Nesta edição especial do Tornado, dedicada ao fenómeno da abstenção, quisemos saber quais as causas que estão na origem do crescente abstencionismo mas também as soluções para o combater, se é que existem. Fomos ouvir a opinião daquele que ficou conhecido como o grande educador da classe operária, Arnaldo Matos, fundador do MRPP e seu dirigente até 1982.
A primeira pergunta era óbvia, passados 41 anos do final do regime ditatorial e no ano em que se assinalou o 40º aniversário das primeiras eleições legislativas livres que razões podem justificar esta aparente apatia dos portugueses em dias eleitorais.
Para Arnaldo Matos há três grandes razões a contribuírem para este fenómeno. Em primeiro lugar, a incorrecta actualização dos cadernos eleitorais que por razões técnicas não são actualizados de forma directa, por exemplo quando um eleitor morre continua com o seu nome carregado. Em segundo lugar, o facto de Portugal ser um país de emigrantes que, ou não se inscrevem, ou se inscrevem tardiamente nos consulados, provocando a não actualização no local onde originalmente estavam recenseados.
A consequência imediata é um número de abstenções, meramente técnica, que não corresponde à realidade. Menciona como exemplo o que se passa nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira onde o número de eleitores é superior ao número de habitantes, o que, por si só, evidencia a grave falha dos registos.
A terceira e última grande razão, na opinião de Arnaldo Matos, é uma herança do fascismo que criou uma desconfiança absoluta acerca de quem vota e de quem não vota. O voto é policiado tornando difícil a participação nas eleições.
Ficou-nos a dúvida se não existiria uma razão mais pragmática para este fenómeno, uma explicação que ultrapassasse as questões técnicas. Arnaldo Matos diz que a abstenção é uma forma de reagir à situação política existente no país, ou seja, ao não votar o eleitor está a repudiar o sistema político existente. Quer interpretem ou não a abstenção dessa forma essa é a realidade, não votam porque não querem aceitar o sistema político que lhe querem impor.
Acrescenta ainda que este fenómeno vai continuar a aumentar. Chegaremos ao ponto em que 5% dos eleitores a votarem num partido serão suficientes para esse partido garantir uma maioria absoluta, vaticina que esse dia não estará longe.
Coloca-se uma questão, não haverá solução para este problema? Para Arnaldo Matos a solução passará por adaptar um modelo de facilitador do voto, um modelo electrónico em que o eleitor possa votar durante a semana e não ao fim de semana. Tornando o voto mais fácil e reforçando a democracia, mesmo sendo esta democracia burguesa consegue-se reduzir a abstenção. É também necessário, acrescenta, terminar com a ditadura do voto em que as pessoas se sentem atraiçoadas cada vez que votam e, sentindo-se atraiçoadas não podem mudar o seu sentido da votação. A ditadura do voto de 4 em 4 anos é extremamente perigosa para o desenvolvimento do país. Se o país vai pelo caminho errado os eleitores não têm forma de voltar atrás, por isso não votam.
A abstenção é também uma forma de protesto, refere Arnaldo Matos fazendo uso de uma velha expressão operária “abster é votar com os pés”. É uma forma de luta que leva a que a direita se sinta cada vez melhor no poder, vai-se sentido cada vez melhor até que não terá ninguém que vote nela.
Questionamos se no fundo, a abstenção, não será a demonstração de uma falta de cultura política por parte do eleitorado e, sendo, quais serão as causas dessa falta de cultura. A resposta é acutilante. A falta de cultura é a vários níveis, não é exclusivamente política. Tivemos muitos anos de fascismo que reduziu a nossa cultura política e tivemos muitos anos de inquisição que também contribui para a falta de cultura política dos portugueses.
Essa falta de cultura política vai mais longe, vivemos num país em que as instituições, elas próprias, são fascistas. Basta ver a forma como os cidadãos são recebidos em qualquer organismo público pelos funcionários. É recebido como se fosse um servo, nunca é recebido com se fosse o dono do poder.
Reconhecida que estava a pouca cultura política dos portugueses e apontadas que foram algumas causas era necessário saber o que fazer para corrigir a situação. Para Arnaldo Matos não convém à direita ter do outro lado alguém com uma forte cultura política. Esta combate-se organizando as classes dominadas em partidos que representem essas classes e que imponham os seus interesses. Obviamente isso demora tempo e é uma revolução para lá se chegar.
Embora fugindo ao tema que nos tínhamos proposto, por uma questão de actualidade não deixámos de questionar Arnaldo Matos sobre a decisão do Presidente da República de não comparecer nas comemorações do 5 de Outubro. A opinião chegou sem rodeios, definindo Cavaco Silva como um homem inculto que sempre defendeu a extrema direita. Não é republicano, não é monárquico, não é nada, está em Belém sem qualquer tipo de categoria política ou cultural para ser Presidente da República de uma nação com 900 anos de história.
Quisemos terminar a conversa com uma última questão, a sua opinião sobre a legislação que permite a um político, por exemplo um Presidente da República poder optar entre uma pensão ou a remuneração do cargo que vai exercer, em que medida uma função que devia ser assumida com espírito de missão pode ser assumida como vaidade pessoal. Para Arnaldo Matos a resposta é simples, estas situações são a liquidação da própria democracia. Quem ocupa um cargo deve receber o que se paga por esses cargos, se acha que se ganha pouco não se candidate, acrescenta ainda que, em sua opinião, os políticos ganham mais do que deviam, o salário dos políticos devia estar indexado ao salário médio nacional que, sendo muito baixo é culpa deles e por isso devem ser castigados como os restantes trabalhadores.