DO AVESSO
Donald Trump que não sabe apontar Espanha – e muitos outros países – no mapa, veio oferecer os seus ambíguos préstimos ao enlutado reino espanhol depois de mais um momento humilhante da história da humanidade.
Trump tem os seus negócios em marcha e os seus delegados operacionais, retirou-se das empresas e deixou-as nas mãos seguras de parentes e amigos – e continua a vender armas e a fabricá-las, em nome dos Estados Unidos da América, que teve sempre nesse segmento de negócio um dos principais vetores da sua economia.
Tudo o que Trump diz é epidérmico, superficial, pois o que esconde na realidade dérmica do seu poder é assustador.
A História do ser humano é a história do sangue derramado – mas também do sangue que evita derramar. Nessa perspetiva, é uma História bipolar, com as suas crises irregulares de depressão e mania, sim, maníaco-depressiva, como vamos vendo pelos efeitos visuais de uma imprensa vampírica, uma sociedade ávida de drama, uma incapacidade infinita de elevação humanista, atualmente em alta, desdenhosa do saber e tão profundamente ignorante que desconhece mesmo que não sabe quase nada, caracterizando com as suas ações e sobretudo com uma inação confrangedora (muitos limitam-se à velha prática da vizinha que grita contra os pingos da lixívia da roupa alheia, sem contudo vir à janela, dar a cara, ou investir num secador de roupa, em último caso) em muitos dos momentos dos nossos dias.
Se a guerra significava para muitos, a ruptura e a destruição da ordem de vida e do trabalho, um quotidiano caótico que vamos produzindo e um desemprego fatídico que vamos fomentando – cada pobre que se gera é mais riqueza para o rico que o gerou – veio fornecer-nos novos cenários: é a fraqueza com que exigimos eficácia às instituições que nos condena; a guerra é apenas um dos lados das rupturas e a destruição da ordem de vida é nosso apanágio e fomento. O desemprego, finalmente, é o poder dos empregadores.
A poetisa Adelia Prado, em versão escrita, poetizava e interrogava-se, numa forma estética que não deixa, mesmo assim, de reproduzir a bipolaridade do mundo, a sua essência, a dificuldade de atenuar o que nos violenta: “de que modo vou abrir a janela se não for doida? Como a fecharei, se não for santa”, dizia ela.
Fartos de doidos e santos, os habitantes do planeta, mesmo inconscientemente, pecaram (seja lá isso o que for) e reivindicaram sanidade (coisa que ninguém consegue saber muito bem o que é). Sobretudo, guardam rancor, pelas utopias que perderam, pelas ideologias que faliram quando foram entregues aos ditadores, que geriram os sonhos com novos formatos intolerantes e autoritários (duas palavras suaves para traduzir a demência de pessoas e atos). E agora se alguém ainda tinha dúvidas de que os assassinos desesperados do médio oriente e os seus representantes ocidentais – muitos dos atentados são perpetrados por ocidentais arregimentados, em regimentos não ideológicos nem espirituais, mas meramente de mercenários, até porque a mesquinhez humana incapaz da alteridade, diria – , se alguém tinha dúvidas de que nada têm a ver com compromissos do religioso, ou com o religioso, basta interpretar o que aconteceu nas últimas horas. Digo, nas últimas horas, porque uma outra característica do que somos na atualidade é essa incapacidade abjeta de admitir memórias, pelo medo das suas repercussões.
Subsiste manifestamente, em muitas zonas do globo, o problema da formação humana, da falta de cultura humanista, somando-se os problemas que impedem a integração num mundo plurinacional, multicultural, multiétnico, multirreligioso, humano.
Continuamos a enterrar mortos causados por assassinos desesperados mas sobretudo por agentes da morte muito bem pagos – mesmo quando morrem, as suas famílias são recompensadas – , mercenários que nos matam, a todos, não sabendo que a maior parte de nós tem a capacidade resistente que, se não nos faz imortais, nos permite pelo menos resistir sempre e ser sempre mais do que eles pensam. (Os que pensam, já que não é apanágio dos que agem assim).
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90