O banco, com 146 anos, é tão grande e tão precário que é considerado o único e maior risco sistémico para a finança global. Como chegou a esta situação?O Der Spiegel, com base em entrevistas feitas a actuais e antigos dirigentes de topo, traça um retrato intransigente de arrogância, ganância e má gestão, há décadas.
Na maior parte dos seus 146 anos, o DB foi a personificação dos valores germânicos: fiável e seguro. Agora, a outrora orgulhosa instituição, enfrenta o abismo. O Spiegel conta como a apressada corrida do Deutsche, nos anos 90, a aliar-se à elite da banca mundial abriu caminho para a sua própria queda.
“Ganância, provincianismo, cobardia, agressividade não orientada, mania, egoísmo, imaturidade, mentira, incompetência, fraqueza, orgulho, lentidão, decadência, arrogância, necessidade de afirmação, ingenuidade: se procuram palavras que expliquem a queda do DB, podem escolher à vontade, e com toda a razão, de entre a lista descrita”.
O banco, 146 anos após a sua fundação, tornou-se o alvo de todos os tipos de comentários pejorativos, e não apenas de observadores externos. Todos os termos acima descritos foram usados nas entrevistas feitas, durante meses, ao relatarem-se as causas da queda da maior instituição financeira da Alemanha. Surgiram no decurso de várias horas de entrevistas com quatro CEO do Deutsche, três anteriores e um ainda em funções. E foram proferidas em entrevistas com outros oito gestores bancários seniores e administradores, conduzidas no decurso de vários anos, desde os anos 90 até hoje, e em reuniões com importantes empresários que conhecem bem o banco e ainda em encontros com importantes accionistas.
Acima de tudo, as palavras depreciativas surgem frequentemente em entrevistas com os que trabalharam ou ainda trabalham no banco como consultores de serviço ao cliente, gerentes de balcão ou em funções mais baixas. O que o Spiegel descobriu no decorrer dessa miríade de entrevistas – em conjunto com as horas dispendidas a analisar os balanços bancários, milhares de páginas de arquivos, actas de reuniões de comissão e material de arquivo – foi que o colapso do DB é o resultado de anos, décadas de má liderança, culminando numa total perda de controle da empresa pelos seus administradores, entre 1994 e 2012.
É a história de como Hilmar Kopper, Rolf E. Breuer e Josef Ackermann, os gestores do Deutsche Bank, durante esses anos fatídicos, na verdade, se precipitaram num aglomerado de bancos de investimento Anglo-Americano antes de Anshu Jain, o seu príncipe, ter atingido o topo e ter gasto mais três anos a conduzir o banco para o precipício, a toda a velocidade.
Ainda segundo o Spiegel, é também a história de como estes génios bancários, em conjunto com numerosos outros membros dos conselhos de administração e de supervisão se mantiveram alheados, enquanto Jain e os muitos outros heróis do novo investimento bancário transformaram a séria e sensata instituição financeira alemã para servir os seus próprios objectivos – saqueando-a e roubando-lhe a própria alma – sem deixar para trás um banco melhor e mais forte.
Apesar de o DB estar a perder rapidamente valor, é ainda visto hoje como o maior risco sistémico para o mundo financeiro global. Cada detalhe do seu declínio é controverso, em parte porque o mundo financeiro ainda considera normal que ninguém assuma responsabilidade por nada senão por eles mesmos. Todos estão mais preocupados a abrilhantar o mais possível o papel que desempenharam e a apresentar as decisões que tomaram como as únicas possíveis na altura.
Desempenho sem paixão
E há pessoas que merecem ser culpabilizadas: os porta-vozes do conselho de administração, altos membros de gestão e consultores da administração, ao longo de vários anos. Os seus erros de gestão não foram o resultado de incompetência profissional, uma vez que os envolvidos eram e são muitíssimo credenciados, muitas vezes reputados profissionais com um elevado grau de experiência. A causa dos seus erros reside noutros factores culturais e de disposição psicológica.
A falta de ” germanidade” do DB teve também um papel significativo ao longo dos anos, como se os seus gestores se quisessem libertar da reputação alemã de provincianismo – e passaram de tal forma os limites que as consequências ainda hoje se fazem sentir. Porque, uma vez expurgado tudo o que, no banco, fosse alemão, ele subitamente ficou indefeso e vazio, sem sentido e confuso.
Pode parecer estranho dizer que um banco precisa de uma casa, como de um forte mercado doméstico, mas o nome do Deutsche Bank tem peso no mundo. Os clichés sobre a supremacia, eficiência e competência dos alemães existem na Ásia e na América. É uma imagem que o Deutsche Bank promoveu desde sempre, mesmo depois de os seus altos gestores começarem a deixar claro a funcionários e clientes que consideravam as origens provincianas do seu banco um pouco embaraçosas. Foi uma altura em que o trabalho os fazia circular entre Singapura e Los Angeles, Cidade do Cabo e Pequim – e quando as necessidades da elite global eram mais importantes para si do que para os que estavam em casa.
Recentemente, John Cryan, o novo CEO do banco apresentou um relatório trimestral surpreendentemente positivo. O banco apresentou um lucro de 256 milhões de euros, ao contrário das expectativas dos analistas de um prejuízo de 949 milhões de euros. Ainda assim, o banco deixou para trás uma cenário de “escombros” que ainda não limpou. E os analistas andam nervosos. A situação vai acalmar-se? Ou vai piorar?
Mas, embora as pessoas se foquem nas perdas recentes do banco, o seu declínio não começou ontem, nem em 2007 ou 2008, mas é um pesadelo com mais de 20 anos. Numa reunião da filial de Madrid, em Junho de 1994, Hilmar Kopper, o então presidente do conselho de administração do Deutsche Bank, decidiu, em conjunto com uma série de altos gestores, transformar o conceito criado em Frankfurt, num banco de investimento a operar globalmente. Esta decisão pretendia impulsionar o banco, mas, após uns bons anos, iniciou-se a queda que continua até aos dias de hoje, pode ler-se no artigo do Spiegel que vimos acompanhando.
Uma visita à reunião de accionistas de 2016
Na manhã de 19 de Maio de 2016, os investidores, maioritários ou não, do Deutsche Bank reuniram-se no centro de convenções de Frankfurt. Lamentavam-se de ficarem cada vez mais pobres. O banco ainda não estava bem. Os accionistas encaminhavam-se para as entradas principais. Atrás, os VIPs chegavam em limusinas – altos gestores e administradores, ocupados a comentar quanto o ano tinha sido mau.
A instituição tinha perdido 6.8 mil milhões de euros e estava enterrada, ameaçando a sua própria existência. Paul Achleitner, presidente do conselho de supervisão, recebeu um aplauso sarcástico quando subiu ao palco, mas, mesmo assim, fez um discurso auto-satisfatório. Parecia bem disposto e, no final do discurso, disse que valia a pena lutar pelo Deutsche Bank. Para ele, pelo menos, isso era, sem dúvida, verdade.
Seguiu-se Jürgen Fitschen para se despedir – e o seu discurso mereceu escassos aplausos. Durante anos, décadas, fizera parte da gestão superior do banco, em locais como Banguecoque, Tóquio, Singapura e Londres. Por fim, tornou-se vice-CEO com Anshu Jain e conduziu a “mudança cultural” do banco, nos últimos quatro anos. Sempre pareceu ser a última fonte de respeitabilidade do banco, contudo, naquele dia, estava demasiado pálido.
A campanha da “mudança cultural” do banco significou um regresso aos valores, um aviso de que a história do banco podia ainda ser inspiradora, mas, ao coincidir com uma corrente de processos judiciais e pedidos de indemnização, esse termo foi visto como uma brincadeira de mau gosto. O discurso de Fitschen foi vaiado, um homem na audiência gritava-lhe, mas não se entendia bem o que dizia, descreve a conceituada publicação alemã.
Como foi possível que uma empresa destas ficasse à beira do precipício? Os representantes dos accionistas subiram ao palco, exibindo os resultados, perante uma casa cheia. Usaram expressões como “caçadores de ratos” e “Augean Stables,” uma referência ao Quinto Trabalho de Hércules, em que ele foi obrigado a limpar o lixo dos estábulos do rei (Augeus, e a atirá-los para o rio Alfeu).
Estes homens zangados falaram para além dos oito minutos que lhes tinham sido concedidos e acusaram os gestores de terem criado uma atmosfera que causara a fraude. Disseram que o banco fora afectado por décadas de má gestão e que necessitava de uma restruturação. Censuraram os gastos e escarneceram da “mudança cultural.” De facto, esta não foi muito diferente das anteriores reuniões de accionistas. E, depois, chegou o almoço – tempo para os intervenientes se acalmarem frente a buffets bem abastecidos.
John Cryan, o CEO careca do banco, presidiu ao evento. Era melhor orador que Achleitner ou Fitschen e tinha uma presença calma. Falou em alemão, como se esperava do chefe do Deutsche Bank – e algo que apenas um CEO, Anshu Jain, o cosmopolita de Londres, se recusava fazer. Na última reunião de accionistas a que presidiu em 2015, os seus discursos eram traduzidos – um sinal, como todos percebiam, de profundo desprezo pelo que aqui se refere como “cultura alemã”.
Fonte: Der Spiegel