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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

As setas no corpo do Santo

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

DO AVESSO

Em 40 anos de Democracia mais de 20 deixaram os seus centros de decisão nas mãos dos que defendiam inescrupulosos banqueiros de bancos impunes, de agiotas capazes de matar pelos seus lucros…… de gente corrupta e marginal, de militantes com certificados de cursos superiores que nunca tinham frequentado, de gestores indignos do nome, de professores de economia que depois de um despedimento por acumulação de faltas injustificadas quiseram ser o professor exclusivo de uma turma que precisava de muito melhor. Vinte anos sempre com a mesma cor, de fruta ácida.

Graças a esses, os que governaram mais de 20 anos, em governo e presidência, são muitos milhares de milhões de euros desviados do erário público, resguardados em contas bancárias estrangeiras e estratégicas, aplicados em amizades e não em investimento, numa destruição sistemática do tecido social, e da vida daqueles para quem foi feita a Revolução de Abril. Some-se o dinheiro que nos foi roubado e a conclusão é muito evidente: não havia crise para ninguém, pelo menos para os mais fracos e desprotegidos, enfim, os que mereciam a prioridade, e que são sempre os mais afetados pela crise.

Manietados por opção, os circuitos da Lei ficaram sempre enfraquecidos. E o medo de chegar mais alto ou mais fundo tornou-se a prática quotidiana. Elites, clientelismos, delinquentes com fato de alfaiate, órgãos de comunicação cada vez menos social, cúmplices do crime organizado do poder, onde é preciso ser político para ser negociante, deixaram o País sempre em novas encruzilhadas.

A ameaça de bancarrota é anedota antiga: perante ela Afonso Henriques se fez à Conquista, e teve apenas como exceção alguns tempos concretos dos nossos muitos séculos de História, somos o País que aprendeu a fazer o pino: de cabeça do Mundo para cauda da Europa.

A nossa única arte parece ter sido a da definição dos nossos variáveis estados de decadência – e a forma como sobrevivemos a tudo.

Entre o trauma histórico e a alucinação lavrámos os mitos. Como o da visão messiânica que proporcionou esses 20 anos nefastos da Democracia.

Duas décadas capazes de desbaratar os apoios da União Europeia que entravam então diariamente em caudais aparentemente sem fim, mas sobretudo duas décadas diminuidoras da autoestima, da esperança, da alegria e da economia necessária. E o falso novo D. Sebastião, que desbaratou mais de 20 anos de Democracia e do que era de todos nós, acabou sem glória o seu mandato, trouxe apenas o que era costume: um frio de morte e nevoeiro, uma imagiologia pavorosa de impotência e frustração.

Desapareceram armas de Tancos. Até um bispo de colar de oiro e anel milionário, faces coradas de quem se avinha, abafa e abifa, veio perorar na televisão, pedindo meças. E enquanto a Cristas uiva e o Coelho se desfaz no último estertor da sua era, e as querelas partidárias ofuscam o que realmente devia ser debatido – o País e aqueles que realmente o sustentam e que o merecem – alguém não conta só o produto do seu roubo como faz planos para o utilizar.

Parece que tinha havido há tempos suspeitas e denúncias e algumas provas, mas ouvidos moucos (os do mercador) permitiram o assalto de Tancos. A Democracia tem aquele aspeto do santo cravado de flechas, o São Sebastião que, digo-o por curiosidade, era um soldado (do exército romano).

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

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