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Terça-feira, Julho 16, 2024

Assimetrias e desigualdades agravam impacto da recessão

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

O impacto da recessão ou mesmo da depressão prolongada da economia, causada pelo coronavírus que a paralisou, vai ser desigual a nível do país, devido às profundas assimetrias regionais existentes, e também para os portugueses devido às desigualdades sociais que se agravaram após a crise 2008.

Neste estudo, analiso as profundas desigualdades existentes no país, quer regionais quer sociais, assim como a enorme subutilização do trabalho que existia já antes de começar esta crise, o que impedia que muita riqueza que podia ser produzida (PIB) não foi produzida, o que o torna muito mais difícil e doloroso fazer frente a esta crise nomeadamente para as classes trabalhadores e dificultará a recuperação da economia. E tudo isto será tanto mais grave quanto mais tempo durar a paragem da economia, pois o afundamento da economia e o aumento da divida do Estado serão enormes, o que depois terá de ser pago pelos portugueses.

Espero que este estudo possa ser útil para a reflexão e debate sobre a atual crise. Numa altura em que se pede cada vez mais ao Estado, é importante ter presente o país real e o Estado real que temos para enfrentar a crise, evitando planos obscenos como o apresentado pela CIP que exige que o Estado conceda às empresas 20.000 milhões € sendo 80% a fundo perdido, ou seja, em subsídios e que, para além disso, obtenha para as empresas junto do BEI um empréstimos de 10.000 milhões € garantidos por divida pública emitida. Se o governo aceitasse o plano apresentado pela CIP o endividamento do Estado que já enorme (249.740 milhões € em Dez.2019 na ótica de Maastritch, o que correspondia já 110,8% do PIB) aumentaria enormemente para 122% do PIB a pagar depois pelos portugueses, nomeadamente pelos trabalhadores como aconteceu com a crise de 2008.

 


Estudo

O impacto da recessão ou mesmo da depressão prolongada da economia, causada pelo coronavírus que a paralisou, vai ser desigual a nível do país, devido às profundas assimetrias regionais existentes, e também para os portugueses devido às desigualdades sociais que se agravaram após a crise 2008

Com este estudo procuramos mostrar que o país continua profundamente desigual, e os efeitos de uma recessão ou de uma depressão económica prolongada serão diferentes para as diferentes classes sociais como consequência das desigualdades existentes. Mas é com este país real profundamente desigual que temos de enfrentar a grave crise que mal começou, o que torna tudo mais difícil.

 

As profundas assimetrias (desigualdades) regionais que continuam a existir no nosso país determinará que os efeitos da crise, embora enormes para todos, sejam desiguais a nível de cada região e para cada classe social

Portugal é um país extremamente desigual como mostram os dados do quadro 1 do Anexo que permite comparar o poder de compra por habitante de cada município em relação ao poder de compra médio per capita do país. E a conclusão imediata é a seguinte: apenas 32 Municípios têm poder de compra por habitante superior ao poder de médio “per capita “do país, enquanto nos restantes (276) o poder de comprar médio por habitante é inferior ou muito inferior à média nacional.

Por ex., os dados quadro 1 em Anexo (INE referentes a 2017 que são os últimos disponibilizados), revelam que o poder de compra de um habitante de Lisboa é superior em quase quatro vezes (3,98 vezes mais) ao poder de compra médio de quem vive em Ponta do Sol, um município da R.A: da Madeira. Os exs. podiam-se multiplicar. O quadro 1 tem dados de todos os municípios portugueses, por isso o leitor tem possibilidades de saber qual é a situação do seu município no quadro nacional.

 

As assimetrias (desigualdades) regionais continuam a ser profundas em Portugal e não têm diminuído significativamente nos últimos anos. É evidente que sendo desigual a situação dos portugueses a viver nos diferentes municípios as consequências da crise serão desiguais para cada um deles.

Embora o atual governo continue a não divulgar as Estatísticas do IRS e o Relatório e Contas da Segurança Social – Parte II referentes ao ano de 2018, para esconder as profundas desigualdades que continuam a existir no nosso país, no entanto os dados do INE do quadro 2 (o quadro 1 consta do Anexo) referentes a 2017 confirmam as profundas desigualdades regionais, agora em euros.

 

Quadro 2 – Rendimento mediano anual dos municípios com valor mais elevado e menos elevado

A mediana é o valor de rendimento bruto anual deduzido do IRS central, ou seja, aquele que reparte a população do município em dois grupos iguais: um, com rendimentos inferiores à mediana; e outro com rendimentos superiores à mediana. Tenha -se presente que uma parte importante dos portugueses não são considerados porque têm um rendimento inferior 8.500€/ano (pensionistas e trabalhadores dependentes), por isso estão isentos de IRS, e não têm de fazer declaração de rendimento.

Como mostram os dados do INE o rendimento mediano bruto deduzido do IRS dos portugueses que declaram e têm de pagar IRS, dos municípios de Oeiras e Lisboa são mais do dobro do rendimento mediano dos portugueses dos municípios de Cinfães e de Resende. As desigualdades são profundas entre portugueses a viverem em diferentes regiões do país.

E dentro do mesmo município também são muito grandes como refere o INE nestes termos, na mesma publicação: “Ao nível sub-regional, o valor do percentil 20 (mais baixo) do rendimento bruto declarado do IRS liquidado por sujeito passivo variava entre 3 747 € no Alto Tâmega e 5 944 € na Área Metropolitana de Lisboa. No lado oposto da distribuição de rendimentos, o valor do percentil 80 (mais alto) era mais elevado na Área Metropolitana de Lisboa (18 589 €) e mais baixo na sub-região do Tâmega e Sousa (10 272 €). Como é evidente as consequências económicas da crise futura serão diferentes nas diferentes regiões do país, e dentro de cada região também muito diferentes entre classes sociais devido às grandes desigualdades existentes.

 

A quebra significativa das remunerações dos trabalhadores em “Lay-Off” e o plano e as exigências da CIP

Milhares de trabalhadores com contratos a prazo (706,6 mil), com contratos a termo incerto, com recibo verde (mais de 124 mil) , e na situação de subemprego a tempo parcial (155,5 mil) estão a ser despedidos e milhares de microempresários, de 1.244.495 microempresas que era o total que existia em 2018 segundo o INE, estão a ter  uma quebra significativa nos seus rendimentos.

Mas mesmo os trabalhadores que estão em “lay-off” (eram já 425.000 em 4/4/2020, segundo o Semanário Expresso) o corte no seu rendimento também é muito grande como revela o quadro 3, construído com dados das remunerações medias brutas regulares de 4,2 milhões de trabalhadores de Dezembro de 2019 que fizeram descontos para a Segurança Social, dados esses divulgados pelo INE.

 

Quadro 3 – Simulações da quebra de remuneração mensal dos trabalhadores em “lay-off”, e cálculo da despesa para o Estado e para as empresas

No quadro 3 são apresentadas três simulações:

  • uma primeira, para os 425.000 trabalhadores que já estão em “lay-off”;
  • uma segunda, para um milhão de trabalhadores que, segundo o Ministro da Economia, prevê-se que venham a ser colocados em “lay-off”,
  • e uma terceira, para dois milhões de trabalhadores a acontecer se o país estiver parado e em casa durante muitos meses.

A primeira conclusão que se tira, tendo como base a remuneração ilíquida média regular de 4,2 milhões de trabalhadores que descontaram para a Segurança Social – 1.041€ em Dez.2019 – é que sofrem imediatamente um corte 347€, ficando o seu rendimento bruto reduzido a 694€ por mês. Se comparamos este valor com a remuneração média bruta total – 1.418€ sem descontos que inclui todos os subsídios mesmo não regulares– a redução no rendimento ilíquido (antes dos descontos para Segurança Social e IRS) de cada trabalhador colocado em “lay-off” é já de 724€. E se deduzirmos àqueles 694€ o IRS e o desconto para Segurança Social este valor fica reduzido a apenas a 609€ no caso de um casal de trabalhadores com um filho, e a 589€ se não tiver filhos.

Como revela também o quadro 3, o “lay-off”, em que já estão 425.000 trabalhadores, determinará uma redução no rendimento destes trabalhadores de 147,5 milhões € por mês; o custo para o Orçamento do Estado será de  206,46 milhões € (se deduzirmos o IRS e os descontos para a Segurança Social nos rendimentos dos trabalhadores a despesa mensal para o Estado reduz-se em 40,5 milhões €) e o custo  para empresas é de 88,48 milhões € também por mês. Se fizermos os cálculos para 3 meses, que é o período de vigência previsto no nº3 do art.º 4º do Decreto-Lei 10-G/2020, a redução do rendimento ilíquido dos trabalhadores atinge 442,4 milhões €, e o custo estimado para o Orçamento do Estado sobe para 619,39 milhões € (há que deduzir 121,4 milhões € de IRS e descontos para a Segurança Social) e para as empresas uma despesa de 265,455 milhões € (é para evitar este custo que os patrões estão mais interessados em despedir os trabalhadores e mais se puderem fazer sem pagar indemnizações).

No quadro 3 encontram-se simulações para a colocação em “lay-off” de um milhão de trabalhadores e também para dois milhões de trabalhadores por um mês e durante 3 meses, o que permite estimar a perda de rendimentos para os trabalhadores, o custo para o O.E. e para as empresas.

O espírito de classe deste governo, mais favorável ao Capital do que ao Trabalho, é claro no nº1 art.11º do DL 10-G/2020 – “O empregador está isento de pagar contribuições para a Segurança social – e no nº1 artº 10º  do mesmo decreto-lei “Os empregadores que beneficiem das medidas previstas no presente decreto -lei têm direito a um incentivo financeiro extraordinário para apoio à retoma da atividade da empresa, pago de uma só vez e com o valor de uma RMMG por trabalhador”, o que custará ao Orçamento do Estado, só em relação aos 425 mil trabalhadores já em lay-off”, 269,9 milhões €. Mas para os trabalhadores NADA.

A CIP também apresentou o seu plano para enfrentar a crise. E as principais medidas do plano da CIP que estão divulgadas no seu “site” são as seguintes:

  1. Conversão de garantias do Estado em incentivos a fundo perdido para as pequenas e médias empresas (PME) que mantenham a atividade económica e garantam a manutenção do emprego, sem redução da massa salarial, nos próximos quatro anos. A CIP defende a alocação de 20 mil milhões de euros a esta medida em que 80% (16.000 milhões €) que seria suportada pelo Estado a fundo perdido, ou seja subsídios, ou seja, através do aumento da divida do Estado;
  2. Negociar com o FEI e BEI as Garantias de Carteira para o País e o seu sistema financeiro que permita alocar já cerca de 10 mil milhões de euros para garantias de 50 a 80% na economia real. O Estado segundo a CIP poderia ter um Contrato Programa com o BEI/FEI para estes programas de garantia, entregando colateral de OT a 10 anos, ou seja endividando-se em mais 10.0000 milhões para garantir linhas de garantia de emergência à economia;
  3. Mais benefícios fiscais (DTA).  Tudo isto teria de ser depois pago com impostos cobrados aos portugueses. Face a um Estado que já está profundamente endividado (ver nosso estudo 11-2020), cujas receitas fiscais caíram significativamente devido à redução brutal da atividade económica, apresentar um plano desta natureza, o mínimo que se pode dizer é que ele é obsceno e ofende milhões de trabalhadores portugueses que estão já a sofrer, de uma forma dramática, as consequências da crise. E é de prever que, no futuro, o sofrimento aumente muito mais.

 

 

Portugal, um país com 1,7 Milhões de portugueses já a viverem no limiar da pobreza (com rendimentos até 429,57€/mês) e em que 42% dos desempregados já estão na pobreza

O quadro 4, com dados divulgados pelo INE, revela a enorme mancha de pobreza que existia em Portugal mesmo antes da crise causada pelo “Coronavirus”

 

Quadro 4 – Taxa de risco de pobreza após transferência sociais – 2015-2018

10,8% da população empregada, 47,5% dos desempregados, 15,2% dos reformados e 31% dos outros inativos (os chamados inativos disponíveis) já viviam no limiar da pobreza antes desta crise. É evidente que com crise, e com os despedimentos que se verificarão os portugueses a viverem no limiar da pobreza aumentarão muito mais.

 

Uma enorme subutilização do trabalho em Portugal já antes da crise

O quadro 5, com dados do INE, mostra a dimensão da subutilização do trabalho já antes da crise

 

Quadro 5 – Subutilização do trabalho em Portugal já antes da crise

O trabalho é a principal fonte de criação de riqueza de qualquer país. Mesmo antes da crise, 678.000 trabalhadores estavam na situação de “subutilização de trabalho”, ou seja, não produziam riqueza (desempregados, inativos disponíveis que não procuravam emprego) ou produziam muito menos riqueza do que aquela que podiam produzir por não conseguirem encontrar um emprego a tempo completo (subemprego a tempo parcial).

Tendo como base o PIB por empregado de 2019 (42.976€) aqueles 678.000 portugueses poderiam ter produzido riqueza (PIB) no valor de 21,2 mil milhões €, que contribuiria muito para melhorar as condições de vida dos portugueses. É evidente que, com crise e com o aumento desemprego que ela causará, esta riqueza não produzida aumentará enormemente para mal dos portugueses que não melhoram as suas condições de vida e para o Estado que perde enorme volume de receitas.



 

 


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