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Quarta-feira, Julho 17, 2024

As sanções económicas e a sua utilização

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

O reacender do conflito na Ucrânia e a entrada de tropas russas naquele país da Europa Oriental levou à rápida confirmação da intenção, previamente preparada pelos EUA e pela UE, de imposição de sanções económicas ao governo russo liderado por Vladimir Putin, com destaque para o anúncio pelo presidente norte-americano do agravamento de sanções e do reforço do dispositivo da NATO na Europa.

Em economias muito abertas e muito dependentes das importações de energia, como é o caso das ocidentais, limitações às exportações de combustíveis russos (petróleo e gás natural) podem traduzir-se em escassez de energia, principalmente na europa central e em pleno Inverno, numa subida generalizada dos preços e num claro prejuízo das populações europeias e até americanas. Em toda esta crise a hipocrisia norte-americana tem sido uma dominante e não apenas no sentido político que lhe deu Bernie Sanders (ver a primeira parte deste artigo), pois é por demais evidente o seu enorme interesse na sabotagem do processo de fornecimento de gás russo à Europa, para assim aumentar as hipóteses de venda do seu gás de xisto (mais caro, mais perigoso no transporte e mais poluidor na extracção). Recorde-se que o anúncio público da suspensão da certificação do gasoduto Nord Stream 2 (que complementa o actual Nord Stream 1 que liga a Rússia directamente à Alemanha) foi feita pelo próprio Joe Biden e antecedeu a acção militar.

De concreto anunciam-se sanções e mais sanções para atingir o regime de Putin, com especial destaque para as de natureza financeira mas esquecendo-se que, graças às criptomoedas nunca foi tão fácil aos russos contornarem as sanções financeiras, além de que dificultar aos russos, cujo principal parceiro económico é a China, o acesso ao dólar norte-americano não tem o mesmo impacto que a outras economias mais dependentes de mercado ocidentais, enquanto um eventual embargo ao gás russo terá mais efeitos negativos sobre a Europa que sobre a própria Rússia que poderá desviar parte das actuais exportações da Europa para a vizinha China. Aliás, esta iniciativa americana parece mais desenhada para prejudicar a Europa (e em especial a mais competitiva economia alemã) que a própria Rússia.

Após consideráveis hesitações acabou por ser anunciado que 7 bancos russos iram ser excluídos do sistema SWIFT (opção geralmente considerada uma das mais punitivas disponíveis), abrange o banco VTB (o segundo maior banco russo), o Banco Otkritie, o Novikombank, o Promsvyazbank, o Rossiya Bank, o Sovcombank e o VEB (banco de desenvolvimento do regime), mas deixa de fora o maior banco da Rússia, o Sberbank e o Gazprombank, o terceiro maior banco e o principal canal para pagamentos estrangeiros de petróleo e gás, pelo que não deverão prejudicar significativamente o importante sector da energia. Depois, afastar a Rússia do sistema internacional de pagamentos pode não passar de uma medida “simbólica” que ameaça revolucionar o sistema financeiro, significando um desenvolvimento mais rápido das alternativas já existentes (uma russa, criada em 2014 na sequência da anexação da Crimeia, e outra chinesa) que o mesmo será dizer um decréscimo do volume de negócios e em prejuízo do europeu SWIFT.

Quer num caso (gasoduto Nord Stream 2) quer no outro (SWIFT), os norte-americanos mantinham um contencioso com a UE, fosse pelo já referido interesse em fornecer o seu gás à Europa, fosse pelo litígio criado quando instalaram em 2006 um sistema de espionagem naquele sistema internacional de pagamentos.

No geral as sanções previstas parecem atingir tanto a UE quanto a Rússia, nomeadamente na importação e a exportação de capitais e bens e serviços. Caso em que os mercados tenderão a ser ocupados pelos países que não alinhem nas sanções, nomeadamente chineses, indianos e sul-americanos, com óbvio prejuízo para a Europa.

Vistas do lado russo e nas palavras de Sergey Aleksashenko, ex-vice-ministro das Finanças, primeiro vice-presidente do Banco Central da Rússia (BCR) e membro dos conselhos de muitos grandes bancos e corporações na Rússia, estas sanções irão atingir os cidadãos comuns mas não farão colapsar a economia russa, pois o BCR tem enormes reservas cambiais no valor de 640 mil milhões dólares e depois do congelamento dos activos e contas ficará ainda com reservas de ouro no valor de 127 mil milhões de dólares na Rússia e com reservas em renminbi (a moeda chinesa) no valor de 70 mil milhões de dólares, julgados suficientes para assegurar a estabilidade do mercado cambial doméstico e a do seu sistema financeiro. Já a natural desvalorização do rublo, potenciais problemas com importações e incerteza política geral podem resultar em menor investimento e menor crescimento da economia, menor oferta de produtos e maior inflação.

Outra área sensível das sanções ocidentais é a proibição de bancos e empresas russas acederem aos mercados de capitais ocidentais, da qual deverá resultar um êxodo de investidores estrangeiros da Rússia, que deverá representar um prejuízo anual entre 30 e 50 mil milhões de dólares; como esta proibição também afectará a capacidade dos bancos para pagarem ou refinanciarem a dívida externa (estima-se para breve a necessidade de amortizações de mais de 100 mil milhões de dólares) isso implicará o recurso à poupança interna, factor que deverá debilitar o crescimento económico e frustrar as últimas previsões do FMI que o situava nos 2,8%.

Em resumo, para os russos a grande questão das sanções resume-se a saber se a China quererá, ou não, disponibilizar os recursos financeiros necessários à manutenção da sua economia e a resposta poderá situar-se longe das suas aspirações, caso Pequim repita a estratégia seguida na sequência das sanções económicas ocidentais impostas em retaliação pela anexação da Crimeia, quando disponibilizou montantes de assistência financeira mínima e sempre condicionada às empresas e aos sectores de actividade vitais para os seus interesses. A China que segue atentamente os acontecimentos (até pelo problema de Taiwan), critica a actuação de Putin, mas apela ao diálogo sem condenar expressamente a acção militar, deverá estar a aguardar pelo seu desenrolar enquanto avalia cuidadosamente uma estratégia ocidental que, diga-se, não só parece pouco consistente, como é claramente apontada a “alvos” bem distintos dos anunciados oligarcas que na lógica ocidental sustentam o regime de Putin.

Enquanto isto e entre a enorme campanha de desinformação que rodeia todo o drama dos eventos, enquanto alguns (poucos) procuram acalmar as tensões surgiu a ideia de uma rápida integração da Ucrânia na UE, algo diplomaticamente delicado, aparentemente nada indicado como contributo válido para pôr fim ao conflito e que a habitual inabilidade europeia (bem manipulada pelo “amigo” americano) promete transformar em mais um casus belli para acentuar as suas divergências internas e fragilizar o próprio futuro da UE.

 

As sanções económicas e a sua utilização | Parte I

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