Diário
Director

Independente
João de Sousa

Domingo, Setembro 1, 2024

Boccioni

Yvette Centeno
Yvette Centeno
Licenciou-se em Filologia Germânica, e e doutorou-se com uma tese sobre A alquimia no Fausto de Goethe. É desde 1983 Professora Catedrática da Universidade Nova de Lisboa, onde fundou o Gabinete de Estudos de Simbologia, actualmente integrado no Centro de Estudos do Imaginário Literário.

Há ali, no quadro do Luto, um rodopio circular, um tumulto que pode ser de vertigem de alma e que nesse exagero cumpre os novos ditames de uma arte que se quer diferente: forte, como dizia Boccioni no texto que citei abaixo, de crítica a Picasso.

A propósito deste futurista vale a pena comparar estes seus quadros: um em que pretende exprimir o dinamismo de um ciclista, Le Dynamisme d’un Cicliste, e por essa via, do movimento veloz, afirmar-se como inovador; outro, intitulado Le Deuil, O Luto, anterior (é de 1910, mas já o futurismo com Marinetti e os seus Manifestos se auto-proclamara como a grande revolução do século) e por fim o retrato de 1910-1911, intitulado Ídolo Moderno com as marcas de um fauvismo colorido ainda muito presente, embora já prenunciando o que seria a violência maior do expressionismo; as cores são contrastantes, intensas, e a fixidez do olhar da mulher pode prenunciar um distúrbio latente, o da loucura da época; assim como no quadro do Luto foi possível, na sua distorção, exprimir melhor o desgosto sofrido.

Não são quadros realistas, são expressionistas porque é a expressão que conta, é a emoção, ainda que disforme, que se transmite ao nosso olhar.

Há ali, no quadro do Luto, um rodopio circular, um tumulto que pode ser de vertigem de alma e que nesse exagero cumpre os novos ditames de uma arte que se quer diferente: forte, como dizia Boccioni no texto que citei abaixo, de crítica a Picasso.

Mas vale a pena ainda estudar um outro quadro, compreender o que ele pretende e de que modo evolui, estilizando, a sua visão do mundo, do que chamará a obra inovadora, pela sua “força”, pela sua “energia”: trata-se, também de 1911, de As Forças de uma Rua.

Tudo ali se geometriza, se verticaliza de um modo ascendente que conduz o olhar a uma luz que supõe uma construção erguendo-se à luz da electricidade ou de alguma lua misteriosa tornando a rua um palco de formas sobrepostas (de modo quase atabalhoado na sua precipitação): o efeito é de surpresa e confusão, como acontece numa rua de excessivo movimento por onde se circule à noite.

Só pedras, só escadas, só maquinaria: o progresso de que a humanidade pouco a pouco se ausenta.

Receba a nossa newsletter

Contorne o cinzentismo dominante subscrevendo a nossa Newsletter. Oferecemos-lhe ângulos de visão e análise que não encontrará disponíveis na imprensa mainstream.

- Publicidade -

Outros artigos

- Publicidade -

Últimas notícias

Mais lidos

- Publicidade -