A frase cómica de um dos personagens da novela “A Senhora do Destino” (2004) – o bicheiro Giovanni Improta, interpretado pelo saudoso José Wilker – sintetiza à perfeição o novo momento político do Brasil que hoje se inicia com a investidura de Jair Bolsonaro na presidência da república.
Quem a lembrou, em declarações à imprensa, foi o próprio vice-presidente, general Hamilton Mourão, que não se tem inibido de expressar pontos de vista divergentes com os de Bolsonaro, apressando-se a deitar água na fervura sempre que o capitão na reserva, agora na chefia do Estado, cede aos impulsos populistas que o caracterizam e solta o verbo mais do que o necessário.
O militar – um dos sete de alta patente dos diferentes ramos das Forças Armadas que Jair trouxe para o núcleo duro do Planalto como uma espécie de rede de segurança para o que der e vier – tem toda a razão: os problemas do Brasil são da dimensão do país e o tempo é escasso.
Uma das maiores dificuldades pode aliás vir a ser o próprio Bolsonaro, que parece não se ter ainda dado inteiramente conta de que a sua eleição, embora naturalmente legitimada pelo voto da maioria que foi às urnas, está longe de significar que o país inteiro comunga em pleno das suas atitudes e pontos de vista de extrema-direita.
Como lembra hoje o jornal “Estado de São Paulo”, “dos 147,3 milhões de eleitores, 57,7 milhões (39,2%) votaram no novo presidente e 89,3 milhões (60,8%), não. Entre estes, 42,5 milhões, quase um terço, não votaram nem em Bolsonaro nem em seu adversário do segundo turno, Fernando Haddad, do PT.”É certo que, segundo as sondagens mais recentes, 65% “botam fé” no novo governo. Mas essa expectativa positiva sempre se verifica no começo de um novo mandato e é, em todo o caso, menor do que aquelas que tiveram FHC, Lula e Dilma.
Por outras palavras – a eleição de Bolsonaro não significa que o país lhe tenha dado um cheque em branco. Além disso, o regime democrático instituído pela Constituição de 1988 (a “Constituição Cidadã”) está em pleno vigor e muitas das propostas do novo presidente, além de precisarem de ser negociadas com o Congresso, estarão também sob escrutínio do Supremo Tribunal Federal.
Bolsonaro dá indícios de que seguirá o exemplo de Trump, procurando comunicar-se com o país prioritariamente através das redes sociais – onde ganhou as eleições em processo que poderá ter sido ilegal e está sob investigação – evitando os media tradicionais. Essa tentativa de estabelecer um canal direto com a massa do povo é própria dos líderes populistas e Bolsonaro já mostrou que domina o género. De alguma forma ele é até, pelo uso das expressões vernáculas – o contraponto de Lula, agora à (extrema)-direita. Dessa forma tentará obter apoio para exercer pressão política sobre o Parlamento. Mas não é garantido que a tática resulte, podendo inclusive – aqui como nos EUA – criar mais anticorpos à sua governação.
De qualquer forma, liberal na economia e conservador nos costumes, Bolsonaro inaugura uma nítida viragem à direita no Brasil, pondo termo a 22 anos de hegemonia partilhada entre a esquerda e o centro-esquerda (governos FHC e Lula/Dilma). E isso, só por si, já é uma enorme mudança – fazendo cair preconceitos e resistências ideológicas que pareciam consolidadas contra as privatizações e em favor da retração do Estado na economia.
Resta saber se a viragem se irá consolidar. Para tal, o novo governo terá, entre outras coisas, de criar incentivos que estimulem rapidamente a atividade económica por forma a diminuir o desemprego, que hoje abrange mais de 12 milhões de pessoas e é uma das principais preocupações da população, a par da segurança, saúde, educação, defesa do meio ambiente, luta contra a corrupção e o crime organizado.
Para atender a todos esses fogos, seriam necessárias mais verbas, mas as contas públicas estão no vermelho e para as sanear o governo terá de fazer a curto prazo uma reforma da Previdência (a que terá de seguir-se uma reforma fiscal) – assunto sempre muito sensível que pode rapidamente gerar amplo descontentamento. Sobretudo se a(s) reforma(s) que for(em) apresentada(s) poupar(em) setores privilegiados como são, entre outros, os militares, que Bolsonaro representa e tanto defende.
Enfim, como diria o famoso Giovanni Improta lembrado pelo general Mourão, “O tempo ruge e a Sapucaí é grande…”