Como já recordei aqui, durante o Estado Novo o presidente de Câmara tinha um duplo estatuto: representava o Governo no concelho e presidia a um órgão colegial, que incluía uma vereação eleita indirectamente.
Ter a presidência é que interessa, o resto é paisagem
Tal como em outros aspectos, a Constituição da Republica Portuguesa aprovada em 1976 optou por um compromisso entre o que seria um instrumento de participação democrática – a eleição dos vereadores por sufrágio directo e representação proporcional – e o que terá parecido uma garantia de governabilidade – a designação obrigatória como Presidente do primeiro nome da lista mais votada para a vereação da câmara, podendo ser sucedido apenas pelos nomes seguintes da própria lista.
As competências próprias do Presidente foram sendo ampliadas, inclusive no quadro dos processos legislativos de transferência de atribuições e competências do Estado para as autarquias, mesmo quando as competências a transferir envolvem alguma sensibilidade política e não meramente administrativa como foi o caso – também já o recordei aqui – do direito de reunião e de manifestação, em que se criou uma situação confusa propícia à fuga às responsabilidades.
Como resultado desta presidencialite saiu prejudicada a participação e especialmente a aceitação de pelouros por parte das representações minoritárias (sobretudo quando ex-maioritárias e aspirando nas eleições seguintes a recuperar a presidência das câmaras) que se consideram mais posicionadas para uma fiscalização interna e para a obtenção de um mínimo de informação e não para uma acção que prestigie o trabalho do município e favoreça o bem estar dos munícipes(i). De outra maneira estariam a contribuir, pensam, para alargar, nas eleições seguintes, a sua própria cova. E acresce que facilmente a Presidência, controlando os veículos de comunicação municipais, pode condenar os vereadores não alinhados à invisibilidade e ao olvido.
Em 1997 uma revisão constitucional negociada entre o PS e o PSD permitiu que o Presidente da Câmara passasse a resultar da eleição para a assembleia municipal, mesmo que apenas com maioria relativa, e os vereadores passassem todos a ser da cor do Presidente, eventualmente da escolha pessoal daquele. Ficaria ratificada a prática jornalística de referir unicamente como “autarca” o Presidente, e esbater-se-ia a diferença entre um vereador e um director municipal.
Artigo 239 (Òrgãos deliberativos e executivos)
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O órgão executivo colegial é constituído por um número adequado de membros, sendo designado presidente o primeiro candidato da lista mais votada para a assembleia ou para o executivo, de acordo com a solução adoptada na lei, a qual regulará também o processo eleitoral, os requisitos da sua constituição e destituição e o seu funcionamento
Mas apesar de já termos estado “quase” lá, isto é, com existência de projectos pendentes no parlamento, a lei não foi alterada, podendo contudo sê-lo a todo o tempo.
Percebendo-se entretanto que os presidentes de câmara ganhavam assim influência suficiente dentro do concelho para serem candidatos naturais à reeleição(ii) lá se abriu uma época de caça aos “dinossauros” que impedia depois de concluído o terceiro mandato sucessivo uma nova recandidatura no período imediato.
A entrevista de António Cândido de Oliveira a Leonete Botelho (“Contra os ‘superpoderes” dos presidentes das câmaras, falta cidadania”) inserida no Público de 26 de Setembro último, fornece alguns temas de reflexão adicionais aos que tento colocar aqui.
Uma forma de desbloquear o sistema seria consagrar a eleição do Presidente da Câmara, de entre e pelos vereadores eleitos proporcionalmente. Favoreceria alguma instabilidade mas permitiria mais facilmente encontrar soluções mais ajustadas ao sentir das populações e incentivar a colaboração intracamarária. Repare-se no entanto que o texto constitucional não o permite.
A formação de coligações pré-eleitorais permitiria construir soluções negociadas, no entanto à esquerda rejeita-se, cabe dizer, estupidamente este tipo de possibilidade, preferindo-se apelar ao voto útil.
Estar de boas relações com o Governo por si só rende votos
A primeira Lei das Finanças Locais – Lei nº 1/79 – foi votada na Assembleia da República num momento em que se sucediam governos de iniciativa presidencial, e ninguém sabia para que lado isto ia cair.
Daí que se tenha votado a proibição de subsídios e comparticipações do Estado às autarquias locais, com muito poucas excepções.
As excepções foram sendo usadas e abusadas, as proibições foram sendo revistas e, à pala da revisão das atribuições das autarquias, muitos esquemas de “cooperação” foram sendo definidos.
Sempre esteve aliás em aberto a possibilidade de favorecimento ou punição relativa à instalação ou não num determinado concelho de um equipamento que continua a ser da responsabilidade da Administração Central e agora até a deslocalização de serviços públicos e de órgãos de soberania.
Quando se vê um Primeiro – Ministro a recrutar para o Partido de que é Secretário-Geral um Ministro (ou Ministra) de uma pasta técnica do seu governo é legítimo concluir que as garantias de imparcialidade do sector da Administração tutelado pelo recrutado (ou recrutada) ficaram, pelo menos parcialmente, enfraquecidas.
De novo os dramas da margem Sul do Tejo
Nos concelhos da margem Sul do Tejo / norte do Distrito de Setúbal voltou a imperar o discurso de que os concelhos não se desenvolvem por causa dos comunistas, e de que é preciso ter boas relações com quem esteja no poder em Lisboa
Recupero aqui a transcrição que já publiquei no Jornal Tornado em 11 de Março de 2020(iii) da intervenção oral de António Costa, então meramente Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, no Fórum de Políticas Públicas do ISCTE-IUL em 26 de Janeiro de 2012, com o título “Governação autárquica, concelhos e municípios”:
“O desenvolvimento do Plano Regional de Ordenamento do Território (PROT) foi um processo com resultados completamente diferentes. O que é que resultou da construção do PROT para a Área Metropolitana de Lisboa? Bom, cada ministro colocou lá todos os colocar sonhos que tinha para a Área Metropolitana de Lisboa, transportes, hospitais e escolas.
O Ministério das Finanças, por exemplo, procurou a valorização dos vários terrenos da margem sul que tinha diretamente ou através das várias empresas, de forma a procurar rentabilizar o património do Estado. Os municípios puderam também colocar todos os seus sonhos no PROT. O problema é que aquilo não era um PROT, porque não era possível ter o número de empresas, o número de emprego, o número de habitantes que se pressupunha que o PROT tivesse, já que a área metropolitana tinha deixado de crescer populacionalmente, e o crescimento económico previsto era irrealista.
E na verdade o que acabou por paralisar o PROT foi uma aliança de todos os municípios da margem norte contra os municípios da margem sul, visto que a estratégia de valorização dos terrenos do Estado apostava sobretudo nos concelhos de Almada, Barreiro e Seixal, onde o Estado tem imensos terrenos que queria valorizar e isso significaria o esvaziamento e destruição de toda a parte económica da margem norte da Área Metropolitana de Lisboa.”
Em 2017, já com António Costa como Primeiro Ministro o PS passou a deter as presidências das Câmaras de Almada e do Barreiro. No Seixal falava-se ainda neste mês de Setembro de 2021 do atraso do projecto do Hospital do Seixal, a construir na fronteira dos concelhos do Seixal e de Sesimbra, e cujo andamento estará bloqueado por uma impugnação judicial, e da necessidade de o Partido Socialista ganhar a Câmara para o Hospital avançar, pois que este é prioritário.
O PCP não recuperou Almada – manteve o número de vereadores e subiu 500 votos – nem o Barreiro, e até perdeu a emblemática Moita, o que mostra que não há territórios seguros. Mas na Lisbon South Bay manteve ainda o Seixal, o que merece alguma discussão, para a qual me julgo em condições de transmitir algumas impressões.
O Seixal de 2017 a 2021
As eleições no Seixal opuseram essencialmente as candidaturas do PCP/CDU e do PS.
A perda de maioria absoluta há 4 anos – 5 PCP/CDU, 4 PS, 1 PSD, 1 BE – funcionou como um sinal de alarme para a Presidência da Câmara, que com o Presidente, Vice-Presidente no anterior mandato passou a dar mais importância à possibilidade de trazer actividades para o concelho, realizar investimentos que em rigor estariam a cargo da Administração Central e comparticipar despesas de entidades com extensões no concelho mas de âmbito nacional, como a Liga dos Combatentes e, mais polemicamente, o Sporting Clube de Portugal e o Sport Lisboa e Benfica. O presidente Joaquim Santos, passou também, julgo, a ter mais cuidado de não aparecer como um títere do seu antecessor, “transferido” para a presidência da assembleia municipal e que manteve um gabinete na câmara.
As embrulhadas derivadas de financiamentos, antes de mais as relacionadas com a utilização das novas instalações dos serviços centrais – e que andaram pelo Tribunal de Contas – terão sido resolvidas durante o mandato.
O Boletim Municipal, mensal, passou a ser impresso a 76,8 mil exemplares e enviado pelo correio a todos os clientes de distribuição de água do município. Cada iniciativa no terreno ou evento significativo é coberta objecto de cobertura pelo Boletim e menciona o Presidente ou o Vereador que estiveram presentes. Num dos números contei 19 menções do nome do Presidente, o que não deixa de ser qualificável como ridículo. Ressalve-se que as páginas de cultura e outras estão libertas desta preocupação, que os assuntos são diversificados, e que a linguagem não é agressiva. As actividades dos órgãos são referenciadas e remetidas para maior desenvolvimento no site do município. Mas a actividade dos vereadores sem pelouros é mantida invisível.
Julgo que Eduardo Rodrigues, candidato do PS, aliás mais fotogénico que o seu rival, teve alguma razão em, ressentido com o Boletim Municipal ter feito uma participação à Comissão Nacional de Eleições, que, com o apoio do Tribunal Constitucional, mandou retirar o número de Agosto do Boletim. Veremos se o Ministério Público promove um processo crime ao presidente cessante – agora reeleito – por violação do dever de neutralidade. No entanto, embora me pareça evidente que um futuro Estatuto Editorial do Boletim deverá promover a nomeação de um Director interino durante os períodos eleitorais, neste caso o Boletim de Agosto – e o de Setembro – foi apenas business as usual.
Antes do 25 de Abril é que era bom?
Tendo André Ventura batido João Ferreira nas presidenciais entre os eleitores do Seixal, percebe-se que PSD e PS pensassem que bastaria carregar na tecla do “comunismo” para obter resultados.
O PSD, que até produziu um programa eleitoral digno de atenção, preferiu inicialmente que falassem dele carregando a nota: várias “rebeldias” tiveram eco na comunicação social como a colocarem a fotografia de Mao e aludirem aos supostos anos dos seixalenses a comerem arroz. Mas o facto é que o PCP não teve à época empatia com o maoísmo, o único líder maoista português reconhecido pela China (Heduíno Gomes, dito Vilar) se veio a acolher ao PSD e que um tal Durão Barroso ainda não foi esquecido.
O PS que, neste contexto, poderia ter jogado num registo de moderação, quis ser ainda mais radical para concitar o voto útil da direita, difundido desde o início num grupo do Facebook animado por pessoas de vários partidos e que reivindica 18,7 mil membros , o seguinte apelo
47 ANOS DE COMUNISMO NO SEIXAL
- 47 anos de desinvestimento no Concelho
- 47 anos de despesismo inútil
- 47 anos de negócios obscuros
- 47 anos a enriquecer o PCP
- 47 anos de obras “cosméticas” em tempo de eleições
- 47 anos de favores à festa do avante com os nossos impostos
- 47 anos de caciquismo
- 47 anos de culto da imagem no Boletim Municipal
- 47 anos de outdoor’s por todo o lado
- 47 anos de promessas eternamente adiadas
- 47 anos de infestação de baratas
- 47 anos de poluição na Baía do Seixal
- 47 anos de desaproveitamento das características naturais do Concelho
- 47 anos de obras fundamentais paradas
- 47 anos de taxas, taxinhas e impostos altos
É tempo de derrotar o Comunismo.
Abstencionistas: Votem! Mas votem bem! Ou seja, na única força capaz neste momento de derrotar a CDU: o candidato PS, Eduardo Rodrigues.
Qualquer voto diferente será um voto desperdiçado no que é mais importante: TIRAR O COMUNISMO DO PODER!
Esta dos 47 anos da Festa do Avante abrange os tempos de realização da Festa na FIL, Alto da Ajuda e Loures….mas mesmo deixando isto de parte tem de se concluir que antes do “comunismo” não havia baratas, poluição na baía do Seixal, etc.
Para outro socialista mais “moderado”, o PCP “oprime” o concelho há apenas 45 anos.
Para que conste, um dos administradores deste grupo, da mesma área política, juntou em 26 de Agosto, este mimo relativo à deputada Joacine:
O que é que a joacine anda a querer catar na nossa terra ? Quando é que é expulsa ?
Se os Portugueses não descobrissem a terra dela, vivia numa palhota como o povo dela, infelizmente.
Como pode vir para Portugal e querer mudar a história do povo Português?
Eh pá »»» Lady Gága, desaparece e vai para para o teu País e vê lá se ganhas lá o que que te pagam aqui.
SIM, SOMOS NÓS QUE TE SUSTENTAMOS.
VAI-TE KATAR.”
Apesar destes esforços para, parece, dar a entender ao eleitorado do Chega que o PS não só é um inimigo do “comunismo” mas partilha outras das suas causas, está com ele, a votação no PSD reduziu-se em relação a 2017 e o Chega obteve um vereador na Câmara do Seixal, que ficou com a seguinte distribuição; PCP / CDU – 5, PS – 4, PSD – 1, Chega – 1.
Não é que a votação do BE tenha passado para o Chega: depois do falecimento do vereador inicialmente eleito, homem prestigiado nas causas sociais, o BE parece ter tido alguma dificuldade em reencontrar-se e os números sugerem que, neste contexto de polarização, uma parte dos votos do BE foi reforçar a votação da CDU.
Em próximo artigo tentarei prosseguir a apresentação das minhas impressões sobre o caso do Seixal.
Oi Seixal Limpo?
Notas
(i) Parece ter sido essa a estratégia do PCP em Almada de 2017 até hoje, recusando os pelouros que Inês de Medeiros lhe quis atribuir.
(ii) O Partido Socialista nas eleições de 2017 decidiu que um presidente que se quisesse recandidatar seria naturalmente apoiado pelo partido…mesmo que fosse do PSD! Dai o caso Valdemar Alves de Pedrógão Grande, que foi reeleito em 2017 passando do PS para o PSD.
(iii) A irreversibilidade (psicológica) do projecto do Aeroporto do Montijo