É estudante saharaui, estuda inglês numa universidade marroquina como tantos outros estudantes saharauis dos territórios ocupados que não têm outra opção que seja estudar nas universidades localizadas em Marrocos, longe das suas famílias e casas e à mercê da descriminação dos professores do regime de ocupação.
A família de Leila como tantas outras tem presos políticos, desaparecidos e mortos, saharauis cujo único crime é reivindicar o seu direito ancestral à sua terra, à sua pátria.
Conheci esta jovem há três anos quando pela primeira vez foi tradutora durante o julgamento de um preso político saharaui. Lembro-me como estava assustada mas resoluta e com um ânimo inquebrantável e como apesar de todas as dificuldades conseguiu superar os seus receios e realizar a sua tarefa.
Activista saharaui, luta e resiste de forma não violenta. Quer o seu país livre do ocupante ilegal e não tem dúvida alguma que a vitória será do povo saharaui.
Encontrei-a de novo em várias ocasiões e sempre com a mesma determinação, uma determinação que não esmorece apesar da repressão feroz do ocupante.
Leila vive numa família de mulheres o pai faleceu a mãe não casou de novo e só tem uma irmã. As dificuldades são muitas mas a mãe incentiva as suas filhas assim como o resto da família.
As jovens saharauis são incentivadas pelas suas famílias a estudar e em nenhum momento são vistas como um peso ou um membro menos válido da sociedade saharaui. Ao contrário, estas flores do deserto nas suas melfas (traje tradicional) coloridas e sorrisos meigos são guerreiras, mulheres fortes que têm a capacidade de decidir e lutar, organizar e liderar, muitas delas são símbolos de resistência dentro e fora dos territórios ocupados.
A questão da autodeterminação é incontornável diz-me Leila, é a única solução e a solução justa para o nosso povo, nunca iremos deixar de lutar pela nossa pátria.
Contei-lhe que havia uma estudante portuguesa que vai escrever uma tese que defende que os saharauis estavam mais radicalizados, que as mulheres saharauis hoje em dia estavam menos independentes, não eram incentivadas a estudar e a sair de casa para conseguir alcançar os seus diplomas, e representar o seu país.
Olha em redor da sala cheia de mulheres saharauis onde nos encontramos e ri-se, uma gargalhada de incredibilidade e espanto. Ela é um dos exemplos vivos que tudo isso são mentiras, diz-me: olha para nós aqui e vê nos campos de refugiados, as minhas amigas estudam, lideram, organizam, … quem diz essas coisas não nos conhece e a única coisa que faz é espalhar mentiras.
Falamos do mundo, das guerras e dos atentados, Leila como todos os saharauis está triste com a manipulação da sua religião, o islão não é nada disto, nós queremos paz e condenamos estes atentados. Algo que me é repetido por todos os estudantes saharauis com quem falei.
Uma das jovens saharauis na sala, uma jornalista, está doente, os seus companheiros de trabalho tentam animá-la e um vai fazer-lhe um remédio caseiro. Esta solidariedade, respeito e carinho que se vive entre os saharauis é algo único. O respeito dos homens saharauis pelas mulheres, não por imposição ou normas, mas sim por cultura e tradição é merecedor de ser referido vezes sem conta.
Sabes que, quando uma de nós é atacada pelas autoridades de ocupação, é a mesma coisa que atacarem 100 homens. É um crime idêntico. Agredir ou insultar uma mulher é impensável para a nossa sociedade. Um homem que maltrata uma mulher é ostracizado por todos informa Leila.
Voltamos a falar da dificuldade de estudar enquanto saharaui nos territórios ocupados. Muitas profissões são interditas aos saharauis como por exemplo medicina, engenharia, física. O facto de terem que estudar em Marrocos implica um gasto enorme para a família o que reduz de imediato as possibilidades de acesso.
Leila não vive no campus universitário porque não é seguro, não podemos confiar nos estudantes marroquinos e há muita policia e sempre que há protestos invadem as nossas casas, diz.
Pergunto-lhe pelos 14 estudantes saharauis que aguardam há mais de um ano julgamento na prisão de Marraquexe. “Foram detidos após as manifestações, tiveram pouca sorte, é a nossa vida … Ninguém fala em nós, porque é que não somos notícia!?!?!”
No dia anterior a jovem foi visitar os presos de Gdeim Izik na prisão de El Arjat e disse-me com um brilho nos olhos: “Como posso queixar-me faço tão pouco!! Eles estavam animados e com sorrisos, que valentes!! Transmitem-me muita força e são o exemplo da nossa luta. São inocentes com penas de 20 anos a perpétua, mas sorriem!!!”
Olho para esta jovem, que a qualquer minuto pode ser detida e torturada, uma jovem que esteve em frente ao tribunal de Sale um dia inteiro na manifestação de apoio aos presos de Gdeim Izik com tantas outras jovens e familiares e amigos, e vejo a força, a incrível força, que tem quem tem a razão, quem defende a justiça quem quer a paz.
Artigo publicado originalmente em porunsaharalibre.org