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Sábado, Dezembro 21, 2024

As greves “de Direita”

Nuno Ivo Gonçalves
Nuno Ivo Gonçalves
Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

Como se adivinhava já aquando da publicação do artigo “Novos tipos de greves, novos tipos de grevistas os movimentos que se desenvolviam acabaram por ser objecto de conotações políticas, do tipo “as greves (ou os grevistas) são de DIREITA”.

Como se adivinhava já aquando da publicação do artigo “Novos tipos de greves, novos tipos de grevistas” os movimentos que se desenvolviam acabaram ser objecto de conotações políticas, do tipo “as greves (ou os grevistas) são de DIREITA”, uma vez que:

  • foram vistos como provocações que propiciariam a revisão da Lei, como a Direita habitualmente reivindica;
  • pareciam ter como característica comum serem convocados como sindicatos independentes, formados à margem de, ou até contra, as centrais sindicais;
  • resultavam de processos reivindicativos que seriam, dizia-se, protagonizados por militantes / simpatizantes de partidos de direita ou apoiadas por estes, e que poriam em causa, pelo menos entre os trabalhadores manuais, o papel tradicional do PCP, que estaria a conter as reivindicações por motivo do seu apoio ao Governo.

No essencial, não subscrevo este tipo de abordagem, e chamo a atenção para que o traço distintivo comum a estes movimentos grevistas é sim terem na quase totalidade dos casos, base profissional, mobilizando classes ou até categorias profissionais, e não actividades ou sectores, e terem os sindicatos criados igualmente âmbito profissional. Mas importa discutir a narrativa que a comunicação social e alguns opinadores vêm popularizando.

É possível que as novas formas de fazer greve, mais imaginativas ou que se propõem um maior impacto com o mínimo de encargos (descontos nos salários) ou ainda que têm um impacto garantido na economia em geral, muito para além do que têm na entidade empregadora, tendam a suscitar adesões por parte daqueles que, sendo trabalhadores por conta de outrem, e integrando, em termos politicos, o “Partido da Ordem”, não costumam aderir, por razões de ordem cultural, a formas de acção colectiva.

Temos visto, a propósito, alguma opinião pública de esquerda a verberar as reivindicações excessivas ou os danos não controlados e alguma opinião pública de direita a criticar o Governo pela facilidade com que tira da cartola pareceres do que já designei por célula antigreve da Procuradoria Geral da República, solicitados para cada caso concreto, parecendo feitos por medida e sem suporte na leitura da lei que as pessoas comuns fazem. Há no entanto também, à esquerda, quem tenha feito anos a fio as greves tradicionais, vistas como improdutivas, e exija greves ao menos eficazes.

Vem entretanto passando para a opinião pública um discurso insidioso sobre a “hierarquia de direitos” que certamente tem suporte “A especificação destes direitos, e garantias não exclui quaisquer outros constantes da Constituição ou das leis, entendendo-se que os cidadãos deverão sempre fazer uso deles sem ofensa dos direitos de terceiros, nem lesão dos interesses da sociedade, ou dos princípios da moral” no texto constitucional… de 1933 e que ajudará a interiorizar a repressão das greves.

A desinformação, para não dizer histeria, a propósito dos sindicatos independentes, precisa de ser contrariada com… informação. A UGT arrancou com um processo de criação de sindicatos verticais mas abrange hoje também sindicatos profissionais, quer sindicatos históricos que mudaram de mãos, quer sindicatos recém constituídos, inclusive dois dos que foram visados pelos pareceres do Conselho Consultivo da PGR, um na área dos registos, outro um dos sindicatos da enfermagem envolvidos na “greve cirúrgica”. Longe de corresponder a um conjunto coerente, a UGT inclui sindicatos cujo âmbito os coloca em concorrência entre si. A CGTP tem acomodado ou forçado uma aglutinação dos seus sindicatos originais, que tem dado dimensão nacional a alguns que vinham do corporativismo com o âmbito distrital, e incentivou mesmo a fusão de sindicatos de sectores diferentes ou a sua aglutinação em federações, para além de ter completado a sua cobertura em termos sectoriais através do alargamento de âmbito ou do acolhimento de sindicatos “paralelos” a sindicatos históricos que ficaram do lado da UGT (bancários, professores). Tanto a CGTP como agora a UGT têm Uniões de base regional, o que aproxima os seus modelos organizativos. Para tornar tudo ainda mais complexo o Código do Trabalho já permite às confederações e federações inscreverem directamente indivíduos não filiados em nenhum sindicato.

Sindicatos independentes há que não se filiam em confederações ou federações para manterem a sua coesão e a sua representatividade profissional, como o dos juízes, o dos magistrados do Ministério Público, o dos jornalistas (que se desfiliou) e o dos docentes do ensino superior e investigadores (SNESup, criado há trinta anos). Existe também uma União de Sindicatos Independentes, animada historicamente pelo Sindicato dos Quadros Técnicos Bancários, que se tem comportado como um espaço de direita hostil à CGTP e à UGT. Mas há ainda outros sindicatos independentes que nascem de processos de luta recentes, como o dos call-centers, ou para realizar processos de luta, como alguns dos sindicatos de enfermeiros e de motoristas , ou que se tornam independentes para os realizar, como o do pessoal de voo da aviação civil, que julgo esteve inicialmente na área da CGTP, depois se integrou na UGT e agora é independente. O movimento sindical não se organiza a régua e esquadro, mas de modo geral os novos sindicatos, incluindo os sindicatos Pardal Henriques, cuja criação ofende o princípio da auto-organização do movimento sindical, terão de provar que têm razão de existir.

Parece-me entretanto sem bases a leitura de que a formação de novos sindicatos estaria a ocorrer porque o PCP travaria reivindicações, e excluiria a realização de greves por razões de ordem política, ou numa perspectiva de Pacto Social. Aparecem na comunicação social alguns sindicalistas engravatados e pululam nos on lines opinadores que desenvolvem este tipo de afirmação, nalguns casos invocando com ar sorridente as opiniões de Raquel Varela ( cujas leituras do período pós 25 de Abril não partilho, mas isso será um tema a desenvolver noutra ocasião) de quem considero meritório o esforço de acompanhamento dosindicalismo do SEAL, mas que no aconselhamento a outras lutas parece adoptar um esquema de análise pouco realista. Possivelmente o lançamento do STASA – Sindicato dos Trabalhadores do Sector Automóvel, que começou por ser “da Autoeuropa e do sector automóvel”, virá daqui mas curiosamente o SITE-Sul da CGTP era até, algum tempo atrás, acusado de excesso de vontade reivindicativa. Certamente haverá vantagem em autonomizar um CCT para o sector automóvel, mas as empresas é que não estarão interessadas e a criação de um novo sindicato poderá não ter sido a melhor solução.

Talvez o PCP esteja simplesmente, tal como no domínio autárquico, em perda de ligação com as realidades, e limitado por vícios de trabalho crónicos, inclusive a falta de capacidade de relacionamento com trabalhadores que não partilham as suas perspectivas.

O movimento dos enfermeiros que veio a ser apresentado como “greve de direita” foi em grande parte preparado por uma reflexão sobre carreiras no quadro da Ordem, tendo tanto grupos parlamentares como sindicatos aceite o princípio da valorização profissional dos especialistas – reconhecidos pela própria OE – e teve inicialmente uma impressionante expressão pública num conjunto de concentrações e manifestações que se percebeu o adormecido Sindicato dos Enfermeiros da UGT e a sua Federação não tinham capacidade para apoiar, quanto mais dirigir. Surgiram entretanto dois novos sindicatos em que figuravam dirigentes que tinham disputado contra a actual titular do cargo a última eleição para bastonária o que lança algumas dúvidas sobre a imputação de exercício de funções sindicais àquela associação pública.

Terá sido a “greve cirúrgica” às cirurgias, trocadilho de gosto duvidoso, a adesão aparentemente muito forte a esta, o crowdfunding de apoio à greve, alegadamente decisivo na adesão, e o impacto nas unidades do SNS visadas, numa palavra o sucesso da greve, que motivou a enérgica reacção não só do governo mas também de grande parte da opinião de esquerda. Esta reacção todavia foi alimentada por uma calúnia – o suposto financiamento da greve pelos hospitais privados – e pela imputação de motivações políticas à greve, uma vez que a “bastoneta” usava o suspeito apelido “Cavaco” e era filiada no PSD, o que se confirma, e objecto de outras suspeitas, das quais só se confirmará o excesso de quilometragem.

Quanto ao financiamento da greve, parece ser um pecado para Jerónimo de Sousa e para o PCP, que aparentemente acham que as greves são uma ocasião para “enrijar” os participantes, mas a experiência dos sindicatos que têm e usam fundos de greve mostra, em outros países e em Portugal, que a existência de fundos de greve pode ser importante para suportar lutas localizadas mas prolongadas, ou lutas generalizadas mas de curta duração, embora seja financeiramente inviável para lutas simultaneamente generalizadas e prolongadas. No plano legal colocam-se é certo questões difíceis de responder mas a invocada ilegalidade de uma entidade reunir e pagar fundos relativos a uma greve que não decretou leva a perguntar se neste domínio é legal apenas o que a lei expressamente prevê, ou se apenas é ilegal o que a lei expressamente veda.

Entretanto emergiram, um pouco à margem dos principais debates, e certamente da clivagem esquerda-direita, questões de prestígio relativo de médicos, enfermeiros e técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica. Que na discussão da valorização das carreiras saibamos de futuro cingir-nos ao triplo critério qualificação-exigência-responsabilidade para não ressuscitarmos cizânias improdutivas e intermináveis.

Na “frente dos professores” depois de uma greve aos conselhos de turma suportada nalguns casos por recolhas de fundos, em que o novo sindicato STOP terá estado activo mas foi também desenvolvida pelos sindicatos tradicionais, de uma “greve às horas extraordinárias para todo o ano lectivo”, logo denunciada como greve “self-service”, e de desprezada pelos sindicatos uma iniciativa legislativa de cidadãos com 20 mil assinaturas, foi conduzido em conjunto pelos sindicatos da CGTP e da UGT um processo de diálogo com os grupos parlamentares que se esvaziou como um balão logo que António Costa lhe espetou o proverbial alfinete. Também aqui não houve clivagem esquerda – direita.

É claro que todas as outras formas de luta foram de imediato canceladas.

Sobre a greve dos motoristas existem aspectos a que a narrativa da comunicação social não tem dado atenção. Por um lado, que a FECTRANS não é “o sindicato da CGTP”, é uma federação de sindicatos verticais que resulta de um processo de aglutinação que reuniu muito mais sectores que os dos transportes urbanos e rodoviários, de passageiros e de mercadorias, integrados na antiga FESTRU, sendo de registar que neste momento no sector e na direcção da federação coexistem um STRUP com Norte, Centro e Sul, e um STRUN, que pelos vistos não aceitou dissolver-se, emitiu um pré-aviso de greve (que o famoso Dr. André Matias de Almeida, da ANTRAM considerou ilegal), coincidente nos primeiros dias com o dos dois sindicatos de motoristas, não foi à reunião sobre serviços mínimos, mas falou à comunicação social. Por outro, o Sindicato Independente de Motoristas de Mercadorias, que a comunicação social diz ser o mais pequeno, existe desde 2015 e foi lançado para ser dirigido por “motoristas no activo” não se sabendo se tirou ou não sócios a alguém, tendo sido talvez por exigência sua que no plenário conjunto com o SNMMP só puderam votar motoristas com carta de pesados, o que excluiu o Dr. Pardal Henriques. Se foi, o meu aplauso.

Depois da celebração dos 3 CCTs idênticos em perspectiva, talvez venhamos a saber a quantos motoristas se aplica cada um deles. E nessa altura não terá muita importância quem é de esquerda ou quem é de direita.

 

Em 18-11-2018,  Novos tipos de greve, novos tipos de grevistas?

Vide a propósito “Rever o regime legal de .greve”, de Vital Moreira, DN de 17-8-2019

O Conselho Consultivo da PGR  vem declarando ilícitas as “greves articuladas” e as “greves rotativas”, e, mais recentemente, o que designa por “greves self-service.”

Expendidas designadamente na tese de doutoramento defendida no ISCTE, na publicação desta na Bertrand e no contributo “Greves na Revolução dos Cravos (1974-1975)” para  Greves e Conflitos Sociais em Portugal no Século XX, publicado em 2012 pelas Edições Colibri.

Respectivamente Lúcia Leite, agora Presidente da ASPE, e Ulisses Rolim, agora Vice-Presidente do “Sindicato Democrático”.

A revisão constitucional de 1982, que veio clarificar neste aspecto o regime das associações públicas, socorrendo um Luis Barbosa a contas com a Ordem dos Médicos, excluiu as associações públicas da celebração de convenções colectivas e da marcação de greves.

Sobre Fundos de Greve

Como a da devolução do dinheiro obtido por crowdfunding quando a finalidade para o qual foi recolhido já perdeu actualidade, por exemplo porque a “greve cirúrgica” foi desconvocada ou porque a “Bébé Matilde” beneficiou do SNS.

Possivelmente uma resistência com raízes semelhantes à do Sindicato dos Bancários do Norte, esta no quadro da UGT, à fusão com  outros sindicatos.


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