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Segunda-feira, Novembro 25, 2024

A radicalização e o risco de golpe em marcha

Tereza Cruvinel, em Brasília
Tereza Cruvinel, em Brasília
Jornalista, actualmente colunista do Jornal do Brasil. Foi colunista política do Brasil 247 e comentarista política da RedeTV. Ex-presidente da TV Brasil, ex-colunista de O Globo e Correio Braziliense.

Eu começava a escrever que, por tudo que já aprendemos sobre o bolsonarismo, o caso caso do porteiro devia adubar a radicalização política de Bolsonaro e seu clã. Tendo dito em depoimento que um dos supostos assassinos de Mariele deu a casa de Bolsonaro como destino, ao visitar o condomínio em que se reuniu com suposto comparsa no dia do crime, foi desmentido pelos registros de chamada e voz da portaria.

Bolsonaro deu seu show, atiçando as bases, e a TV Globo ficou vulnerável. Mal comecei a escrever, vejo na tela a última ameaça de perpetração de um golpe, com Eduardo Bolsonaro avisando que se a esquerda radicalizar pode haver um novo AI-5. Repito a pergunta de meu último artigo: quem vai deter Bolsonaro?

Ainda sobram perguntas sem respostas no caso do porteiro, e a mais intrigante delas é: por que raios o porteiro foi escrever na planilha manual que, no dia do crime, por volta das 17 horas, lá esteve Elcio Queiroz, pedindo para ir à casa 58, a de Bolsonaro? Os registros dizem que o porteiro só acionou a casa 65, do comparsa Ronnie Lessa, que pessoalmente autorizou a entrada. Alguma traição do inconsciente? Alguma outra vez ele atendeu o mesmo homem, mas com destino à casa 58, e isso lhe ficara na memória e o fizera confundir-se ao escrever na planilha? Especulo, claro: e se ele ligou para os moradores da casa 58 por celular ou outro meio? Certo é que, não podendo advinhar que Mariele seria executada horas depois, ele não pode ter tido a intenção de incriminar o então deputado e hoje presidente. E agora, no dias 7 e 9, por que teria mentido, mexendo com gente tão poderosa? Mistérios.

Mas, desqualificado o depoimento do porteiro noticiado pela TV Globo, inclusive por procuradoras do Ministério Público do Rio, era previsível que os Bolsonaros aumentassem a carga contra a emissora, que ficou vulnerável porque fez apuração incompleta (depois falarei disso), e contra toda a mídia. O recrudescimento já aparecera no vídeo do leão, em que pelo menos três veículos, e com destaque a TV Globo, aparecem como hienas, juntamente com as outras instituições atacadas: STF, OAB, partidos políticos, CUT etc. Era previsível que os Bolsonaro subissem o fogo, denunciando perseguição ao presidente, para manter ativas e exaltadas as forças radicais do bolsonarismo.

Mas eis que Eduardo elege a esquerda como alvo para fazer sua nova ameaça. “Tudo é culpa do Bolsonaro. Se a esquerda radicalizar neste ponto, a gente vai ter que dar uma resposta. Uma resposta que pode ser um novo AI-5”. Na entrevista a Leda Nagle, lembrou os tempos da luta armada contra a ditadura, quando houve sequestros de embaixadores e assaltos a bancos, para anunciar o projeto de uma ditadura populista de extrema-direita, com a adoção de um AI-5 aprovado em plebiscito, pelas massas bolsonaristas. Será que Bolsonaro ainda teria maioria para isso? Será que nossas instituições democráticas ruiriam ao ponto de permitir tal consulta?

Disse ele: — Vai chegar um momento em que a situação vai ser igual a do final dos anos 60 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando executavam-se e sequestravam-se grandes autoridades, consules, embaixadores, execução de policiais, de militares. Se a esquerda radicalizar a esse ponto, a gente via precisar ter uma resposta. E a resposta, ela pode ser via um novo AI-5, via uma legislação aprovada através de um plebiscito, como aconteceu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada.

Mas que radicalização vem cometendo a esquerda, neste momento, contra o governo do pai? Que radicalização é essa, quando a esquerda está tolhida, não conseguindo sequer fazer grandes atos pacíficos em defesa de Lula ou em protesto contra as agressões de Bolsonaro, pois não há disposição de luta nas ruas? A população segue dividida entre os que apoiam Bolsonaro, os que perderam todo o encanto com a política e os que optaram por cuidar da vida, que anda dura, e uma minoria que resiste como pode, nos espaços ainda possíveis.

E que bola de cristal tem Eduardo Bolsonaro para dizer que a situação vai chegar num ponto em que será preciso responder com ato ditatorial à radicalização da esquerda?

Quem está radicalizando são eles, que por serem essencialmente autoritários não suportam conviver com o outro, com a liberdade de imprensa e com a crítica. Que buscam eles, senão o pretexto para o golpe? Não sejamos paranoicos, mas também não sejamos ingênuos. Algo de terrível parece estar sendo cavado sob nossos olhos assustados.

Ainda esta semana o ex-ministro Bebiano, que bem conhece o bolsonarismo, disse numa entrevista que só vê três caminhos para o governo: impeachment, renúncia ou golpe. E acrescentou que Bolsonaro pode não ter sucesso no golpe, mas que a seu ver, vai tentá-lo.

Então repito a pergunta: quem vai deter Bolsonaro e sua escalada autoritária, quem vai denunciar a maquinação tenebrosa que eles fazem questão de explicitar? Não bastam os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio. Não bastam editoriais comedidos dos jornais, É preciso parar esta marcha, e não apenas dizendo “no passarán”. Ou ressuscitando o “não vai ter golpe”.

Sobre a TV Globo e sua reportagem

A TV Globo ficou vulnerável não foi por medo das ameaças de Bolsonaro. Foi porque o desmentido dos procuradores e de Carlucho, mostrando que os depoimentos do porteiro não condizem com os registros fonográficos do interfone, expôs a incompletude de sua apuração.

É simples: os investigadores recolheram o registro manual da portaria do condomínio, onde aparece a casa 58, de Bolsonaro, como destino do visitante, no dia 5 de outubro. Nos dias 7 e 9, o porteiro prestou depoimento e disse o que disse. E no dia 15 os investigadores tiveram acesso aos registros do serviço de interfone, que não batem com o depoimento nem com o registro manual.

De duas, uma: ou a fonte da TV Globo só sabia uma parte da história, a que antecede o dia 15, ou propositalmente, para obter o estrépito, omitiu a segunda parte, a dos registros de chamada e voz. Uma apuração junto a moradores ou ao síndico do condomínio teria revelado a existência dos registros técnicos.

Trabalhei 24 anos nas Organizações Globo, e por honestidade devo dizer que, ao meu tempo (1983-2007) havia rigor na apuração. Uma matéria de tal gravidade exigia confirmações e rechecagens, muita segurança antes de ser veiculada. Sou cria profissional de Evandro Carlos de Andrade e de Carlos Lemos, grandes nomes da nossa imprensa. Exigentes ao extremo.

O que houve depois, para todo o jornalismo brasileiro, foi a nefasta influência da Lava Jato. Foi a troca da apuração rigorosa pela recepção de vazamentos, afora fatores tecnológicos como a pressa imposta pelo tempo real. Mas foi a Lava Jato que deformou o jornalismo brasileiro, incensando o furo vazado e o furor denuncista, a compra das versões e das delações como verdades. Veio da Lava Jato, publique-se.

O que houve ali foi isso: uma apuração incompleta, que serviu para atiçar as iras bolsonaristas e já produz novos arreganhos autoritários.


Texto original em português do Brasil



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