Os universos políticos-mediáticos, confrontados com as evoluções das realidades, tendem a produzir “narrativas” para “explicar” e explorar tais evoluções.
Umas vezes, essas “narrativas” são meramente pontuais, de circunstância, e breve desaparecem, mas podem também (embora aconteça menos) tornar-se dominantes e mesmo hegemónicas. O drama acontece quando políticos e ‘opinion makers’ passam a acreditar nas “narrativas” de conveniência que eles próprios inventaram e a tomá-las como palavra sagrada. Está a acontecer agora.
Depois da queda do Muro e do célebre e infeliz “fim da história”, impôs-se a hegemonia de uma “narrativa” criadora das mais líricas ilusões e geradora dos mais perigosos erros. A coisa dizia que as “democracias liberais” (seja lá isso o que for…) eram o supra-sumo da evolução histórica da humanidade e que rapidamente os Estados ainda entregues a partidos únicos (como a China e outros) ou com regimes “musculados” (como a Rússia e outros) iriam, inevitavelmente, evoluir para “democracias liberais.
Sobretudo porque, com o desenvolvimento económico induzido pela abertura de mercados e entradas na OMC ,essa evolução era uma coisa óbvia e natural… Enfim, era o”progresso” a chegar a todos os cantos do mundo. Íamos, finalmente, viver num mundo sem conflitos de maior (apenas umas coisitas residuais, ali ou acolá), com pessoas, bens e capitais a circular livremente, as fronteiras passavam a figurar apenas nos compêndios de história e como toda a gente é simpática e gentil isto ia ser o melhor dos mundos.
Um ideólogo francês, então, muito na moda, cunhou mesmo a expressão “globalização feliz”… E, já no início deste século, tivemos até o caricato episódio do “nation-building”, uma espécie de remake da “revolução permanente” de Trotsky, levado à cena, em territórios do Médio Oriente, por discípulos do “profeta mal armado” degenerados em neo-conservadores.
É claro que nem toda a gente embarcou na cantiga. Estrategistas mais lúcidos explicaram (mas cuidadosamente e com palavras bonitas) que a coisa era uma patetice, alguns (poucos) ‘opinion makers’ torceram o nariz, políticos da esquerda de governo (não muitos) denunciaram um “desenfreado e estúpido neo-liberalismo” ao serviço da “financialização” da economia mundial, mesmo alguns conservadores houve que manifestaram desconforto mas a todos respondeu a hegemonia da”narrativa” neo-liberal com uma única palavra: TINA (there is no alternative).
Esta fantasia recobria, porém, uma realidade menos lírica. E um dia… A 11 de Setembro de 2001, a queda das Torres marcou o fim de uma época. No colapso das Twin Towers não foram só milhares de pessoas que morreram, foi também a idade das ilusões. Mesmo se o momento do funeral (que está a prolongar-se por anos…) só chegou em Setembro de 2008.
A crise económica estrutural aberta no fim do Verão de 2008 rapidamente se tornou uma crise social (com a fragmentação das sociedades ocidentais e o estilhaçar dos seus pactos sociais) e uma crise política (com as elites políticas reinantes a mostrarem-se incapazes de se libertar do abraço de cumplicidade com os seus amigos financialistas). A revolta dos eleitorados e a ocupação de praças e rotundas têm sido a mais visível das consequências dessa fragmentação, desse estilhaçar e da impotência e desorientação das elites políticas reinantes.
Com as revoltas dos eleitorados (que transportavam para as urnas e para as ruas a fragmentação social e o estilhaçar dos pactos sociais) iniciou-se uma fase de fragmentação nos próprios campos das instâncias políticas. Fartos do estúpido ordo-liberalismo alemão da senhora Merkel, os ingleses recordaram-se que tinham ganho a II Guerra à Alemanha e iniciaram, com o seu Brexit, o processo de fragmentação da “Europa”. Os Estados europeus, recentemente libertados da férula da URSS, sentiram que não se tinham libertado do império soviético para cair sob hegemonia alemã e iniciaram uma resistência aos diktats de Berlim e foram, logo, chamados de “democratas iliberais” ou, abreviadamente, de “iliberais”. Nos EUA, a tribo politicamente correcta e defensora da “globalização feliz” de Obama caiu aos pés de um Donald Trump, derrotada pelo proletariado branco, os “deploráveis” do “white trash”. Agora, na Itália, a extrema-direita está no governo, coisa nunca vista desde 1944… And so on, a coisa continua.
Isto é, a impotência das classes políticas reinantes, em 2008, para se libertarem dos braços e abraços dos “financialistas” seus amigos deu azo a uma crise política, no Ocidente, que se tem prolongado por todos estes anos e está ainda bem longe do seu terminus. Nos próximos anos, as surpresas (surpresas mas apenas para quem gosta de ser surpreendido e acredita em “narrativas”) vão continuar.
Este fenómeno de rejeição das elites das “democracias liberais” ganhou já tal dimensão que nem a muito politicamente correcta Time o consegue ignorar, como se vê na capa da sua edição de meados deste Maio 2018 dedicada à “Rise of the Strongman”… Apertem bem os cintos, não se esqueçam dos suspensórios e coloquem os cintos de segurança… Ah, e não se esqueçam dos para-quedas! 2019 vai ser um ano muito interessante…
“In every region of the world, changing times have boosted public demand for more muscular, assertive leadership. These tough-talking populists promise to protect ‘us’ from ‘them’,” Ian Bremmer wrote in his article. An American columnist, Ian Bremmer, teased the next cover of TIME magazine’s Asia edition showing an illustration of four world political figures, the most prominent of which is an image of Russian President Vladimir Putin, for its May 14, 2018 issue. The three other figures on the cover are Hungarian Prime Minister Viktor Orbán, President of Turkey Recep Tayyip and the Philippines’ leader, Rodrigo Duterte.