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João de Sousa

Sexta-feira, Novembro 1, 2024

Até sempre, Mário Soares!

Estrela Serrano
Estrela Serranohttps://vaievem.wordpress.com/
Professora de Jornalismo e Comunicação

Recordo o dia em que me chamou a Belém e me disse o que esperava de mim: que fosse os seus olhos e os seus ouvidos. Sabia que eu vinha da rádio e da televisão e que talvez pudesse acrescentar alguma coisa à sua leitura aprofundada dos jornais.

Quis o destino que eu não possa acompanhá-lo na sua última viagem, rumo à última morada. Mas foram tantas as viagens e os momentos em que o acompanhei e permanece tão viva  a memória desses 10 anos em que tive o privilégio de usufruir do seu convívio e da sua amizade que eles me bastam para lhe deixar aqui um imenso e saudoso adeus.

Recordo o dia em que me chamou a Belém e me disse o que esperava de mim: que fosse os seus olhos e os seus ouvidos. Sabia que eu vinha da rádio e da televisão e que talvez pudesse acrescentar alguma coisa à sua leitura aprofundada dos jornais. Foi assim que durante esses 10 anos eu lhe fiz diariamente resenhas escritas que lhe entregava ao fim do dia, a princípio interrogando-me sobre se o Presidente as leria. Logo, porém, fiquei a saber que sim, quando por algum motivo a entrega se atrasava e as reclamava…

Descobri no convívio diário a sua fascinante personalidade, a sua incrível  intuição para antecipar acontecimentos, a sua capacidade para perceber os sinais deixados por uma palavra, um olhar ou um gesto, o seu lado humano que o fazia interessar-se pelas pessoas que consigo trabalhavam. Percebi a solidão do Presidente nos momentos de  uma decisão mais difícil, quando depois de ouvir alguns de nós caminhava com o seu passo largo e bamboleante na varanda ou no jardim…

São suas, ideias e expressões que formataram e moldam, ainda hoje, o cargo presidencial, tais como a ideia do Presidente como “Moderador e árbitro”, o exercício da presidência como “Magistratura de influência” e as “Presidências abertas”, marca genial dos seus mandatos na aproximação do Presidente ao povo cuja matriz viria depois a ser seguida pelos seus sucessores.

Nesse tempo não tínhamos ainda a internet nem redes sociais. Nas longas viagens presidenciais era ao fax instalado no meu quarto de hotel (que não  me deixava dormir) que chegavam as páginas  dos jornais enviadas de Lisboa e que o Presidente devia conhecer antes de sair para o programa oficial. E à noite, no final da jornada, havia sempre tempo e vontade para um encontro informal com os jornalistas que o acompanhavam para lhes contar histórias do dia e outras extraordinárias dos seus anos de político e de homem do mundo que encantavam os presentes, tal a soma de pormenores e o seu estilo inconfundível de narrador.

Tantas memórias nesta hora da sua partida, meu querido Presidente e Amigo. Sei que foi feliz em tudo ou quase tudo o que fez. Escolheu ser o que foi e se muitos o criticaram, muitos mais o amaram. São assim os grandes homens: amam-se ou odeiam-se. Não há meio termo.

Obrigada pelo que me deu em amizade, confiança, saber, oportunidade. Obrigada pelo que deu ao nosso País. Obrigada por ter sido quem foi.

Da minha memória não partiu nem partirá. Até sempre!

Artigo publicado originalmente no blog VAI E VEM

Nota do Director

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