metade). Em relação ao Ganho à ilíquido ou bruto, entre 2011 e 2024, a redução do poder de compra do dos médicos foi de -7,1% , enquanto a media toda a Administração Pública foi de -2,7% (pouco mais de um terço da sofridas pelos médicos).

Quadro 3 – Perda de poder de compra da Remuneração média base mensal líquida (deduziu-se CGA/SS, ADSE, IRS) 2011/24


Como mostra o quadro 3, a perda de poder de compra da remuneração base mensal líquida (após dedução da CGA/ADSDE/IRS) dos médicos, entre 2011/2024, foi dupla da registada na ilíquida (ilíquida: -7,1%; líquida: -14,6%). E a esta perda elevada de poder de compra que sofreram os médicos do SNS entre 2011/2024, ainda tem-se de adicionar a perda de poder de compra ou o seu aumento nulo ou quase nulo que resulta do acordo sigiloso assinado entre o SIM e a ministra da Saúde, excluindo a associação sindical mais representativa dos médicos, que é a FNAM.

Os dados apresentados, e a análise que se fez ao acordo SIM/MS levam à conclusão que a tabela acordada entre o SIM e a ministra da Saúde no lugar de atrair mais médicos para o SNS, o que vai causar e promover é afastamento cada vez maior dos médicos do SNS, agravando as dificuldades deste e da população no acesso a cuidados de saúde.

 

A SITUAÇÃO DO SNS COM O GOVERNO DE MONTENEGRO E COM A MINISTRA ANA PAULA MARTINS

Para além das notícias quase diárias divulgadas por jornais e televisões de fechos de urgências e de serviços em muitos hospitais do país por falta de médicos e de tempos de espera nas urgências por doentes que chegam a atingir mais de uma dezena de horas para serem atendidos mesmo com doenças graves, os próprios dados divulgados pelo Ministério da Saúde no Portal de transparência do SNS confirmam a situação grave que enfrenta atualmente o SNS.

Quadro 4 – Indicadores físicos e financeiros da evolução da situação do SNS de dez.2023 a dez.2024


Durante o governo de Montenegro/Ana Paula Martins o número de utentes sem médico de família praticamente não diminuiu, o número de médicos pouco aumentou (quase 3000 médicos especialistas estão em part-time, ½ do horário), o saldo negativo das Contas do SNS, atingiu, em agosto.2024, o enorme valor -939,5 milhões €, o que mostra que o recurso a privados está a sair caro ao SNS, e a divida total a fornecedores aumentou, entre mar.2024 e ag.2024, de 1059 milhões € para 1653 milhões € (+56,1%). O agravamento da situação do SNS é claro. Só não vê quem não quer ver. Quem põe fim à destruição do SNS?


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