Um marciano que visitasse o Brasil para estudar o programa econômico do governo Bolsonaro certamente anotaria que o Estado é entendido como uma das coisas ruins que se inventaram por aqui. Ele certamente sairia do país sem compreender por que há no governo uma receita que prescreve exatamente o que o mundo tem mostrado que não funciona. Caberia explicar-lhe que esse capitalismo do ministro Paulo Guedes é a negação do capitalismo de Adam Smith e de outros economistas da Escola Clássica.
Por quê? Desde que Um investigação sobre a natureza da riquezas das nações surgiu, em março de 1776, o capitalismo evoluiu para projetos que contaram com o Estado exatamente para conter os efeitos das crises como a atual. Além da teoria de John Maynard Keynes, surgiram as ideias de Friedrich Taylor, Henri Fayol e Henry Ford. Entraram em cena também o projeto social-democrata do Estado de bem-estar social e o Newl Deal de Franklin Delano Roosevelt.
Lógico, são projetos e ideias que se relacionam com o estágio superior à superação da monarquia de base feudal pela república, quando o capitalismo e o socialismo passaram a disputar a hegemonia no planeta. Esse período histórico relativamente longo deu feições nítidas para eles. O impasse era simples: ou o capital balanceava melhor sua relação com o trabalho, ou este, embalado pelos ventos de Moscou, implodiria o sistema.
O que se discute no mundo, hoje, é a eficácia — e principalmente a eficiência — desses projetos e ideias para enfrentar a crise do capitalismo. A quimera de que é possível reinventar algo como o ideário de Adam Smith para os dias atuais — numa economia global em que para cada dólar empregado no comércio, mais de cem vão para operações especulativas — encontra pouquíssimo eco.
Um recente relatório do Banco Mundial aponta que a estagnação das cadeias globais de valor na última década decorre de conflitos comerciais e novas tecnologias emergentes. Ou por outra: os países que dominam a tecnologia sofisticada não estão dispostos a sair distribuindo bondades pelo mundo.
É aí que entra a ideia de um projeto nacional de desenvolvimento. Esse é ponto. E não se faz isso com um projeto de Estado néscio, que em vez modernizar suas alavancas econômica e social se presta a ser um mero comitê administrativo de interesses desconectados da economia real, um instrumento de representação do giro financeiro ditado pelas oligarquias de Wall Street. Não faz o menor sentido falar em soberania nacional e em democracia com um projeto de poder assim.
O que impressiona é a indiferença do governo diante desse cenário global — tanto econômico quanto teórico. Na América Latina, embora incipiente, já há uma retomada da ideia daquele debate dos anos 1950, quando, no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), se falava em reduzir a dependência das exportações de produtos básicos e a reversão dos vínculos desiguais entre as economias centrais e periféricas, à base de uma maior coordenação entre os países da região.
No plano mundial, ninguém menos do que a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva — conforme relato do jornal português Público —, defendeu a intervenção do Estado. Para ela, “a política orçamentária desempenha um papel central”. “Agora, é a hora dos países com espaço nos seus orçamentos avançarem — ou estarem prontos para tal – com o seu poder de fogo orçamentário”, afirmou. Tal diagnóstico se conflita abertamente com a essência da política econômica do governo Bolsonaro.
Texto original em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado