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Sexta-feira, Novembro 1, 2024

Bolsonaro mentiu e faturou legado ambiental dos governos do PT

Tereza Cruvinel, em Brasília
Tereza Cruvinel, em Brasília
Jornalista, actualmente colunista do Jornal do Brasil. Foi colunista política do Brasil 247 e comentarista política da RedeTV. Ex-presidente da TV Brasil, ex-colunista de O Globo e Correio Braziliense.

Em seu discurso na cúpula de líderes pelo clima, Bolsonaro tentou inutilmenet enganar o mundo, mentindo e trapaceando. Não colou, como se viu pela própria ausência do anfitrião Biden na hora de sua fala. Cínico, tentou faturar como obra de seu governo os resultados obtidos pelos governos do PT, pedindo dinheiro para conservar o legado que está sendo destruído em sua gestão.

Mas contra os fatos não há esperteza verbal que funcione. Bolsonaro não foi levado a sério, saiu desmoralizado mais uma vez.

Começo com as apropriações indébitas do legado dos governos passados, especialmente o dos governos do PT. Disse Bolsonaro:

Contamos com uma das matrizes energéticas mais limpas, com renovados investimentos em energia solar, eólica, hidráulica e biomassa. Somos pioneiros na difusão de biocombustíveis renováveis, como o etanol, fundamentais para a despoluição de nossos centros urbanos.”

Embora o etanol tenha sua gênese nos governos militares, foi Lula que turbinou o programa, investindo fortemente também no biodiesel. Não estão ocorrendo “renovados investimentos” em energias limpas. As mais novas hidreelétricas, bem como os programas de expansão da geração de energia solar e eólica, são legados dos governos petistas. A eólica foi muito incentivada por Dilma, que sofreu verdadeiro bulying midiático por conta de uma metáfora que os adversários, na mídia e na oposição,  fizeram questão de não entender para dela debochar. Gerar e acumular energia eólica é como se estivéssemos estocando o vento, foi mais ou menos o que ela disse. E é isso mesmo. O mesmo vale para a água das hidreelétricas.

Estocamos a energia que dela tiramos.

Mas na cúpula, Bolsonaro já começou faturando o alheio: “Historicamente, o Brasil foi voz ativa na construção da agenda ambiental global. Renovo, hoje, essa credencial, respaldada tanto por nossas conquistas até aqui quanto pelos compromissos que estamos prontos a assumir perante as gerações futuras.”  A primeira frase é verdadeira mas o Brasil só foi voz ativa na agenda ambiental global até 2016, entrando definitivamente na contramão a partir de 2019, com a posse dele. O “historicamente” remonta a Sarney, que criou o IBAMA,  a Collor, que presidiu a Eco-92, a FHC, que criou novas reservas de proteção ambiental, e  a Lula e Dilma, que conseguiram resultados aplaudidos pelo mundo na redução do desmatamento, entre outras ações. Temer e Bolsonaro estão fora deste histórico.

“Temos orgulho de conservar 84% de nosso bioma amazônico”, disse ele ainda.  Segundo o INPE, a floresta amazônica já perdeu 700 mil km², ou 17% de sua áera, restando preservados 83%. O que Bolsonaro não diz, mas o mundo sabe, é que em seu governo o desmatamento pegou velocidade inédita. Só em março passado cresceu 217% em relação a março de 2020.  Foi de 9,5% entre julho de 2019 e agosto de 2020.  E de lá para cá disparou, chegando aos absurdos atuais.  O que ele não disse, e o mundo sabe, é que a maior redução do desmatamento ocorreu na era petista – 83% entre 2004 e 2014.

Bolsonaro mente que nem a língua sente. “Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados às ações de fiscalização.” A quem ele pensa que engana? Todo o mundo sabe que ele e seu anti-ministro Ricardo Salles favorecem o desmatamento limitando a ação dos órgãos de fiscalização, seja  cortando recursos ou intimidando os agentes. Foi no governo Lula, na gestão de Marina Silva, que as entidades ambientais ganharam mais musculatura.

Agora mesmo foi demitido o delegado da PF que denunciou Salles ao STF, por dificultar a fiscalização. No último dia 14 o ministro editou portaria inibindo a aplicação de multas, ato que esta semana foi denunciado em carta subscrita por mais de 400 servidores do Ibama. A fiscalizaçaõ está literalmente parada.

Em agosto de 2019, num prenúncio do quanto ele brigaria com a ciência, Bolsonaro demitiu o respeitado cientista Ricardo Galvão da presidência do INPE, acusando-o de inflar dados do desmatamento e de estar a serviço de ONGs. Em julho do ano passado exonerou Lúbia Vinhas da coordenação de Observação da Terra do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), estrutura responsável pelos sistemas de monitoramento de desmatamento na Amazônia. Ainda no começo do governo, transferiu  da FUNAI para o Ministério da Agricultura a prerrogativa para demarcar terras indígenas. “Enquanto eu for presidente não haverá demarcação”, disse em 2019. E não teve mesmo.  Ele acha que o tamanho das reservas é “abusivo”, ecoando interesses de grileiros, pecuaristas e garimpeiros.

Bolsonaro mente que nem a língua sente. Mentiu  descaradamente ao afirmar, repetindo algo que Salles diz o tempo todo: “Devemos enfrentar o desafio de melhorar a vida dos mais de 23 milhões de brasileiros que vivem na Amazônia, região mais rica do país em recursos naturais, mas que apresenta os piores índices de desenvolvimento humano16. A solução desse “paradoxo amazônico” é condição essencial para o desenvolvimento sustentável na região.”

Não existem 23 milhões de pessoas que precisam desmatar para sobreviver. Nas capitais da região, as pessoas vivem de outras atividades, de comércio, indústria ou serviços. Os chamados povos da floresta vivem do que ela produz, mas de modo sustentável. São coletores. Quem desmata são garimpeiros, grileiros, pecuaristas e lavouristas. E não somam 23 milhões de pessoas. Lorota para mendigar recursos.

De concreto, a vaga promessa de acabar com o desmatamento ilegal até 2030, quando ele não estará mais governando, pois tanto mal não há de durar tanto. Não fixou metas de curto e médio prazo, que exijam esforço de seu governo. Ou seja, prometeu o que deixará para sucessores cumprirem.  O mesmo vale para a promessa de reduzir em dez anos (de 2060 para 2050) o prazo para o Brasil atingir a neutralidade climática, ou seja, para zerar as emissões de CO2. Ele promete a longo prazo, para poder continuar impune.

E depois de pedir ajuda financeira como “justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta”,  encerrou dizendo: “Contem com o Brasil”. Os outros governantes, os ambientalistas e todos os defensores do planeta sabem que, enquanto ele for presidente, isso não será possível. O mundo se recorda de que ele, eleito mas ainda não empossado, pediu que o Brasil  retirasse sua candidatura para sediar a Conferência do Clima da ONU (COP25), marcada para o 2019. Eventos regionais sobre mudanças climáticas também foram boicotados depois que ele tomou posse, inclusive um encontro da ONU em Salvador. Passou a atacar ONGs, índios e ambientalistas, e a defender mineração em terras indígenas. Os recursos do Fundo Amazônia foram congelados no BNDES, com a falsa alegação de que havia irregularidades na aplicação.

Por tudo isso, Bolsonaro não foi levado a sério pelos participantes da cúpula. Mas desta vez, emparedado aqui e lá fora, não teve a pachorra de dizer, como disse na ONU em 2019, que o Brasil é vítima de perseguição de países que ambicionam a Amazônia.


Texto original em português do Brasil


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