Como era previsível, o novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, colocou como eixo central do seu discurso de posse, nesta quarta-feira (20), a unidade do país, após assumir o cargo de 46º presidente dos Estados Unidos, em meio a um clima de tensão sem precedentes.
Biden, prometeu ser o presidente de todos os estadunidenses, os que votaram e os que não votaram nele e defendeu a “democracia” americana, “a voz do povo foi ouvida, a democracia prevaleceu”, declarou.
Esquecendo-se, convenientemente, dos 5 mortos na invasão do Capitólio e do inédito e gigantesco aparato de segurança que garantiu sua posse, Biden tentou passar uma impressão de completa normalidade institucional: “a transferência pacífica do poder foi feita, como há muitos anos”.
“Este é o dia da América, de democracia, um dia de história e esperança, de renovação e determinação“, acrescentou.
Joe Biden, cercado por sua família, prestou juramento perante o juiz-chefe da Suprema Corte, John Roberts, às 11h49m, horário local, do lado oeste exterior do Capitólio.
Kamala Harris foi empossada como vice-presidente perante a juíza do tribunal superior Sonia Sotomayor.
O presidente cessante, Donald Trump, não compareceu ao evento, tornando-se o primeiro presidente do país a não testemunhar a posse de seu sucessor desde Andrew Johnson em 1869.
O ex-presidente saiu da Casa Branca em um helicóptero com destino a sua residência particular na Flórida e deixou um recado enigmático em um último discurso aos apoiadores: “voltaremos em breve”.
Alguns interpretam isso como uma verdadeira ameaça de alguém que perdeu a eleição, mas tem pouco ou nenhum prurido democrático e sai embalado por mais de 74 milhões de votos, a segunda maior votação para um candidato à presidência na história. Pesquisas revelam que destes 74 milhões, 52% acreditam que a eleição de Biden foi fruto de fraude.
Porém, fora do poder, isolado até por boa parte do establishment que até então o apoiava, ameaçado política, jurídica e financeiramente por todos os lados, tal promessa de Trump parece soar como o rugido de um tigre desdentado que, no entanto, ainda crê que tem o poder de assustar.
Já Joe Biden, em seus primeiros atos, deve assinar ordens revogando iniciativas de Trump como a saída da OMS, a construção do muro com o México e ainda fazendo os EUA retornar ao Acordo de Paris para o Clima.
Biden conta, neste primeiro momento, com um apoio praticamente monolítico da mídia hegemônica estadunidense, mas a base que o ajudou a derrotar Trump e tem muitas reservas em relação ao novo presidente deve ser um fator de pressão.
Nesta mesma quarta-feira da posse, o senador Bernie Sanders publicou um artigo no jornal The Guardian onde relata os principais desafios do governo que se inicia (vale a pena a citação longa):
“Um recorde de 4.000 americanos agora morre todos os dias de Covid-19, enquanto o governo federal se atrapalha na produção e distribuição de vacinas, testes e rastreamento. No meio da pior pandemia dos últimos 100 anos, mais de 90 milhões de americanos não têm seguro saúde ou têm um seguro insuficiente e não podem pagar um médico quando adoecem. O isolamento e a ansiedade causados pela pandemia resultaram em um grande aumento das doenças mentais.”
“Mais da metade dos trabalhadores americanos vivem com salário insuficiente, incluindo milhões de trabalhadores essenciais que colocam suas vidas em risco todos os dias. Mais de 24 milhões de americanos estão desempregados, subempregados ou desistiram de procurar trabalho, enquanto a fome neste país está no nível mais alto em décadas.”
“Por causa da falta de renda, até 40 milhões de americanos enfrentam a ameaça de despejo, e muitos devem milhares de dólares em aluguéis atrasados. Isso se soma aos 500.000 que já estão sem teto.”
“Enquanto isso, as pessoas mais ricas deste país estão se tornando muito mais ricas, e a desigualdade de renda e riqueza está aumentando. Incrivelmente, durante a pandemia, 650 bilionários na América aumentaram sua riqueza em mais de US $ 1 trilhão.”
“Como resultado da pandemia, a educação neste país, desde a creche até a pós-graduação, está um caos. A maioria dos jovens neste país viu sua educação ser interrompida e é provável que centenas de faculdades em breve deixem de existir.”
Sanders diz que esta situação dramática exigirá de Joe Biden “ações sem precedentes (…) não mais o mesmo de sempre”.
Atado pelos fortes compromissos que fazem alguém, em um sistema eleitoral como o dos EUA, chegar à Casa Branca, Biden terá um governo triplamente pressionado: por quem o financiou e sustenta seu discurso na mídia, pela massa que o elegeu e que cobrará, como diz Sanders, que seu governo não faça “o mesmo de sempre” e pela extrema-direita que continua mobilizada. Um cenário onde o surgimento de grandes turbulências internas é mais do que uma mera possibilidade.
por Wevergton Brito, Jornalista, vice-presidente nacional do Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade ao Povos e Luta pela Paz) | Texto em português do Brasil
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