Imediatamente a seguir às eleições autárquicas publiquei aqui no Jornal Tornado uma reflexão crítica sobre o sistema eleitoral autárquico com um pequeno apontamento sobre as eleições no concelho do Seixal(i). Regresso hoje a ambos os assuntos, desta vez tentando chamar a atenção para as repercussões dos sucessivos processos eleitorais na governação da Área Metropolitana de Lisboa e para algumas peculiaridades da administração municipal do Seixal que parecem querer mimetizar as de outros municípios.
O Município de Lisboa
A candidatura de 2007 do então Ministro da Administração Interna António Costa à Câmara Municipal de Lisboa, depois da queda, por renúncia dos vereadores PSD(ii), da Câmara eleita inicialmente com Santana Lopes e a seguir liderada por Carmona Rodrigues (que ganhou as eleições de 2005), mostrou que ser presidente de uma câmara pode ser um destino político mais relevante que uma situação de nº 2 de um governo com maioria absoluta. Aliás, tanto quanto fui percebendo, muita da entourage de Costa passou por lugares dirigentes na estrutura da Câmara, acompanhou-o na conquista do poder a António José Seguro, e posteriormente nas instâncias governativas, e manterá ainda hoje a titularidade de lugares que apenas podem ser preenchidos em substituição.
Nos primeiros anos do seu mandato autárquico duas personalidades importantes da direita – José Miguel Júdice e Maria José Nogueira Pinto – mantiveram alguma proximidade com Costa e foi este que trouxe Manuel Salgado para a esfera da decisão urbanística onde se manteve, em diversas modalidades, durante todo o seu mandato e no do seu sucessor Fernando Medina, a ponto de por vezes se dizer que Salgado era o verdadeiro presidente da câmara.
Costa foi também um amigo do sector imobiliário que aproveitou o lançamento dos vistos gold que, sublinhe-se, foram importantes para reanimar a actividade económica no pós-troika, no quadro de uma visão estratégica que apostava no crescimento articulado do imobiliário e do turismo.(iii)
Isto num país em que na altura não se falava em reindustrialização… e suspeito que após as novas injecções de fundos europeus esta ficará esquecida.
Julgo que terá sido este crescimento do imobiliário e do turismo empurrou o governo e o Partido Socialista – Costa para a solução Montijo que agora se tenta enquadrar num estudo de impacto ambiental para comparação de alternativas, que deveria ser por sua vez enquadrado numa perspectiva mais ampla. Talvez a comparação devesse igualmente contemplar Beja nem que fosse para afastar espectros. Mas entretanto os eleitores da Lisbon South Bay concebida pelos autarcas do PCP convenceram-se de que com o aeroporto do Montijo e alguma proximidade ao partido hegemónico no Terreiro do Paço(iv) viria finalmente o desenvolvimento… Nas recentes eleições autárquicas o PS ganhou ou manteve quase todos.
Registei na governação de Costa em Lisboa vários momentos felizes e infelizes – o acordo financeiro que à conta da renúncia à futura reversão de terrenos do Aeroporto permitiu desendividar o Município(v), a descentralização da limpeza para as freguesias, a constituição do tribunal arbitral para regularizar as situações de recibos verdes, o acordo com o PSD para integrar o norte do Parque das Nações em Lisboa (contra as posições dos partidos de esquerda em Loures / Moscavide) e a redução do número de freguesias da capital (arrancando o sul do Parque das Nações aos seus correligionários da freguesia dos Olivais).
Sendo natural de Lisboa não deixo de ter mixed feelings em relação a alguns destes processos e de qualquer modo registo que não se inverteu a tendência de perda de população da capital (o próprio Costa teve de ser recuperado ao concelho de Sintra) que parece ter sido agravada com a acção de Medina e Salgado.
A Área Metropolitana
Tem havido vários formatos institucionais nas Áreas Metropolitanas, sendo de notar que com o acesso de António Costa à liderança da Câmara Municipal de Lisboa se veio a desencadear uma luta pela liderança entre o PS, a quem parecia importante que o presidente da Câmara de Lisboa detivesse a presidência da área metropolitana, e o PCP, que privilegiava o número de presidências de Câmara detido por cada força.
António Costa via o espaço entre Lisboa e Setúbal como uma única cidade…
Com o progressivo enfraquecimento do PCP em termos autárquicos, o sucessor Medina deixou de ter dificuldades na liderança formal da Área Metropolitana de Lisboa, muito embora seja duvidoso que tenha sido um caso de popularidade entre os socialistas dos concelhos da península de Setúbal.
Todavia não se pode negar a Medina capacidade de atender aos sinais(vi): a financeirização da habitação, a especulação desenfreada, e a expulsão dos habitantes eram um facto, como vinha denunciando Ricardo Robles, que já tinha ele próprio uma mão na massa, a criação de um mercado de arrendamento a preços acessíveis para a classe média, uma miragem sedutora, a redução do peso dos vistos gold uma jogada a lançar para cima da mesa.
Em resumo, Medina passou a mensagem de que pretendia corrigir o rumo, sem conseguir convencer de que era capaz de fazê-lo.
Entretanto as propostas do PCP para a redução do preço dos passes sociais vieram a ser consagradas no PART – Programa de Apoio à Redução Tarifária, e induziram, a montante, um projecto de criação de uma nova marca – a Carris Metropolitana – tendo no processo sido muito importante o dinamismo e espírito de cooperação do Primeiro Secretário da Junta Metropolitana, Carlos Humberto de Carvalho, O lançamento de novos concursos para que o serviço concessionado passasse a ser feito com melhores equipamentos e com horários mais favoráveis estará atrasado um ano mas irá revolucionar a mobilidade entre concelhos. Infelizmente parece agora haver um shopping de reduções tarifárias radicando nas campanhas eleitorais, com os concelhos de Cascais e de Lisboa a oferecerem condições de subsidiação mis favoráveis a alguns segmentos de clientes.
Já no fim do mandato anterior foram anunciados entendimentos entre concelhos no sentido de lançar investimentos que facilitassem a mobilidade entre Lisboa e outros concelhos, muito embora não fosse revertido o projecto de criação de uma linha circular no Metro de Lisboa.(vii)
A circunstância de Fernando Medina não ter obtido nas eleições autárquicas sequer a maioria relativa que lhe permitiria continuar como Presidente da CML levou-o a renunciar ao mandato de vereador e a fazer-se substituir na presidência da Junta Metropolitana de Lisboa por Carla Tavares, Presidente da Câmara Municipal da Amadora, mantendo-se em funções o Primeiro Secretário Carlos Humberto de Carvalho, a quem o eleitorado do Barreiro recusou por larguíssima maioria à Presidência da Câmara para a qual tinha sido sucessivamente reeleito no passado. Um período de colaboração frutuosa que se encerra e projectos estruturantes da Área Metropolitana de Lisboa que ficam um pouco órfãos.
Quanto à possível revisão da decisão da linha circular do Metro, sobre a qual existiam até recomendações da Assembleia da República, a Câmara de Lisboa e a Área Metropolitana não têm poder de decisão. O assunto ficou nas mãos do Ministro Disto Tudo, Matos Fernandes, que é um homem do Norte. Enfim…
Um caminho que podia ter sido seguido, ou talvez não
Num grupo do Facebook que costuma dedicar-se a assuntos políticos tentei explicar que os partidos de esquerda poderiam tentar concorrer à Câmara de Lisboa com base num programa conjunto desde que houvesse o cuidado de manter um compromisso de actuação futura em caso de insucesso, para evitar as vergonhosas deserções posteriores à derrota de 2001. Não fui muito criticado mas quando expliquei pouco depois que a fragilidade das candidaturas do Chega e da IL permitiria à direita recuperar o nível de votações anteriores quase ninguém me acreditou. E todavia o histórico de Lisboa permitia essa previsão, sobretudo em caso de coligação da direita tradicional.
Talvez todavia fosse inviável. Bem defendeu Medina a realização da Festa do Avante, mas vir-se-ia a saber que nas listas do PS no Seixal existia quem tivesse integrado o grupo de contestação à Festa.
O PCP depois de ter traçado um plano de reforço orgânico em torno do seu centenário, de se ter preparado com empenho para algumas batalhas autárquicas e de ter enfrentado dois anos de pandemia, pode queixar-se das circunstâncias desfavoráveis. Mas as circunstâncias também é preciso saber criá-las, e a ideia de que a abertura lhe faz perder influência tem-se, a meu ver, revelado nefasta e conduzindo a outros erros.
O Município do Seixal
Tenho ultimamente seguido as infelicidades da Área Metropolitana de Lisboa mais atento ao Município do Seixal que ao de Lisboa, mas curiosamente o famoso Boletim Municipal do Seixal fala do PART como de um “investimento” que vai custando cada vez mais ao Município e pouco dos aspectos políticos e organizativos.
Estou no Seixal, como é costume dizer por aqui quem intervém no espaço público, há 50 anos, através dos meus pais que compraram numa urbanização um lote onde, deixando os filhos a estudar em Lisboa mandaram construir uma casa. 20 anos depois regressaram a Lisboa deixando a moradia com a etiqueta de “residência de verão”. Nos últimos dez anos, em que, infelizmente já desaparecidos, passei a ser eu assegurar a presença, tenho habitado indistintamente em Lisboa e na freguesia da Amora, Seixal (no início com deslocação diária a Lisboa no comboio da ponte) e muito recentemente, no quadro da pandemia, fixei a minha residência efectiva nesta última localidade.
Não me queixo de que o Seixal seja atrasado, tem é “modernidades” que assustam:
É conhecida a “aquisição” de novas instalações para os serviços do Município do Seixal, que levou a problemas com o Tribunal de Contas tendo a situação sido recentemente ultrapassada com uma operação financeira. Só que quando quis esclarecer uns assuntos relativos à agora minha casa na Amora, o processo desta na Câmara tinha desaparecido na mudança de instalações… e até hoje não terá sido encontrado!
A campanha Seixal Limpo equivale à Lisboa Limpa e apoia-se até na identificação das caixas abandonadas pelos códigos de barras e coisas do género dando frequentemente origem a protestos. Por mim, separo o meu lixo dentro da cozinha recorrendo a uns sacos velhinhos que a EDP disponibilizou em tempos e que levei de Lisboa para Amora. Ora em Abril de 2018 recebo em Lisboa uma comunicação da Câmara do Seixal dando-me 10 – dias – 10 para responder às acusações de um auto de contra ordenação que me imputava ter – em Julho do ano anterior! – incumprido as regras de separação de lixos deixando 2 – documentos – 2, a saber um minúsculo cartão e um print de uma reserva de passagem aérea para Paris, não percebi bem se fora de contentor ou em contentor onde não deveria ser deixado. Coima entre o mínimo de…e o máximo de…
Julgo que nestas coisas a prática usual é ir a correr pagar a coima pelo mínimo, tipo estacionamento indevido, salvo quando se pode provar que se tem estacionamento válido, mas aqui como oferecer testemunhas de que quase um ano antes NÃO se tinha deitado à beira da estrada um cartão e uma folha A 4 (viii)? Contudo, resolvi apresentar defesa porque a) efectivamente recordava-me de na cozinha da minha casa da Amora ter depositado estas duas peças de papel no saco próprio, não tendo sido eu que as levou para o exterior b) no cartão a que o auto de contraordenação recorreu para estabelecer a morada – em Lisboa – do suposto prevaricador figurava um número de telefone fixo da Amora, que a burocracia da contraordenação impediu fosse utilizado para esclarecer a situação c) o auto, assinado por dois funcionários da Divisão de Fiscalização Municipal, um como autuante outro como testemunha, dava os dois bocados de papel como abandonados na freguesia de Fernão Ferro, a que onde raramente me desloco e em local onde nunca tinha estado(ix) d) os mesmos autuante e testemunha fotografaram os objectos em questão, e no mesmo auto inseriram uma foto de um repolhudo monte de lixo da freguesia de Corroios e disseram ser da localização dos objectos encontrados.
Sem prejuízo de apresentar defesa, escrevi ao presidente da Câmara Joaquim Santos, que não me conhece de lado nenhum, a sugerir que revogasse o despacho que determinara a instauração de auto de contraordenação, com o fundamento de este ser inviável, vista a contradição das provas apresentadas (não falei em falsificação de provas embora fosse disso que se tratava). Não me respondeu , daí a dias soube que a instrutora ia ouvir as testemunhas que indiquei…e nunca mais ouvi falar do processo.
Depois disto, não pude deixar de me rir ao ler as palavras de Joaquim Santos no mais recente Boletim Municipal:
“Quanto à prestação do serviço público à população queremos continuar a melhorar, sempre. Uma prova do empenho na melhoria constante foi a implementação do Sistema de Gestão da Qualidade na autarquia, com novas metodologias adotadas em todos os serviços de acordo com a norma ISO 9001: 2015. Depois de uma avaliação por uma entidade certificadora externa, em dezembro do ano passado, todos os serviços da Câmara Municipal do Seixal conquistaram a certificação da qualidade.”
Talvez a certificação da qualidade tenha chegado à Câmara Municipal do Seixal. O Estado de Direito ainda não. E não me parece que os que querem acabar com 47 anos de “comunismo” estejam em condições de fazer melhor.
Quanto à Área Metropolitana, está mal e recomenda-se.
Notas
(i) Autárquicas. Eleger órgãos ou presidentes ? Publicado em 29 de Setembro de 2021.
(ii) Consequência da orientação de Luís Marques Mendes de não apoiar a continuidade de autarcas que fossem constituídos arguidos. Recorde-se que anos depois seriam todos absolvidos.
(iii) Vistos Gold, Economia e Imobiliário. Publicado em 4 de Julho de 2018.
(iv) Os resultados autárquicos aparentemente favoráveis do PCP em 2013 foram, já era possível perceber, sobretudo consequência do nível de abstenção.
(v) Com base num processo judicial ainda iniciado por Jorge Sampaio.
(vi) Para além do acordo pós eleitoral para a Câmara com o BE estabeleceu acordos à direita a nível de algumas freguesias.
(vii) Entretanto a carreira 708 da Carris foi levada até Sacavém.
(viii) Em abstracto, a reduzida expressão da alegada infracção nem deveria ter dado lugar à aplicação de coima.
(ix) Usei o GPS para fazer-lhe uma visita….