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Sábado, Dezembro 21, 2024

As respostas dos BRICS

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

Esta notícia da Bloomberg (de Abril último), que faz eco do quase abandono do dólar norte-americano no comércio bilateral entre a Rússia e a China, é mais um claro sinal do compromisso daqueles dois países em reduzir a sua dependência do sistema económico liderado pelos EUA. E se a atenção da imprensa ocidental sobre a cimeira entre Xi Jinping e Putin, que teve lugar em meados no passado mês de Maio, se centrou na cooperação militar e política, nem por isso as questões financeiras e comerciais deixaram de figurar no topo da agenda.

Conjugando o facto de ambos serem membros proeminentes dos BRICS (a China é a maior economia e a Rússia é o país que actualmente assegura a presidência da organização intergovernamental fundada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e que recentemente se expandiu, passando agora a incluir o Irão, o Egipto, a Etiópia e os Emirados Árabes Unidos) sob alguma forma de litígio com os EUA, esta mudança de paradigma comercial enquadrar-se-á numa agenda mais vasta, relacionada com a organização financeira mundial e que inclui o reforço do papel dos países membros do BRICS no sistema monetário e financeiro internacional e o desenvolvimento da cooperação interbancária e do uso das suas moedas nacionais nas liquidações das trocas bilaterais.

Ainda dentro do quadro da guerra comercial dos EUA com a China, e das sanções dos EUA à China e à Rússia, existe outro ponto fundamental e bem conhecido da agenda dos BRICS que é o da discussão sobre a criação de uma potencial moeda comum como parte de uma estratégia de desdolarização (a substituição do dólar como moeda central) das transacções financeiras internacionais. A par desta via para contrariar a política de sanções económicas seguida pelo Ocidente, a Rússia está também a reagir com o desenvolvimento de novas rotas comerciais na Ásia, criando uma ligação ao Quirguizistão, pelo Mar Cáspio, outra que se estenderia da Bielorrússia ao Paquistão e ainda mediante o chamado Corredor Norte-Sul, uma ligação ferroviária ao Oceano Índico através do Irão, que lhe proporcionará livre acesso aos mercados asiáticos.

A generalização das políticas de sanções ocidentais não será igualmente estranha à crescente aproximação entre russos e iranianos, bem expressa no reforço das suas capacidades de comércio bilateral ou na ligação dos seus sistemas bancários, uma vez que ambos enfrentam sanções que limitam a sua capacidade de transaccionar com o Ocidente, ou ao enaltecimento do comércio bilateral entre russos e chineses, que registou um crescimento superior a 26% durante o ano de 2023 e depois de no ano anterior terem crescido quase 30%, com 92% das trocas comerciais entre a Rússia e a China a serem realizadas nas respectivas moedas nacionais, evitando as divisas norte-americana e europeia.

A realidade é que as sanções ocidentais não estão a afectar drasticamente a economia russa e a reacção dos BRICS estará a ultrapassar as previsões. Embora o principal pretexto da política de sanções continue a ser o da guerra na Ucrânia, a solidificação das relações comerciais entre os seus membros estará já a pesar nas pressões ocidentais sobre a banca chinesa, pelo que nem será de estranhar a notícia que a China vendeu recentemente várias dezenas de milhares de milhões de dólares em dívida norte-americana, depois de no último trimestre do ano passado ter realizado a maior venda de títulos norte-americanos dos últimos quatro anos.

Facto, é que enquanto a desdolarização progride, os países do BRICS continuam os esforços para estabelecer uma nova moeda de reserva apoiada por um cabaz das suas moedas nacionais. E se, idealmente, uma moeda dos BRICS permitiria a estes países afirmar a sua independência económica enquanto competiam com o sistema financeiro internacional existente, a dura realidade ainda é a de que o sistema financeiro mundial continua dominado por um dólar norte-americano, que representa cerca de 90% de todas as transações cambiais e que até muito recentemente quase 100% do comércio de petróleo era realizado em dólares, pois só em 2023 é que 20% desse comércio começou a ser liquidado em moedas diferentes da norte-americana.

Apesar da incerteza relativamente ao impacto potencial de uma nova moeda dos BRICS sobre o dólar norte-americano, parece inegável que exercerá sempre algum efeito de degradação da actual moeda global, de enfraquecimento do poder das sanções e de aceleração da desdolarização, tema que será seguramente abordado na próxima cimeira dos BRICS agendada para Outubro deste ano.

Embora a ameaça da desdolarização e de uma moeda digital dos BRICS não pareça iminente, não é possível duvidar do compromisso da China e da Rússia, os inegáveis motores dos BRICS e do processo de contestação da hegemonia Ocidental, com a criação de uma alternativa à arquitectura financeira existente sustentada, como é, pelo dólar norte-americano.

Este é, actualmente, um tema central, mas não o único entre as preocupações dos BRICS, como o atesta a criação em 2015 do seu próprio banco de desenvolvimento. O chamado NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), também conhecido como o Banco dos BRICS, foi a resposta ao permanente bloqueio ocidental a uma redistribuição mais equitativa da orientação e da direcção de instituições financeiras internacionais como o FMI e o Banco Mundial, tem como principal objectivo o investimento em obras de infraestrutura nos países emergentes e a ele já se associaram outros países, como o Bangladesh, o Egipto, os Emirados Árabes Unidos e o Uruguai.

Que não fiquem dúvidas que uma bem-sucedida criação de um sistema concorrente poderá revelar-se particularmente atraente para os países do Sul Global e poderá levar os decisores políticos dos EUA a uma maior contenção (se não mesmo ao recuo) relativamente à utilização de sanções como arma de política externa, especialmente tendo em conta o atual ambiente interno de pressão inflacionista e a crescente dívida nacional.

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