É da História que um ateu ou um pós-teísta sabe, em média, mais sobre religião do que um crente. É normal. O não-crente usa a sua perspectiva histórica para conhecer as crenças e entender porque 87 por cento da população mundial aceita um dogma. O problema dos ateus não é com a fé dos outros, mas sim com as Igrejas (braço político das religiões) e com o sistema de textos que as suportam.
Os dias que vivemos, em que uma breve referência dos terroristas a Portugal nos faz temer pela sossegada jorna, não são únicos nem novos. Há pelo menos quatro mil anos que andamos com esta ladainha atrás. O poder de assustar ou o poder de coroar vem sempre de uma base litúrgica com prelo atemorizador. Deus serve para tudo, por ser poderoso em doses infinitas e, por muito que o uso do seu nome em vão seja castigado, os crentes pouco aceitam esta condenação. Os judeus porque estão condenados à partida. Os cristãos porque já foram salvos pelo filho do homem. Os islâmicos porque estão cá a preparar o paraíso na Terra e vai tudo abaixo, se não for conforme.
Nada disto se mistura com a fé, que é um sentimento subjectivo e tantas vezes difuso. Pessoas com fé podem até responder “sei lá em que é que acredito” e continuar, no íntimo, a ter aquela sensação de protecção e propósito na vida, que as ajuda e leva a ajudar os outros. O drama está, ainda, que esta ideia de fé não seja ateia, isto é, sem um deus lá dentro.
Seria bem melhor que os crentes, seja qual fosse a confissão, se pusessem a crer que eles mesmos são o centro da sua crença e que a sua fé não é mais do que uma boa vontade e uma forma de estar em sociedade que, de forma geral, é boa.
O que estraga tudo é a política e a falta de conhecimento sobre quer os textos canónicos quer sobre o que já se sabe ser pura ficção nas escrituras – sejam elas de que monoteísmo for.
Um judeu ou um cristão terá dificuldades em explicar o que era o povo Hebreu. Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman bem tentaram provar que pouco ou nada nos velho e novo testamentos era verdade, pois a realidade histórica e as escavações profusas não confirmam as narrativas.
Se se mostrar a um radical islâmico a imagem de Maomé a receber os profetas, entre os quais Jesus, ou Isa, teremos de o questionar se rejeita a mensagem deste, contra quem agora atenta. Aliás, os islâmicos têm simpatia por Isa, que terá sido salvo da cruz pelo Pai celeste e estará a seu lado no momento de julgar os judeus.
Os textos canónicos e os apócrifos deverão aguentar mal o teste da História, da arqueologia ou da ciência, mas isso nunca demoverá os dogmáticos e desconhecedores das religiões de os usarem como instrumento de medo. A mensagem dos terroristas do Estado Islâmico contra o mundo, onde se incluiu Portugal, conclui-se assim: “O medo e o terror vão entrar nos vossos corações. O Ocidente vai perceber que, desta vez, o poder do Estado Islâmico é real e que, com a ajuda de Deus, vai cair e ser derrotado pelo Estado Islâmico. Os vossos aparatos de segurança vão ser incapazes de controlar a qualidade e precisão dos ataques”.
A ideia de Deus, sempre usada através do medo, mantém-se intacta, in saecula saeculorum, tal como outrora o lemos no Apocalipse 6:16-17: “E diziam às montanhas e aos rochedos: «Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que está sentado no trono, e da cólera do Cordeiro. Porque chegou o grande dia da sua cólera; e, quem poderá resistir?»”.
É a mesma coisa, mas agora em vídeo.
A necessidade de ateus saudáveis e pós-teístas descomprometidos é urgente. Nunca existiu uma guerra em nome do ateísmo. Do dinheiro e da religião, sim. Do poder, idem. Do ateísmo… não!
Nota: o cronista ausenta-se na próxima semana das suas crónicas diárias. Regressará a 11 de Abril, se deus quiser.