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João de Sousa

Sexta-feira, Novembro 1, 2024

As Sufragistas, de Sarah Gavron

A nossa Opinião **

(de * a *****)

Com as melhores intenções

Numa altura em que o povo português vive um período político de particular relevância, e onde são recordados os mais básicos direitos constitucionais, fará todo o sentido reflectir sobre a evolução do movimento do sufrágio feminino. Algo que o filme da britânica Sarah Gavron faz com a devida justeza e urgência. De resto, em pleno século XXI, este é um tema que não oferece qualquer tipo de contestação, correndo até o risco de afirmar uma predisposição de sentido único.

As-Sufragistas-posterE é precisamente esse o problema de As Sufragistas – uma certa monotonia de intenções que jamais se liberta do conforto de saber que trilha o caminho certo. Agora não se confunda o rigor histórico e politicamente correto destas mulheres que souberam defender algo que no início do século passado não só não era dado como adquirido, como é hoje, com a necessidade de vincar esse embaraço politico social, sem ter a ousadia de libertar alguma nota dissonante. Ficamos assim com um filme certinho, polido em intenções, onde qualquer divergência de opinião se arrisca a ser confundida com frentismo sexista. Depois há outra questão chamada Meryl Streep, que assume o papel de Emmeline Pankhurst, o rosto e a alma do movimento feminista britânico, muito referido no filme, mas que aqui é remetida para uma mera cameo, numa única cena de escassíssimos minutos. Mas que pela sua notoriedade e dimensão no marketing do filme acaba por não conferir ao filme o desejado efeito.

Adiantada esta ressalva, temos de apontar que As Sufragistas regista esse momento de urgência história – ousaríamos dizer hoje mais do que nunca – naquele que é um trabalho bastante competente de câmara, reconstituição histórica e, evidentemente, de Carey Mulligan, que apesar de não transportar o filme às costas, não deixa de lhe conferir o seu registo de veracidade estampado no rosto.

Ela é Maud, uma anónima que acaba por ser empurrada para o movimento. Trabalhando como tantas numa lavandaria toda a vida, vive com o marido submisso (Ben Wishaw) ao sistema do Rei Jorge e o seu filho menor. A oportunidade involuntária surge quando uma das activistas se escusa de aparecer em tribunal para não mostrar as feridas no rosto depois de ser espancada. E é nessa jornada de algum distanciamento para um engajamento inesperado que se notam as mudanças de luz no rosto de Mulligan. Ela que já dera o melhor de si, justamente num outro trabalho da argumentista Abi Morgan – no poderosíssimo Vergonha, de Steve McQueen. A seu lado, a sempre eficaz Helena Bonham Carter, no papel de uma mulher de uma classe social mais elevada, e de outras anónimas dispostas a serem espancadas, a fazerem greve de fome e até mesmo a morrerem pela causa sufragista.

Mérito de Gavron e Morgan em recordar este momento no tempo em que o que hoje é dado como adquirido foi apenas devido à coragem de muitas anónimas, muitas vezes agredidas e abusadas. Pena é que se resuma a um filme meramente histórico e descritivo. Até porque a ser assim, melhor seria se fosse mais centrado na figura de Emmeline Pankhurst, o farol do movimento – algo que nos leva até a questionar se estaria Meryl impossibilitada de contribuir com mais screen time? Ainda assim, As Sugrafistas é um documento bravo ao sublinhar o momento em que a comunidade política masculina, mas não só, encara as mulheres como se de verdadeiros inimigos se tratasse.

A verdade é que As Sufragistas não deixa de ser um filme, mas apenas um filme razoável, porque de uma única voz e omisso de quaisquer dissonâncias. E somente nessa qualidade nunca consegue elevar-se mais do que a mera recordação panfletária do tempo em que o chefe de família era uma espécie de patente doméstica incontestável que, por exemplo, em Portugal só se iguala com a Constituição que saiu do 25 de Abril de 1974.

Postos de lado os pruridos éticos, apetece dizer que falta garra a este filme certinho, direitinho, engajado com uma causa e com pouca margem para a dissonância. Valha-nos Carey Muligan que não sabe estar mal e confere ao filme a única hesitação. De Meryl apetece sempre dizer muito, mas neste caso sem justificação. Não sabe fazer mal. Ponto. Mas é como num jogo de futebol (perdoe-se a comparação talvez excessivamente masculina), quando um craque rende um companheiro, já no prolongamento e com o resultado decidido. Nada a dizer.

 

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