Discurso da administração de Bolsonaro contra os direitos humanos começa a se concretizar em medidas nos primeiros meses de governo, afirma Amnistia Internacional.
A Amnistia Internacional lançou nesta terça-feira a acção ‘Brasil para todo mundo’ e apresenta em Brasília preocupações e recomendações ao governo federal.
Quase cinco meses após o início do novo governo, a Amnistia Internacional lança nesta terça-feira (21 de maio) a acção “Brasil para todo mundo”, em que apresenta suas principais preocupações no país desde o início da administração de Jair Bolsonaro e lança um alerta: o discurso anti-direitos humanos que marcou toda a trajectória política do presidente, inclusive a campanha eleitoral de 2018, está começando a se concretizarem medidas e acções que ameaçam e violam os direitos humanos de todas as pessoas no Brasil.
“Em outubro de 2018, logo após o fim do processo eleitoral, alertamos que as posições de Bolsonaro representavam um risco concreto para os direitos humanos no país. Temos acompanhado atentamente seu governo, e, infelizmente, nossa preocupação começa a se justificar: o governo de Bolsonaro tem adoptado medidas que ameaçam o direito à vida, à saúde, à liberdade, à terra e ao território de brasileiros que, estejam no campo ou na cidade, desejam uma vida digna, e livre do medo”, afirma Jurema Werneck, Diretora Executiva da Amnistia Internacional no Brasil, que completa: “São medidas que podem afectar milhões de pessoas. E, para nós, um país justo não exclui seus cidadãos. Um Brasil justo é um Brasil para todo mundo”.
As medidas e acções do governo de Jair Bolsonaro listadas pela Amnistia Internacional como fonte de preocupação na acção lançada nesta terça-feira são:
- a flexibilização da regulação sobre o porte e a posse de armas, que pode contribuir com o aumento do número de homicídios no Brasil;
- a nova política nacional sobre drogas, que eleva o carácter punitivo de tais políticas e atenta contra o direito à saúde;
- o impacto negativo sobre directos de povos indígenas e quilombolas;
- a tentativa de ingerência indevida no trabalho das organizações da sociedade civil que actuam no Brasil;
- diversas disposições do pacote anticrime (como, por exemplo, a flexibilização da regulação da legítima defesa para o uso da força e de armas de fogo por parte da polícia);
- medidas contrárias aos direitos das vítimas à verdade, justiça e reparação pelos crimes de direito internacional cometidos pelo Estado durante o regime militar;
- ataques à independência e autonomia do Sistema Inter-americano de Direitos Humanos;
- a manutenção da retórica anti-direitos humanos pelas autoridades de alto nível, incluindo o presidente da República, o que poderia legitimar diversas violações aos direitos humanos.
No dia 21 de maio, uma delegação composta pela directora da Amnistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, e pela directora da Amnistia Internacional para as Américas, Erika Guevara-Rosas, visitará Brasília, onde tentará entregar ao presidente Bolsonaro e outros representantes do governo uma carta que reúne estas preocupações e recomendações para garantir, promover e proteger os direitos humanos no país.
Algumas das medidas adoptadas ou propostas por este governo nestes 5 meses inspiram muitas preocupações: com elas, se pode elevar o risco de homicídios por armas de fogo; legitimam uma política de segurança pública baseada no uso da força letal; violam os direitos de povos indígenas e quilombolas; baseiam a política de drogas em práticas punitivas e ineficazes; poderia aumentar injustificadamente o controle das ONG; negam o direito à verdade, justiça e reparação para as vítimas do regime militar. Tudo isso acompanhado de uma retórica abertamente anti-direitos humanos que se soma às preocupações da Amnistia Internacional sobre a situação dos direitos humanos no Brasil”.
Este é um momento extremamente delicado nas Américas, com governos que, em vez de proteger os direitos humanos das pessoas em seus países, promovem medidas e políticas devastadoras para as pessoas, incluídas, por exemplo, as pessoas centro-americanas que precisam de Protecção nos Estados Unidos; ou promovem a violência e perseguem seus oponentes, como é o caso da Venezuela e da Nicarágua. Nos últimos meses, vemos como esta tendência regressiva afecta o Brasil com algumas posturas preocupantes do governo do presidente Bolsonaro”.
Em 2017, a Amnistia Internacional mostrou que o Brasil era um dos países mais perigosos das Américas para os defensores de direitos humanos, e a Global Witness revelou que era o mais arriscado do mundo para quem defende os direitos humanos relacionados à terra e o meio ambiente. É urgente que o presidente Jair Bolsonaro adote medidas para reverter este quadro, respeite os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, garanta liberdade de actuação para pessoas e organizações que actuam no país pela construção de uma sociedade melhor, e abandone seu discurso anti-direitos humanos, que legitima violações contra determinados grupos”.
Para a mesma responsável, é preocupante que o espaço de actuação da sociedade civil em todo o mundo esteja diminuindo, com a adopção de múltiplas leis que buscam controlar e impedir o trabalho de Organizações Não Governamentais.
“Existem, lamentavelmente, cada vez mais países que tentam controlar organizações não governamentais e buscam impedir o trabalho de organizações que são cruciais por apontarem falhas, crimes e violações de direitos humanos cometidos pelo Estado. Nos preocupa que as medidas adoptadas pelo actual governo no Brasil sobre acompanhamento de ONG vão na mesma direcção”, diz Erika Guevara-Rosas, que completa: “A comunidade internacional continuará atenta a se Bolsonaro e seu governo cumprirão sua obrigação de proteger e garantir os direitos humanos”.
Esta medida, como muitas outras, se dá no marco de uma retórica tóxica, abertamente anti-direitos humanos. A este respeito, Erika Guevara-Rosas expressa:
Temos visto recentemente em muitos países líderes políticos fazendo campanha com uma agenda e um discurso abertamente contrários aos direitos humanos. No Brasil, esta retórica começa a se converter em medidas concretas. Por isso, pedimos a Bolsonaro que adopte medidas firmes e decisivas para proteger e garantir os direitos humanos em todo o país e assegurar que as pessoas que os defendem e se mobilizam a seu favor possam fazê-lo sem medo de sofrer represálias”.
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