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Sábado, Dezembro 21, 2024

Casaldáliga, uma voz que permanece

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

Na manhã deste sábado (8), o bispo Pedro Casaldáliga despediu-se da vida. Mas seu exemplo de luta permanece.

Bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), Pedro Casaldáliga era avesso ao uso do nobilitante Dom à frente de seu nome – preferia ser chamado com o nome Pedro, acentuando sua igualdade com todos os demais, não importando cargo ou posição.

Este foi Pedro Casaldáliga que, na manhã deste sábado (8) despediu-se da vida, aos 92 anos de idade.

Uma vida dedicada aos humildes, à luta pela justiça, ao combate à desigualdade social, contra a opressão. Há mais de 50 anos (em 1968), ele se mudou para a Amazônia, onde lutou contra o latifúndio e o roubo de terras de índios, camponeses, ribeirinhos – o povo pobre do qual foi o grande defensor.

Ele atuava como jornalista do “L´Osservatore Romano”, no Vaticano quando, em 1967, Ernesto Che Guevara foi assassinado na Bolívia, e essa morte o marcou muito – como Che, Pedro sofria de asma e o impressionou como um homem, de saúde frágil, como ele, enfiou-se pela mata na luta contra a opressão. Decidiu então mudar-se para a Amazônia, e fixou-se em São Félix do Araguaia no ano seguinte, 1968.

Deixou sua admiração registrada no poema Che Guevara, de 1978 onde o comparou a Jesus Cristo:

“me chamou também tua morte
desde a seca luz de Vallegrande.
Eu, Che, prossigo crendo
na violência do Amor: tu próprio
dizias que ‘é preciso endurecer-se
sem perder nunca a ternura’”

(Pedro Casaldáliga, “Antologia Retirante”, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1978).

 

No terceiro ano desde que estava e, São Félix, foi tornado bispo – e assinalou esse novo passo na hierarquia católica com um importante documento de luta contra o latifúndio, a carta pastoral “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”, divulgada em 10 de outubro de 1971. Que, em seus primeiros parágrafos, dizia a que vinha: “se ‘a primeira missão do bispo é a de ser profeta’ e ‘o profeta é a voz daqueles que não têm voz’ (card. Marty – cardeal François Marty, arcebispo de Paris), eu não poderia, honestamente, ficar de boca calada ao receber a plenitude do serviço sacerdotal”.

Carta de denúncia dos crimes do latifúndio que logo se tornou ferramenta na luta clandestina contra a ditadura militar de 1964, circulando às escondidas, em cópias mimeografadas entre os lutadores contra o regime dos generais.

Generais que ameaçaram sua presença em São Félix, despertando a hierarquia católica em sua defesa – desde o cardeal de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, até o papa Paulo VI, que mandou aos generais de Brasília o recado de que mexer com Casaldáliga será como mexer comigo!

Pedro foi sempre uma voz mansa, firme e poderosa, em defesa de posseiros, índios, peões, da gente humilde, principalmente da Amazônia. Tinha a aparência e a saúde frágeis – e, numa ocasião, disse a um repórter com quem viajou de carona para São Paulo: posso não ter forças para o trabalho pesado, mas consigo carregar os machados, levar água ou comida para os camponeses, e esta é uma maneira de ajudá-los em seu trabalho.

Pedro era modesto, e descrevia assim seu ação – mas ela ia muito além, levada pela força e potência de sua voz.

Voz que se calou, nesta manhã, vencida por uma doença respiratória – mas que permanece naqueles que aprenderam com seu exemplo de luta.


Texto em português do Brasil


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