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Domingo, Novembro 3, 2024

Bolsonaro e a velhíssima política do “é dando que se recebe”

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

Para aprovar a reacionária e impopular reforma da Previdência, Bolsonaro pratica o velho e tradicional “toma-lá-dá-cá”.“40 milhões! 40 milhões!” – entoavam manifestantes contrários à reforma da Previdência numa das entradas da Câmara dos Deputados, na terça-feira (9), a cada parlamentar favorável ao projeto enviada ao Congresso Nacional por Jair Bolsonaro que passava. Aquele coro foi o autêntico réquiem da propalada “nova política”, alardeada pelo presidente desde a época em que foi tido como o “mito”, na campanha eleitoral de 2018.

Aqueles manifestantes se referiam à imoral e antiética promessa que o ministro da Casa Civil e articulador político do governo, Onyx Lorenzoni (DEM/RS) teria feito, de liberar emendas no valor de até 40 milhões de reais, até 2022, aos deputados que votassem a favor da draconiana, reacionária e anti-popular reforma da Previdência. Esta informação, escandalosa e muito grave, foi confirmada por líderes de cinco partidos e deputados do DEM, PP, PSD, PR, PRB e Solidariedade.

Bolsonaro, que se elegeu com a promessa de mudar anacrônicos hábitos na relação entre Exeutivo e Legislativo, rendeu-se ao fisiologismo mais calhorda para aprovar esta traição ao povo e aos trabalhadores e atender aos interesses exclusivos dos especuladores financeiros.

Da mesma maneira como governos anteriores, ele usou deste recurso imoral e antiético para conseguir aprovar medidas rejeitadas pelo povo e pelos trabalhadores e que, de outra maneira, os parlamentares dificilmente aprovariam.

Bolsonaro comprou votos como Fernando Henrique Cardoso, em 1997, para aprovar o direito da reeleição; pagou, como foi revelado na época, pelo menos 200 mil reais a deputados que votaram pela mudança que o beneficiou. Outro que comprou votos foi o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em abril de 2016, para impor o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, como reconheceu mais tarde o operador financeiro Lúcio Funaro, que foi o agente daquela vilania. Bolsonaro repetiu ação idêntica de Michel Temer, em meados de 2017, quando Câmara analisava denúncias graves contra o presidente golpista Michel Temer.

O fisiologismo é apanágio da direita e dos conservadores brasileiros, que desde sempre traduzem suas convicções e consciências em valores financeiros.

Bolsonaro e os deputados da direita que o apoiam são desta estirpe. Não os move convicções ou o espírito público, mas o interesse pessoal. A liberação de emendas ao orçamento, usada como moeda de troca em negócios imorais desta natureza, atende a interesses paroquiais dos deputados envolvidos – a construção de uma ponte, um posto de saúde ou seja lá o que for – que podem posar diante de seu eleitorado como aquele que “conseguiu” dinheiro do governo para aquela obra.

É o “toma-lá-d-cá” mais tradicional e vergonhoso que existe na política brasileira. Que levou, na época do governo José Sarney o deputado Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP) (1927-1996), um dos líderes do Centrão e conhecido fisiológico, a dizer que “é dando que se recebe”. Frase atualizada, no final de junho, pelo deputado federal Herculano Passos (MDB-SP), vice-líder do governo na Câmara, ao dizer que “o governo tem que prestigiar quem apoia. Isso faz parte da política”.

Bolsonaro e Onyx retomam o toma-la-da-ca

Sob Bolsonaro esta lógica se manifestou amplamente, com as burras do Orçamento, abertas, para aprovar a reforma da Previdência. A imprensa informa que depois da chegada daquele projeto nefasto à Câmara do Deputados, o governo liberou desde março, 4,3 bilhões de reais para atender a emendas parlamentares. Liberação acelerada nos primeiros dias de julho, às vésperas da dotação em plenário daquela emenda. Apenas na terça-feira (10), um dia antes da votação, o valor das emendas ao Orçamento da União chegou a 1,1 bilhão de reais. Segundo a ONG Contas Abertas, que analisa as contas do govermo, desde março o valor alcançou 4,3 bilhões de reais. Nos primeiros cinco dias de julho, foram 2,55 bilhões, caracterizando a compra de votos.

A liberação das emendas é prevista em lei. O cientista político Paulo Calmon, da Universidade de Brasília (UnB), explica que o “processo orçamentário brasileiro é repleto de idiossincrasias e há uma série de normas e práticas que favorece a realização dessas transações”. Ele lembra que “o toma lá dá cá tem longa trajetória na política brasileira e foi adotado em várias votações importantes no passado recente.” Mas seu uso com a liberalidade típica de governos que querem aprovar medidas impopulares é fortemente antiético, imoral e beira ao crime quando o objetivo é comprar votos para influir em votações no Congresso.


Texto em português do Brasil


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