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Domingo, Novembro 17, 2024

Asfalto ou carris?

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

As greves dos motoristas de matérias perigosas, decididas pelo Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), têm estado, nas últimas semanas, no centro das atenções mediáticas e raramente pelas melhores razões.

Primeiro com o alarmismo criado à volta do eminente esgotamento dos combustíveis, depois com a crítica à decisão governamental de impor serviços mínimos de grande expressão, seguida de uma requisição civil parcial, a imprensa nacional quase não informou nem esclareceu sobre os fundamentos da greve, mas não perdeu a oportunidade para agitar os perigos do limite ao direito à greve ou a necessidade da revisão da lei da greve.

Agora ou em Abril, quando da realização da primeira greve, muito se falou (e escreveu) sobre a evidência destas greves virem a revelar a dependência nacional dos produtos petrolíferos – como se a distribuição de outras formas de energia (por exemplo o gás ou a electricidade) não possa originar também o mesmo tipo de paralisia económica – ou do sindicalismo não ser já o que era, como se nunca se tivessem registado greves de outros sectores específicos (lembre-se o ainda recente caso dos enfermeiros especialistas) ou não se falasse há algum tempo no esvaziamento do movimento sindical e no aparecimento (também aqui) de movimentos de natureza inorgânica.

Deixando por ora de lado a questão das transformações no mundo sindical, quero concentrar-me apenas no possível aproveitamento da interrupção da distribuição de combustíveis como factor de desestabilização em geral, que não se veio a verificar, e lançar algumas questões em torno de um modelo de distribuição de mercadorias (perigosas ou não) assente quase exclusivamente no transporte rodoviário.

Claro que o país não é muito grande e que em qualquer caso o transporte de proximidade sempre terá que ser assegurado por meios rodoviários, mas porque não aproveitar o momento (e a agitação) para se debaterem outras alternativas? Será que um maior recurso ao transporte ferroviário não seria mais vantajoso (até em termos de redução da poluição), ou esta alternativa está pura e simplesmente eliminada por uma intencional e desastrosa política de desinvestimento na ferrovia nacional?

Ainda recentemente li uma descrição sobre a situação do transporte ferroviário no Reino Unido que bem se podia aplicar ao caso nacional e onde se referia a existência de material circulante desactualizado, primitivo ou sem ar-condicionado, se descrevia um serviço precário e sem pontualidade, a par com tarifas extremamente altas. Esta realidade contrasta com a situação que se vive em França e na Alemanha, países onde as respectivas companhias ferroviárias públicas asseguram operações para carga e passageiros; a alemã Deutsche Bahn transporta anualmente cerca de 2 mil milhões de passageiros numa rede com mais de 33.000 km e só o TGV da francesa SNCF (Société Nationale des Chemins de Fer Français, empresa pública que gere uma rede com cerca de 30.000 km) mais de 100 milhões de passageiros, números que contrastam com os 126 milhões transportados pela portuguesa CP. No Reino Unido parte da rede ferroviária já foi privatizada, com os resultados acima descritos, o mesmo acontecendo entre nós com a CP Carga, conhecida desde 2015 como MEDWAY.

Parece cada vez mais evidente que a opção pelo transporte rodoviário não obedece a quaisquer critérios de racionalidade ou rentabilidade económica e ainda menos aos cada vez mais importantes critérios ambientais (um camião emite mais 760 Kg de CO2 por Km percorrido enquanto um comboio não chega aos 15 Kg e um único vagão pode transportar o equivalente 3,5 camiões), pelo que só se poderá justificar por outro tipo de vantagens, entre as quais se contará seguramente o interesse particular e pouco ou nenhum respeito pelo interesse geral.

Isto mesmo tem sido demonstrado ao longo do tempo pela clara protecção dada ao sector dos transportes rodoviários (aqui entendido na dupla vertente do transporte de passageiros e carga), não apenas na política de desinvestimento no transporte ferroviário, mas ainda nas facilidades concedidas, nos finais do século passado, para a subcontratação dos serviços de transporte ao abrigo do Sistema de Incentivos à Melhoria do Impacte Ambiental dos Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias (SIMIAT), que levou à proliferação de pequenas e microempresas de transporte rodoviário e à pulverização do seu poder negocial.


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