“Uma geração inteira ficará profundamente marcada pela pandemia e o Brasil precisará de múltiplas ações para superar as perdas de aprendizagem.”
Quatro em cada dez alunos da educação básica na rede pública de ensino correm risco de abandonar a escola por causa da pandemia do novo coronavírus. Isso é o que mostrou um estudo feito com pais e responsáveis de estudantes da rede pública e encomendado pela Fundação Lemann, o Itaú Social e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ao Datafolha.
“O efeito de longo prazo da covid-19 no Brasil será na educação. Uma geração inteira ficará profundamente marcada pela pandemia e o Brasil precisará de múltiplas ações para superar as perdas de aprendizagem. Isso deve ser prioridade para o país”,
disse Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann.
Segundo a pesquisa, o percentual de estudantes que não estão motivados com as aulas, que não estão evoluindo nos estudos ou que manifestaram a possibilidade de desistir da escola cresceu este ano, passando de 26% em maio do ano passado para 40% em maio deste ano.
A pesquisa ainda reforça o baixo e desigual acesso ao ensino remoto ou híbrido, com, por exemplo, oferta de plataformas educacionais. O cenário geral tem forte relação com a ausência de uma política federal do governo Jair Bolsonaro para a educação básica na pandemia, sobretudo com foco no combate a desigualdades, na garantia de conectividade e na estruturação para uma oferta educacional remota.
Mizne cita a necessidade de trazer alunos evadidos de volta à escola, acolhimento emocional para alunos e professores no retorno, ampliação do tempo de aula, atenção na transição para o 6º ano (quando já há forte abandono) e um programa econômico de apoio para alunos do ensino médio.
Esse problema é ainda maior para os estudantes negros: 43% deles manifestaram o desejo de abandonar a escola. Entre os brancos, o percentual foi de 35%.
O número também é maior para aqueles estudantes de famílias com renda mensal de até um salário-mínimo (48%) e para os que vivem em áreas rurais (51%). O risco cresce também entre os estudantes que vivem no Nordeste: 50% dos estudantes dessa região manifestaram falta de motivação ou intenção de deixar a escola. Na região Sul, isso corresponde a 31%.
“Há um ano, Nordeste e Norte estavam muito atrás em relação ao outras regiões em termos de oferta de algum tipo de atividade remota e, agora, chegam a índices muito próximos do resto do país”,
diz Patricia Mota Guedes, do Itaú Social.
Alfabetização
A pesquisa demonstrou ainda o impacto da pandemia na alfabetização das crianças. De acordo com os pais e responsáveis entrevistados no estudo, 88% dos estudantes matriculados no 1º, 2 º e 3 º ano do ensino fundamental estão em processo de alfabetização. Desse total, mais da metade (51%) das crianças ficou no mesmo estágio de aprendizado, ou seja, não aprendeu nada de novo (29%), ou desaprendeu o que já sabia (22%).
Entre os brancos, 57% teriam aprendido coisas novas durante a pandemia segundo a percepção dos responsáveis. Entre os negros, no entanto, esse índice cai para 41%.
Aula presencial
Segundo os pais e responsáveis entrevistados para o estudo, apenas 24% dos estudantes tiveram as escolas reabertas para aulas presenciais. Dos que tiveram a escola reaberta, 40% dos estudantes não retornaram para a aula presencial. Os dados mostram que há insegurança entre as famílias para o retorno. Quatro em cada dez estudantes que tiveram à disposição escolas reabertas, mesmo que parcialmente, não foram às unidades. O medo da pandemia aparece como a principal motivação.
A proporção de alunos pobres que tiveram a oportunidade de retornar as aulas (16%), mesmo que parcialmente, é menor que a metade da registrada entre alunos com maior renda (38%). É maior a proporção de negros e mulheres entre as famílias com alta vulnerabilidade, com menor acesso ao retorno, revelando assim o perfil dos maiores atingidos.
No retorno às escolas, 63% dos estudantes estão sendo avaliados para identificar as suas dificuldades, mas só 29% estão recebendo aulas de reforço. Há expectativa entre entidades representativas de profissionais de educação que com o avanço da vacinação, os professores podem voltar às salas de aula em agosto.
Para 86% dos pais e responsáveis, o desempenho escolar dos seus filhos antes da pandemia era ótimo ou bom e, agora, esse índice caiu para 59%. Esse baixo desempenho escolar é a principal preocupação dos responsáveis por crianças que não estão em processo de alfabetização.
As escolas começaram a fechar em março de 2020 e avançou o ano letivo com apostas no ensino remoto, prejudicado por problemas de conectividade e infraestrutura. A ventilação de salas é considerada inadequada em mais da metade das redes estaduais e municipais do país.
A pesquisa quantitativa foi realizada entre os dias 22 de abril e 21 de maio de 2021, com abordagem telefônica, com responsáveis por crianças e adolescentes com idades entre 6 e 18 anos da rede pública, em todas as regiões do país.
por Cezar Xavier | Texto original em português do Brasil
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